Há uma mudança cultural acontecendo quando o assunto é educação infantil. Há séculos, a desobediência vem sendo punida com castigos físicos e as famílias têm reproduzido esse método. Entretanto, a psicologia afirma que a imposição da força, mesmo que não doa fisicamente, pode desencadear traumas sérios na vida adulta. Esse é um tema polêmico, pois o senso comum diz que a palmada é uma maneira eficiente de ensinar limites.

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As crianças, em fase de aprendizagem, permanecem sensíveis aos estímulos e têm grande potencial de confronto, pois assim testam até onde podem ir. Cabe aos pais ensiná-las sobre a frustração. Uma criança sem limites poderá ser um adolescente vulnerável e um adulto com problemas.

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Conforme a psicóloga Marínea Maria Fediuk, é preciso observar, inicialmente, dois fatores: como é a relação entre a família, se é um ambiente tranquilo e de respeito e se existe uma rotina organizada em casa. O tom de voz e o tratamento entre o pai e a mãe são os primeiros exemplos que a criança recebe.

– Existem os neurônios-espelhos, que determinam que aprendemos mais pelo que vivenciamos do que pelo que nos ensinam. Então, a criança vai afrontar no mesmo tom que percebe o pai falando com a mãe, ou deles falando com a criança. Ela começa a espelhar esse comportamento. Isso é algo sobre o qual não se tem controle, pois é neurológico – afirma a psicóloga.

Já a organização da casa ensina à criança qual é o papel dela naquele espaço: qual é a função da criança e a do adulto. Segundo Marínea, muitas famílias têm dificuldade em colocar a criança para dormir cedo ou para controlar o acesso aos tablets e celulares. Nessas situações, é preciso criar um ambiente de seriedade e um diálogo “olho no olho”, com o adulto no lugar de autoridade.

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É preciso fazer a criança entender, logicamente, que o corpo dela necessita de descanso e que no dia seguinte ela terá compromissos. Se ela não dormir bem, por exemplo, se sentirá mal amanhã.

Marínea aponta – com base no princípio de Jean Piaget sobre as “sanções por reciprocidade” – que as crianças precisam compreender que seus atos têm consequências. Quando esse comportamento é estabelecido, naturalmente não será necessária a violência.

Nada de palmada

Mãe de um Vitor, de nove anos, e de Sara, de quatro, Simone dos Santos Inácio decidiu que iria criar os filhos sem o uso da palmada.

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– Sempre tento conversar com os meus filhos, temos um contato de muita troca. Quando eles fazem algo errado, sempre tem consequência, como ficar sem brinquedo ou sem celular. Ou quando estão comportados, recebem recompensas, como ir ao cinema ou comer um lanche de que gostam. Isso funciona e não foi difícil. É consciência, mesmo – explica.

Simone afirma já ter lidado com problemas da filha na escola, por exemplo, e recorreu à psicologia para ajudar na educação dos filhos. Ela recomenda que, mesmo sob estresse, é preciso que os pais e mães se imponham sem a necessidade da palmada, pois o diálogo tem sido eficiente para mudar as atitudes das crianças.

“Trauma é de longuíssima duração”

A psicóloga Marínea Maria Fediuk aponta que, nos registros sobre a história da infância, a palmada vem de uma compreensão católica de que o corpo precisa sofrer para educar a alma. E esse entendimento vem se reproduzindo, culturalmente, por isso é tão difícil desconstruí-lo. Para a psicóloga, a chave para eliminar o castigo físico é tratar a criança como um ser capaz de aprender e compreender.

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– A palmada é sempre traumática, e o trauma é uma memória de longuíssima duração. Não se extingue. A nossa amígdala cerebral guarda essa memória como uma questão de sobrevivência. E isso se transforma em problemas como ansiedade, perfeccionismos, crises de pânico. Então, temos essas pessoas reprimidas, cheias de ódio. Na psicoterapia do trauma se resgata muito da violência infantil – afirma.

Em junho de 2014, após 11 anos de discussão, foi sancionada a Lei Menino Bernardo, ou Lei da Palmada, como ficou conhecida popularmente, que estabelece o direito de as crianças serem educadas sem a aplicação de castigos físicos ou cruéis. Essa é uma política que tem enfrentado resistência, pois muitas pessoas defendem a eficácia da violência. A pergunta que Marínea coloca é: “Que pais queremos ser: o temido ou o respeitado?”

O que diz a Lei Menino Bernardo ou Lei da Palmada

  • Estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel.
  • Define castigo físico como qualquer ação com o uso da força física que resulte em sofrimento ou lesão.
  • Define tratamento cruel como conduta que humilhe, ameace ou ridicularize a criança ou o adolescente.

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Cinco medidas aos agressores

  • Encaminhamento a programa de proteção à família, a tratamento psicológico ou psiquiátrico, a cursos ou programas de orientação, obrigação de oferecer à criança tratamento especializado e advertência.

Medidas punitivas

  • Devem ser aplicadas pelo Conselho Tutelar.
  • Poder público deve criar programas, campanhas educativas e capacitar profissionais para coibir o castigo físico como método educativo.
  • Profissionais das áreas da saúde, assistência social, educação ou de qualquer cargo público são obrigados a comunicar o Conselho Tutelar em casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos, sob pena de três a 20 salários mínimos em caso de descumprimento.

Existe palmada educativa?

Se você acha que um tapa no seu filho vai fazer com que ele aprenda sobre limites e respeito, reflita:

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  • 1. O tapinha carinhoso deve ser considerado agressão?

  • O contato físico entre filhos e pais é fundamental. Nesse caso, você deve ter bom senso e analisar a situação. O tapa representa uma violência, a criança sente dor. Se esse for o caso, o tapa deve ser considerado uma agressão. Nem sempre os adultos percebem a força exercida.

  • 2. O que a criança sente quando está apanhando?

  • De um modo geral, a criança se sente agredida e não consegue relacionar o motivo da violência ao que fez para provocar aquilo. Ela sente medo e isso pode gerar traumas, afinal, ela está apanhando por um motivo não compreendido.

  • 3. Como a palmada se forma na memória do adulto?

  • Ninguém tem lembranças boas de um tapa. Mas como ele vai ser registrado na memória definitiva, varia de acordo com o vínculo afetivo estabelecido com os pais.

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  • 4. A palmada pode se transformar em algo aceitável para a família?

  • Sim. Antigamente, a palmada era usada como instrumento de educação de forma habitual. Assim, o adulto pode entender que só é possível educar dessa forma, transmitindo os valores de violência e agressão para futuras gerações.

  • 5. Em vez de bater, tem problema gritar com a criança?

  • Sim. Substituir os tapas por gritos também não adianta. É um tipo de agressão verbal, por isso tem praticamente o mesmo efeito da violência física.