Em 2016, Neuza Maria Ferreira, 72 anos, decidiu deixar uma casa na região Central de Joinville para levar uma vida mais tranquila na zona rural do distrito de Pirabeiraba. A família adquiriu uma chácara na Estrada da Tromba, mas ainda não conseguiu encontrar sossego: uma pequena casa enxaimel localizada no centro do terreno, que parecia apenas mais uma pequena joia em meio às árvores, tem resultado em uma espécie de via-crúcis que ainda não tem prazo para acabar.

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Construída por volta de 1886 por Friedrich Litke em uma via lateral da rua Dona Francisca, a casa não só foi tombada como patrimônio cultural nacional e estadual como também faz parte da lista do Roteiro Nacional de Imigração pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Apesar do conselhos de outros moradores e conhecidos, que estimulavam a família a “sumir” com o imóvel, Neuza optou por escolher o caminho correto: buscar os órgãos competentes para entender como deveriam ser executadas as obras para que a casa, que já está sem assoalho e com vários problemas na estrutura, possa servir novamente como lar. A intenção era, desde o início, que um profissional de Blumenau — que já teve seu trabalho com casas em enxaimel premiado pelo Iphan em 2015 — execute o restauro.

— No setor de patrimônio da Secretaria de Cultura de Joinville, nos informaram que precisávamos enviar o projeto para análise para ter essa autorização. Como esse profissional de Blumenau não fazia projetos, fomos atrás de um arquiteto — explica Eduardo, filho de Neuza.

Começava ali uma série de encontros com profissionais que apresentavam dificuldades de conhecimento na área de patrimônio cultural ou que ofereciam orçamentos com diferenças exorbitantes: os valores chegaram a 563% a mais entre o menor preço e o maior. Nas propostas mais altas, havia a sugestão de que a família buscasse recursos via Edital de Apoio à Cultura e Mecenato Municipal, mecanismos do Sistema Municipal pelo Desenvolvimento da Cultura de Joinville — ainda que a categoria de patrimônio cultural não tenha sido incluída nos últimos processos abertos pela Secretaria de Cultura.

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— Nunca pensei que encontraríamos tantas dificuldades para recuperar uma casa que queremos reformar com o nosso dinheiro. Não queremos ajuda do governo, só queremos viabilizar as obras de uma casa de 14 metros quadrados — afirma ele.

Em dezembro, o projeto de restauro foi enviado para análise da Fundação Catarinense de Cultura (FCC). Desde o início de 2019, o escritório de arquitetura contratado pela família entra em contato semanalmente com o departamento de patrimônio para verificar se ele foi enviado para análise. Até ontem, no entanto, continuava na lista de espera da FCC.

Casas fazem parte de um roteiro nacional

Segundo o diretor de Preservação do Patrimônio Cultural da FCC, Diego Fermo, a casa adquirida por Neuza é uma das 17 residências de Joinville que foram incluídas no Roteiro Nacional de Imigração. No total, são cerca de 60 bens tombados, entre casas e outras edificações, em 17 cidades catarinenses.

– A decisão veio após inventários do FCC e do Iphan, com a ideia de haver um pacote de unidades, porque entende-se que uma casa sozinha não tem apelo para captar recursos para restauro, mas um conjunto de casas, como na Estrada da Tromba, validam as possibilidades. Não é apenas uma casa enxaimel, ela faz parte de um acervo que talvez seja único no mundo – diz Diego.

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Ele assume que os processos dentro do departamento de patrimônio podem ser lentos, assim como as atividades de educação patrimonial, devido à equipe reduzida: atualmente, há 15 servidores, entre arquitetos, historiadores, arqueólogos e museólogos para ações em todo o Estado.

A coordenadora estadual de patrimônio cultural do Instituto Arquitetos do Brasil (divisão de SC), Anne Soto, comenta que há inúmeros elementos que dificultam o restauro de bens tombados. Além das equipes enxutas nos órgãos públicos, faltam informações para a comunidade. Também são poucos os benefícios para os proprietários destes bens tombados.

– O ideal é que as pessoas não sejam penalizadas por seu imóvel. Seria positivo se houvesse, pelo menos, redução nos impostos.

Mecanismos de incentivo podem garantir recursos financeiros

Em informação ao jornal A Notícia no início de fevereiro, a Secretaria de Cultura e Turismo (Secult) de Joinville informou que está preparando editais paralelos para a categoria de patrimônio cultural, que oferece recursos para obras restauro. Será um Edital de Patrimônio Cultural e Museus, com R$ 767.701,02 disponibilizados no total. Para este, serão contemplados sete projetos de até R$ 86.711,50 e quatro projetos de até R$ 40.180,13.

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Para o formato de mecenato, deve haver um chamamento público paralelo também, com liberação para captar R$ 1.564.360,50, entre seis projetos de R$ 41.397,30 e dez projetos de R$ 131.597,67. Neste caso, o proponente do projeto recebe o direito de captar recursos de pessoas físicas e jurídicas diante da possibilidade de isenção fiscal.

O diretor de patrimônio da FCC, Diego Fermo, informou também que o Governo do Estado deve lançar ainda em 2019 um novo processo do Edital Elisabete Anderle, que também oferece a categoria de restauro de patrimônio cultural. Ele é feito em formato de prêmio e, na última edição, contemplou 22 projetos de patrimônio material e imaterial. No total, neste ano, deve distribuir R$ 5,6 milhões.