Os primeiros protestos das jornadas de junho de 2013 em Santa Catarina ocorreram na noite de 18 de junho. Cinco dias antes, uma manifestação contra o reajuste na tarifa de ônibus de São Paulo, que passava de R$ 3,00 para R$ 3,20, havia sido marcada por confrontos dos participantes com policiais. As cenas violentas de confronto com agentes da segurança sensibilizaram a opinião pública e ajudaram na convocação de atos em diferentes capitais do país nos dias seguintes, incluindo Florianópolis.

Continua depois da publicidade

Receba notícias de Santa Catarina pelo Whatsapp

As manifestações em SC e no país reuniram nas semanas seguintes um público heterogêneo, com perfis e pautas diferentes. Pouco a pouco, a profusão de reivindicações ficava expressa nos cartazes levados pelos manifestantes, que pediam desde tarifas de ônibus mais baratas até serviços públicos padrão Fifa, em crítica aos gastos para a realização da Copa do Mundo de 2014. Nesse pacote, entravam também críticas ao então presidente do Senado, Renan Calheiros, à PEC 37, proposta que tentava restringir o poder de investigações criminais do Ministério Público, e muitas outras coisas que, escreviam alguns, “nem cabiam em um cartaz”.

Dez anos depois, catarinenses que participaram dos protestos de junho de 2013 no Estado reconhecem que o movimento atendeu ao bordão e foi, de fato, muito além dos 20 centavos. Serviu como primeiro ato de uma série de mudanças políticas que se sucederam na última década.

Hoje advogado, Isaac Kofi Medeiros ainda era estudante de Direito em junho de 2013 e presidia o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O grupo é reconhecido por liderar mobilizações estudantis em protestos e lutas sociais e também participou dos primeiros eventos das jornadas de junho.

Continua depois da publicidade

Ele lembra que o clima de esperança com os primeiros protestos em São Paulo esteve presente em discursos na posse do DCE, ocorrida no fim de maio. No entanto, já nos primeiros atos ele observou que, apesar de ser um movimento por transporte público de qualidade, também havia uma expressão de indignação do povo com o sistema de política representativa. Um espaço que aos poucos também incorporava diferentes insatisfações.

— Lembro que participamos e, já depois dos primeiros atos, voltei com uma impressão ruim. Havia ali um caráter antipolítico, antipartidário, um pouco intimidatório, não se aceitava bandeiras de partidos políticos ou movimentos sociais. Parecia existir um choque entre o movimento estudantil e pessoas que não estavam acostumadas com isso — recorda.

Ele lembra que o grupo do qual fazia parte praticamente desembarcou dos protestos ainda em junho, descontente com os rumos das manifestações e com a pluralidade de pautas que passou a ocupar as ruas. Dez anos depois, ele avalia que junho de 2013 deixou mudanças.

— No modo de se fazer política, sim (houve mudanças). O sistema político está muito mais preocupado com o que o eleitor pensa, o que foi agravado pelas redes sociais. O sistema político está mais “responsivo” a tudo isso — avalia.

Continua depois da publicidade

Esquerda e direita disputam as ruas

A doutoranda em Ciência Política pela UFSC, Fafá Capela, também lembra de um “ar de estranheza” quando participou dos primeiros protestos em Florianópolis. O desconforto viria de fatos como bandeiras de movimentos sociais causarem tumulto e gritos de “sem partido” de parte dos manifestantes. Ao mesmo tempo, reconhece que na época os grupos da esquerda achavam positivo ter tanta gente na rua, em movimento popular defendendo mudanças na cidade.

— Em um primeiro momento, houve uma empolgação de ver as ruas ocupadas. Depois disso, uma análise mais preocupante com o que se desenrolou. Considero que foi onde plantaram a semente da perseguição aos partidos. E quando se criminaliza os partidos, você condena a política em si — avalia.

Na avaliação dela, os protestos permitiram que a direita passasse a disputar as ruas, espaço até então mais ligado a sindicatos e movimentos estudantes.

Para o historiador e professor Vitor Rollin Prudêncio, o Xuxa, junho de 2023 trouxe avanços, mas também revés ao campo da esquerda, em que milita.

Continua depois da publicidade

— Junho é contraditório por isso. Houve vitórias econômicas, como os projetos de cidades que passaram a defender o passe livre, mas veio junto uma série de derrotas ideológicas, políticas — analisa, em referência às mudanças dos anos seguintes.

Protestos de junho de 2013 levaram multidão com pautas diversas às ruas também em SC (Foto: Cristiano Estrela, arquivo Diário Catarinense)

Virada de chave para a tarifa zero

O mestre em Geografia e ex-militante do Movimento Passe Livre, Victor Khaled, vê os atos de junho de 2013 como um momento de nacionalização de lutas como a tarifa zero, iniciadas com atos em SC ainda em 2004 e em consolidação até hoje.

— Em Florianópolis, há um consenso maior construído anterior a 2013, mas sem dúvida a virada de chave foi após 2013, quando mais setores da sociedade viram a relevância da bandeira da tarifa zero — aponta.

Khaled refuta que os atos de 2013 tenham refletido em episódios políticos seguintes, como o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão da direita. Ele reconhece que depois de 13 de junho, dia do protesto com repressão mais forte da PM em São Paulo, outras pautas foram colocadas nas ruas, mas segundo ele isso teria partido de grupos que teriam tentado “sequestrar as manifestações”.

Continua depois da publicidade

— Ainda assim, se você pegar pesquisas, as manifestações do dia 20, que foram as maiores, quando se dizia que “já não era mais pelos 20 centavos, era uma luta contra a corrupção”, você vai ver que a bandeira principal para a maioria ainda era o transporte coletivo — defende Khaled.

Aumento na participação política

O empresário Ramiro Zinder foi às ruas em junho de 2013 protestar contra a classe política e gastos do governo. Estava insatisfeito porque a empresa que administrava, do setor de gestão de pessoas, sentia efeitos da piora econômica. A partir daquele movimento, passou a se aproximar mais da política. Em novembro de 2014, após a reeleição de Dilma Rousseff, tornou-se um dos fundadores do Movimento Brasil Livre em Santa Catarina (MBL-SC).

Ele não considera que grupos de direita tenham se “apoderado” dos atos de junho. Ao contrário, considera que os protestos foram fruto de uma insatisfação generalizada com a política e os gastos para a Copa. Considera que as pautas eram difusas e o perfil dos que dividiam as ruas, totalmente diferente, sem uma ideologia predominante. No entanto, reconhece que a partir dali todos mudaram o olhar sobre mobilizações de rua.

— O interessante é que aquele foi um movimento de ruptura com o que entendíamos como manifestação de rua. Quebrou o ‘monopólio’ das ruas para partidos de esquerda, sindicatos, movimento estudantil. As pessoas perceberam que se organizando, conseguem fazer barulho e chamar a atenção para suas pautas — avalia.

Continua depois da publicidade

Tal constatação permitiu que nos anos seguintes as jornadas de junho inspirassem outras convocações. Após uma eleição polarizada em outubro de 2014, grupos como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua surgiram dando voz a novas lideranças da direita, como o hoje deputado federal Kim Kataguiri (União). A partir de 2015, esses grupos também levam grandes multidões às ruas, mas desta vez com pautas específicas, como o impeachment de Dilma Rousseff.

Dez anos depois, Ramiro considera que os atos de junho foram um momento positivo da história recente pelo poder de mobilização demonstrado.

— A partir daí o brasileiro começou a se interessar mais por política, e isso é importante. Até junho de 2013, poucos sabiam quem eram os ministros do STF. O movimento fez o brasileiro se interessar, ter uma cultura política de participar, e acho isso saudável — conclui.

Leia também

Ônibus de graça fura bolha da esquerda 10 anos após protestos de junho

Tarifa zero em Balneário Camboriú pode fazer “Dubai brasileira” ter o luxo de uma cidade sem trânsito

Continua depois da publicidade

Concursos públicos com 4.436 vagas são autorizados pelo governo federal