Protagonista do filme-reportagem O Vendedor de Versos, publicado ontem pelo Grupo RBS, Ademar Ferreira Mota, 63 anos, é analfabeto e, por ironia do destino e ajuda de amigos que conheceu pelas ruas da cidade de Itajaí, tornou-se vendedor de livros. A vida dura não tirou a alegria de viver, pelo contrário, Chocolate usa a solidão como inspiração para fazer música e poemas. Conheça um pouco mais da vida do personagem:

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O Sol Diário – Como começou a vender livros?

Chocolate – Meia dúzia de livros me foram doados no Mercado do Peixe, por um amigo. Fui cuidar de carros. Meu amigo disse: “Poxa, você sempre foi um bom vendedor e agora caiu. Vou dar seis livros bons e sei que o senhor vai vender”. Nunca tinha vendido papel. Comecei abordando os carros na fila do Ferry Boat, até que um falou sim. Pensei bem, já que foi fácil, vou vender livros. Arrumei uma bicicleta, uma caixinha de papelão, mas amassava com a chuva. Quase desisti. Comprei uma caixa de peixe por R$ 5. Enchi a caixa de livros. Foi aí que eu comecei a gostar de vender.

Sol – Como começou a fazer poesia?

Chocolate – Tinha meus 17 anos. Hoje ainda faço, mas é devagar, às vezes as palavras fogem. Esses dias um senhor me deu R$ 70 e não comprou nada. Era evangélico. Disse que só queria que eu cantasse uma música que fiz, com um trecho assim: “Sei o, Sei o. Eu sei o que Jesus, ele está neste lugar. Sei o, Sei o. Eu sei o que Jesus, ele vai te levar”. Outro dia comecei com umas bobeiras: “dá uma rede para ela, para ela balançar…” Saíram essas palavras quando olhei para uma moça passando.

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Sol – O senhor não sabe ler. Nunca foi para a escola?

Chocolate – Muito pouco. Naquela época, a mãe ensinava a gente a trabalhar. No Nordeste, na roça, estudar é malandragem. Minha família foi tudo um para lá, outro para cá. Meu pai morreu em Osasco (SP), de cachaça. Eu nunca gostei de cachaça. A minha irmã mais velha, de Santos, seguiu o caminho dele. Minha mãe nunca bebeu. Vivi com uma mulher, tive meus quatro filhos que não vejo há 30 anos. Deixei em Santos.

Sol – Tem vontade de aprender a ler?

Chocolate – Um professor da Univali se ofereceu para me ensinar na casa dele, com direito a suco, cafezinho. Falei que não quero. Disse: eu quero que o senhor seja meu amigo, não me cobre, não me critique. Fui criado pela minha mãe assim, me entenda que não quero, não tenho vontade. Fui educado assim pela minha mãe.

Sol – Como registra os versos que cria?

Chocolate – Guardo tudo na cabeça. Não tenho nada no papel. A inspiração vem da solidão. Eu sou um solitário. As pessoas às vezes dizem “mas o senhor conversa muito bem, se expressa muito bem”. A universidade da vida me ensinou. As palavras surgem das vivências. Vem do nada, quando eu estou triste.

Sol – E as técnicas para vender?

Chocolate – Nada se vende cedinho. As pessoas estão emburradas, com pressa, não querem nada, estão com sono. A hora de vender é ao meio-dia. As pessoas estão espalitando os dentes e chegam. Dão atenção. Cedo não se vende nada. Nem de manhã, nem segunda-feira. Agora, a terça já é um dia bom.

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Sol – E quando o senhor usa suas poesias para vender?

Chocolate – Tenho vários tipos de abordagens. Já vendi muito fazendo poesia, abordando nas mesas. Ao me comprarem, eu ofereço uma poesia. Mas depende do cliente. A gente percebe quando ele é mais aberto. Normalmente eu ofereço a poesia quando tem um casal. Digo que é como se eu fosse o marido oferecendo para a mulher.

Sol – E as músicas?

Chocolate – As músicas que eu faço são boas para o Zé Ramalho cantar. São do estilo dele. Um amigo advogado está me ajudando a registrar. Meu sonho é um dia entrar num carro e ouvir tocando no rádio minhas músicas.

Assista abaixo ao filme-reportagem. Para uma melhor qualidade, selecione a opção HD, no ícone representado por uma engrenagem, na barra inferior do player. Ou clique aqui e assista no Youtube.