Quando entrou em quadra para a última aparição de sua passagem relâmpago pela Rio 2016, Novak Djokovic já tinha em mente também o último gesto. A cada golpe na bolinha, durante a hora e meia que resultou na segunda eliminação em dois dias, desta vez para a dupla brasileira Marcelo Melo e Bruno Soares, a TV enquadrava a munhequeira verde-amarela providenciada pelo sérvio de 29 anos após o argentino Juan Martín del Potro, na véspera, surpreender uma das grandes estrelas dos Jogos.
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Se ele e Zimonji ganhassem, seria o amuleto até a final. Se perdesse, como de fato aconteceu, lançaria a munhequeira para a torcida, em agradecimento. Nenhum outro atleta estrangeiro foi tão festejado pelos brasileiros como o número 1 do tênis, há dois anos absoluto no trono. E há um motivo para isso, capaz de explicar a diferença entre os excepcionais e os candidatos a mito. Djokovic estava ali por algo além de fama e dinheiro, até porque fama e dinheiro não lhe faltam.
Acompanhei cada movimento de Djokovic no Parque Olímpico. Logo após a eliminação para Del Potro, em vez do caminho da zona mista, por engano entrei na área dos atletas. Vi Djokovic de cabeça baixa, os braços estendidos junto ao corpo, inerte, em posição de total prostração, cercado pelos companheiros da equipe sérvia. Um silêncio de doer nos ouvidos. Um homem grande, maior do que ele, talvez da comissão técnica, o agarrou com as duas mãos pelo rosto, como se acarinhasse um filho. Saí rapidamente, antes que alguém da organização me expulsasse.
– Ele queria muito estar aqui – revela Marcelo Melo, próximo de Djokovic desde o primeiro contato, em 2007. – Ficou arrasado por ir embora tão cedo. Nos vídeos que gravamos juntos para postar no Face, ele perguntava obsessivamente por esta Olimpíada. Adorou o Rio desde a primeira vez que visitou. Ele acha os brasileiros parecidos com o jeito brincalhão e emotivo dele.
O que Marcelo diz tem tudo a ver com a cena que vi. Muitos tenistas desdenham os Jogos. Preferem se dedicar ao milionário circuito da ATP e seus patrocinadores, em vez de correr riscos de lesão ou desgaste na maratona de jogos que é um torneio olímpico. Djokovic, não. Dinheiro não lhe falta, é verdade: só em prêmios por título, já ganhou mais de US$ 100 milhões. Deixou o Rio e foi para sua casa em Mônaco, onde mora com a mulher e o filho de dois anos. Nada ruim curtir um baixo astral assim. Mas ele veio ao Rio por outros motivos.
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O pai foi jogador de futebol na extinta Iugoslávia, e o Brasil, ainda que a Seleção tente liquidar este patrimônio histórico a cada novo fiasco, continua sendo o país do nobre esporte bretão. Segue Ronaldinho e outros ex-jogadores no Twitter. Não por acaso, ele tem amigões brasileiros. Como Melo. E Guga, o principal ponto de contato dele com a torcida. Que lhe ensinaram expressões brasileiras. Ouvi o próprio Djoko, com razoável pronúncia, recitando algumas delas, para além do simples “obrigado”.
– Aí, galera!
– Beleza?
– Show de bola.
– É nóis!
– Sou o Djokinho.
– Me sinto como se estivesse na Sérvia. É como se eu fosse brasileiro. Uma experiência única. Nunca vivi nada igual. Esse ambiente da Vila, todo mundo convivendo igualmente junto. Fico triste demais por ir embora tão cedo.
No telão, a cada intervalo de game, a imagem flagra um casal emoldurado por coraçõezinhos. Aí os apaixonados têm de rolar ao menos um selinho. A câmera cortou para Djoko e Zimonji, que é um barbudo gigante, quando os dois já conversaram em quadra, naquele papo antes do saque, mas esqueceram de tirar os corações. O que fez Djokovic, quando a plateia riu? Deu uma encarada no gigante e simulou um beijo, arrancando gargalhadas do público.
Ao final do jogo, juntou as mãos no peito e atirou para a torcida, lembrando o coração de Guga em Roland Garros. Mesmo nas derrotas, atendeu a todos os pedidos de selfie, nos rápidos contatos com voluntários e torcedores, durante os segundos que os atletas ficam fora das áreas de competição, em deslocamento. Vou repetir: todos. O gaúcho Fábio Krebs, gerente médico do tênis, me disse que não era diferente em sessões de fisioterapia ou treinamentos.
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– Le-le-le-ô, Djoko!
– Uh, que maneiro, o Djoko é brasileiro!
O choro após a eliminação para Del Potro diz tudo. Era mais do que ganhar ou perder. Era ganhar uma Olimpíada, com a bandeira da Sérvia no alto, ovacionado pela torcida. O sonho do ouro pode ter indo embora para sempre. Em sua quarta Olimpíada, Tóquio 2020, terá 33 anos. Será a máquina que é hoje? A passagem de Djokovic pelo Rio foi relâmpago, mas o seu clarão iluminou os Jogos . Por um motivo: ela mostrou que nem sempre se trata de ganhar ou perder. Há algo além: o esporte, cujo oráculo é montado de quatro em quatro anos, a cada Olimpíada.