Cordialidade, hospitalidade, generosidade – qualidades tão elogiadas pelos estrangeiros – representam, com efeito, um traço do caráter brasileiro; mas é engano supor que estas virtudes possam significar boas maneiras ou civilidade; são, antes de tudo, a expressão de um fundo emotivo rico, como observa Sergio Buarque, em Raízes do Brasil.

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Provavelmente todos já viveram essas experiências: uma fila de passageiros entrando em um ônibus, quando todos vão se empurrando tentando um passar na frente do outro para conseguir sentar; o morador que faz barulho depois das 22h e o vizinho que vai à janela aos berros, ameaçando chamar a polícia; o pai que vai “tirar satisfações” da escola porque o filho foi xingado pelo coleguinha etc.

Sérgio Buarque usa o termo cordial, que vem de “cuore” – coração, em latim – para dizer que o brasileiro tudo faz em nome do coração, dos interesses particulares. O compromisso é antes de tudo com a família, não existe a ideia de comunidade. Comportamento que está na origem do patrimonialismo dos nossos políticos: tudo é justificado desde que seja para beneficiar os parentes, garantir o emprego público do genro; um bom patrimônio, um futuro tranquilo etc; não existe distinção entre privado e público.

O problema está na família patriarcal, ainda predominante, que educa seus filhos dentro de valores estritamente domésticos, o que os leva também à aversão ao ritualismo social, a gostar da intimidade e a estar sempre procurando abolir as barreiras. O brasileiro gaba-se de ser caloroso, mas confunde expansividade com polidez, que exige respeito a rituais e hierarquias e a lei geral suplanta a lei particular. E, (…) onde predomina a família patriarcal a formação e evolução da sociedade tende a ser precária.

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