Uma doença grave. Uma família superprotetora. Uma psicose em processo de agravamento. Um filme. Um videogame.

Continua depois da publicidade

Essas foram as peças que a psicóloga jurídica Vera Lucia Lourenço Jacometi juntou para afirmar que Marcelo Pesseghini, 13 anos, estava em surto psicótico ao matar o pai, a mãe, a avó e uma tia-avó, na madrugada de 5 de agosto, em São Paulo.

Autora do laudo psicológico solicitado pela Polícia Civil, a perita afirma que Marcelo tinha uma disfunção psíquica que o estava fazendo embaralhar fantasia e realidade. Quando teve o surto, acreditou ser o personagem do game Assassin’s Creed. Executou a família como o garoto do filme Horror em Amytiville.

– O que eu fiz foi montar um quebra-cabeças que mostra a conexão do jogo e do game com o crime. Eles não são tudo, mas tiveram um papel decisivo – garante a psicóloga.

Para chegar ao laudo, ela acompanhou os depoimentos colhidos pela polícia. Os mais importantes foram os de colegas de aula de Marcelo. Eles contaram que o menino planejava matar a família durante a noite e fugir para virar matador de aluguel, inspirado no videogame. Vera pesquisou textos do garoto, assistiu a vídeos e analisou perfis na internet.

Continua depois da publicidade

Depois de supostamente matar os pais, Marcelo foi à escola na manhã seguinte. Terminada a aula, voltou para casa, onde teria se suicidado ao pé dos pais. Vera Lucia diz que o surto psicótico chegou ao fim neste momento.

– Quando ele foi à escola, era o matador de aluguel. Quando viu os pais, saiu da psicose e se arrependeu – afirma a perita.

Marcelinho confundiu ficção com realidade

Autor de obras como o Manual de Psicologia Jurídica para Operadores de Direito, o doutor em psicologia forense Jorge Trindade afirma que os laudos psicológicos são solicitados sempre que há dúvida sobre a sanidade mental do acusado. Trindade observa que surtos psicóticos costumam ter como gatilho algum evento traumático, que pode ser um filme ou um acidente. Mas eles acontecem com alguém que tem predisposição. Esses surtos são mais comuns em adolescentes, ainda em formação, do que em adultos.

– Quando o surto é deflagrado, rompe-se o princípio da realidade. Ele pode durar horas, dias ou meses – afirma.

Continua depois da publicidade

O psiquiatra forense Paulo Oscar Teitelbaum observa que um videogame, isoladamente, não tem relação de causa e efeito com um surto.

– O videogame sozinho não desencadeia o surto. Precisa de outros fatores associados. Como fator isolado, ele também não torna as crianças violentas. Se a estrutura familiar for adequada, com o pai e a mãe cumprindo seus papéis, o videogame não vai desencadear nada – diz.

OS INGREDIENTES DO HORROR

A psicóloga jurídica Vera Lucia Lourenço Jacometi, autora do laudo psicológico de Marcelo, identificou pelo menos oito fatores que, em conjunto, podem explicar o crime cometido pelo adolescente

A DOENÇA

* A vida de Marcelo teria sido marcada pela perspectiva da morte. Ele tinha fibrose cística. Os médicos chegaram a dizer que viveria só quatro anos. Depois, ampliaram para 18 anos a expectativa. Poucos dias antes do crime, uma amiga com a mesma enfermidade morreu.

Continua depois da publicidade

– Isso pode ter sido um desencadeador. Ele pode ter pensado que aconteceria com ele – afirma Vera Lucia.

A SUPERPROTEÇÃO

* Por causa da doença, Marcelo seria superprotegido pela família. Os pais não o deixavam sair de casa, por temer que isso agravasse sua condição, e a avó ficava ao portão para esperá-lo chegar da escola. Ele era tratado quase como um bebê. Em razão disso, o menino passava o tempo todo dentro de casa, diante do computador, envolvido com filmes ou jogos violentos. Esse contexto teria contribuído para que ele desenvolvesse uma psicose de adolescência.

– Nessa psicose, ocorre uma confusão entre a realidade e a imaginação.

O AMBIENTE

* O laudo psicológico afirma que Marcelo vivia inserido em um ambiente de banalização da morte e da violência. Os pais eram policiais e, por causa disso, seria comum em casa falar de mortes.

* Ao mesmo tempo, os pais teriam ensinado o menino a burlar as leis. Deram aulas de tiro e de direção a ele.

Continua depois da publicidade

– A violência e a transgressão alteram a psicologia da criança, porque ela não está com a mentalidade formada. O menino só falava em morte, dizia que matar era ótimo – diz.

O VIDEOGAME

* Segundo a perita, o videogame Assassin’s Creed desempenhou um papel fundamental na motivação. Marcelo criou na escola, inspirado pelo game, o grupo Mercenários, no qual quem matasse os pais ganhava pontos e se tornava um líder.

Falava em ser um assassino como o personagem principal e, na medida em que a psicose se agravava, confundia essa fantasia com a realidade. Dias antes do crime, colou uma imagem do personagem como identificação em seu perfil no Facebook.

– Ele vestiu o personagem. Só falava nisso. Quando se analisa o vídeo dele chegando à escola, o que se vê é o matador de aluguel do jogo. As passadas largas, a roupa, a postura, tudo é como se ele disse: “sou um matador.”

Continua depois da publicidade

O FILME

* Horror em Amytiville, em que um menino mata os pais e os irmãos durante a noite, teria sido decisivo para Marcelo. Colegas contaram que o garoto havia assistido ao filme. Segundo Vera Lucia, Marcelo encontrou ali seu modus operandi.

– Ele não sabia como se tornar um matador. É como se o filme tivesse ensinado. O Marcelinho fez como o personagem.

A PSICOSE

* Nas últimas semanas antes do crime, a psicose de Marcelo teria se agravado. Cada vez mais, ele se descolava da realidade e mergulhava na fantasia do assassino de aluguel. Vera Lucia diz que recentemente ele havia tentado matar a avó com um arco e flecha e ameaçara a mãe de morte. Na frente de casa, apontava o dedo para os passantes e fazia disparos imaginários. Na escola, usava uma régua com essa mesma finalidade.

– Ele estava em um processo de surto – explica a perita.

O GATILHO

* A psicose de Marcelo estaria em processo de agravamento, mas algum fato deve ter ocorrido na véspera das mortes para desencadear o surto psicótico. A perícia não conseguiu determiná-lo. Uma suspeita de Vera Lucia é que esse gatilho possa estar relacionado a uma festa que reuniu os colegas do menino naquele fim de semana. Ela levanta a hipótese de que Marcelo tenha sido proibido de ir.

Continua depois da publicidade

– O que realmente aconteceu, nunca vamos saber. Morreu com eles – diz.

O FIM DO SURTO

* A perita afirma que o surto de Marcelo chegou ao fim quando ele voltou para casa e viu a família morta. Nesse momento, teria saído do personagem. Indícios obtidos pela perícia sugerem que o menino teve um momento de arrependimento: ele teria chorado e passado a mão nos cabelos da mãe. Arrependido, matou-se.

– Se não tivesse voltado para casa, ele não se suicidaria. A intenção dele era ser um matador de aluguel.