Do alto dos seus 1,80m e com 58km, a modelo Stella Lopes, 21 anos, está dentro dos padrões de magreza normalmente exigidos pelas passarelas.
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– Eles são assim desde que o mundo da moda existe – diz.
Entretanto, no que depender da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, as medidas padronizadas do universo fashion não serão mais as principais exigências para desfilar. De acordo com proposta aprovada no início de maio, todos os modelos terão de apresentar atestado médico para participar de desfiles, campanhas e eventos. E mais: as agências serão obrigadas a oferecer acompanhamento físico e mental periódico aos profissionais. Para virar lei, a proposta só precisa agora de aprovação da Comissão de Constituição e Justiça (leia box sobre tramitação).
O objetivo é estimular um ideal de beleza mais saudável e evitar casos como o da brasileira Ana Carolina Reston Marcan, que morreu em 2006 em decorrência de anorexia. A modelo de 21 anos tinha 1,74m e chegou a pesar 40kg. De acordo com o endocrinologista Júlio César Ferreira Júnior, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia – Regional DF, o projeto é positivo.
– A proposta é vantajosa para os modelos. E como as agências funcionam como entrepostos para eles e geram a demanda, devem arcar com essa vigilância – acredita.
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Para o médico, é possível manter-se dentro das exigências do mercado sem comprometer a saúde, e a exigência de um atestado deve ajudar na compreensão dos modelos em relação a essa necessidade.
– Não é penitência. Com alimentação saudável e uma prática constante de atividade física, os modelos podem continuar trabalhando da mesma forma.
Vanessa Lippelt, proprietária da agência brasiliense Glam, diz que a exigência de atestado médico deve ser incentivada, já que é prática de todas as empresas o pedirem no momento da contratação. Entretanto, ela considera que deixar a cargo das agências os cuidados médicos é um ato demagógico, pois foca somente no trabalho de modelo, deixando de fora outras profissões.
– O problema é que a profissão de modelo está sempre na mídia. Não deve caber a nós esse acompanhamento, até porque eles prestam serviço terceirizado. Toda agência séria não exige emagrecimento a qualquer custo.
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De acordo com Vanessa, a maioria das agências faz convênios com médicos, psicólogos e nutricionistas, deixando mais barato para as modelos cuidarem da saúde.
– Nunca tivemos casos de anorexia ou bulimia na agência. Quando vemos algo diferente, conversamos e os encaminhamos ao médico, já que ele é quem pode dizer se há algo errado – explica.
A cobrança com as modelos
Porém, as cobranças existem. Stella Lopes, por exemplo, alega ter sido coagida por uma agência paulista, onde trabalhava, a tomar sibutramina – um remédio para emagrecer e controlar o peso, hoje proibido pela Anvisa -, sem orientação médica.
– Tive vários problemas por causa da medicação e não consegui emagrecer tanto quanto eles queriam. Agora, mantenho meu peso cuidando da alimentação e fazendo exercícios – revela a modelo, que tem IMC de 17,5.
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A sibutramina é contraindicada até mesmo para pessoas com IMC acima de 18,5.
– Para quem tem o índice abaixo disso, é quase como induzir a um estado de subnutrição. Um ato completamente absurdo – alerta o endocrinologista Júlio César.
O personal trainer Gustavo Bergamaschi afirma que a individualidade deve ser respeitada e que estipular pesos e medidas não é a forma correta de atestar a saúde de ninguém.
– É preciso ouvir a opinião de diversos profissionais de saúde, que podem dizer se a magreza do modelo é algo genético ou um distúrbio.
O profissional avalia que é preciso analisar o dia a dia deles: se dormem bem, se têm uma alimentação saudável, se praticam alguma atividade física.
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– Caso algum desses fatores não esteja em ordem, a pessoa pode ter algum problema, independentemente de ser magra ou gorda.
Entenda o caso
O primeiro projeto de lei referente ao trabalho dos modelos foi apresentado pelo deputado Enio Bacci (PDT-RS), em 2006, e propunha tornar obrigatória a presença de endocrinologistas e psicólogos nas agências de modelos. Foi anexado ao texto o Projeto de Lei nº 1.381, de 2007, de autoria da deputada Andreia Zito (PSDB-RJ), que estabelece critérios para a participação das modelos em desfiles, campanhas e eventos de moda, bem como a exigência do atestado médico. De acordo com o relator, deputado Antônio Cruz (PP-MS), esses textos eram detalhados em excesso, o que tornaria difícil o acompanhamento. Por essa razão, o texto aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família é um substitutivo, pois aprimora as propostas em seu conjunto.
– No caso do projeto da deputada Andreia Zito, é estabelecida uma idade mínima de 16 anos para a participação em eventos. Mas achamos que seria excessivo, pois isso tornaria inviável desfiles de moda infantil, por exemplo – justifica Antônio Cruz.
O novo texto manteve a obrigatoriedade de as agências oferecerem aos seus contratados acompanhamento periódico da saúde física e mental, com custos arcados pelos contratantes, mas sem exigir a presença de especialistas. Também estipula que os modelos devem apresentar atestado médico comprovando sua condição em atuar, com procedimentos que serão regulamentados após aprovação da lei.
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Os projetos foram avaliados e aprovados pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), antes do substitutivo. Agora, caso este seja aprovado também pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, já será lei, pois, por ter caráter conclusivo nas comissões, dispensa a apreciação do Plenário.
– Com o texto aprovado nas três comissões, já segue para a regulamentação – detalha Antônio Cruz.
Para o deputado, a lei ajuda ao estimular um outro padrão de beleza entre as modelos e tem por finalidade maior disciplinar as agências.
– Elas não tinham normas para os seus contratados, na maioria temporários, e a lei muda isso – atesta.
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