Sonho em que se sonha junto é o começo da realidade. A frase quixotesca nem combina com um herói de causas perdidas. Mas explica um pouco da motivação de quem decidiu dar ainda mais força à tradicional solidariedade do povo de Blumenau e transformar batalhas aparentemente perdidas em sonhos totalmente possíveis de serem realizados.
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É o caso da professora e empresária Adriana Constante, 35 anos. Em março de 2016, ela havia terminado o mestrado e queria voltar a atuar como voluntária depois da pausa que a vida acadêmica exigiu no trabalho que fazia com o grupo Trapamédicos. Se são os sonhos que movem o mundo, foi o desejo de realizá-los que mobilizou Adriana e outros voluntários para a criação do projeto “Sonho em Viver”.
A inspiração veio de uma campanha em Portugal destinada a satisfazer desejos de pessoas que já estavam perto da morte. Por aqui a intenção foi dar um apelo diferente, com pessoas que pudessem desfrutar do desejo em qualquer momento da vida, o que explica a escolha do nome.
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A primeira etapa ocorreu na Casa São Simeão. Em uma visita de voluntários, a equipe registrou fotos dos idosos abrigados com placas que revelavam quais eram os sonhos deles. Tudo sem informar que eles poderiam logo se concretizar, para não causar expectativa nem ansiedade. Depois de registrados os sonhos da lista de cada um, começou uma correria para encontrar os realizadores, que transformam os desejos em realidade.
Foram realizados 53 sonhos. Algumas coisas singelas e que sequer exigiam dinheiro. Foi o caso de duas senhoras que queriam visitar a empresa têxtil onde trabalharam durante a juventude, e que foram recebidas com aplausos em todos os setores da companhia. Outras mais comuns, como andar de avião sobre a cidade, que com o apoio do Aeroclube de Blumenau viraram realidade. Dois amigos que sonhavam em acampar na neve passaram um fim de semana com Adriana e voluntários no frio de São Joaquim.
Mais de 600 sonhos realizados em dois anos
Realizar o sonho de tanta gente é um privilégio conquistado à base de muito esforço pela empresária, que não se desliga do voluntariado no projeto nem diante das outras atividades profissionais na sua empresa e dos cuidados com o filho de apenas um mês. A experiência traz reflexões e aprendizados.
– O que acho mais divertido é a busca pelo sonho genuíno, não apenas o desejo material. É algo individual, a genuinidade do sonho de cada um. É isso que me traz a maior transformação para o meu desenvolvimento pessoal. Mas é uma felicidade muito grande poder ajudar a realizar sonhos que as pessoas acham que nunca iriam conseguir. O projeto me realiza totalmente – conta.
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Adriana tem em si todos os sonhos do mundo. De lá para cá, ela, voluntários e realizadores ajudaram a concretizar mais de 600 desejos com 15 etapas do projeto. A iniciativa chegou a cidades como Penha, Lages e Vacaria (RS).
No Natal e na Páscoa, por exemplo, o projeto desenvolve etapas paralelas para conseguir deixar crianças e idosos realizados com o chocolate ou o presente desejado. As ações são quase sempre ligadas a pessoas assistidas por alguma entidade ou associação e não envolvem doações em dinheiro. A maior parte delas é feita com ajuda do Facebook – as fotos com os sonhos são postadas na página do projeto e o primeiro a se prontificar pode ajudar a torná-los realidade.
Cidade com vocação para unir eventos e solidariedade
Menor que meu sonho não posso ser. Como no verso de Lindolf Bell, a voluntária Adriana Constante também alimenta os próprios desejos. Um deles é realizar algo que ficou para trás. O 54º sonho do primeiro projeto, na Casa São Simeão, ainda não pôde ser realizado. O engenheiro chileno Sergio Leonel Urrutia Sepulveda, 66 anos, escreveu na lousa dos desejos que quer trabalhar. Quer uma perna mecânica.
O desejo quase virou realidade por meio de uma parceria com uma universidade do interior de São Paulo, mas esbarrou na necessidade de peças importadas que dependem de dinheiro público, algo sempre mais lento do que os sonhos e a necessidade exigem. Agora, o sonho de Sergio deve virar realidade. Isso graças a uma mulher que doou a perna mecânica computadorizada do filho, um jovem de 18 anos que morreu de câncer em maio deste ano. Ele já faz sessões de fisioterapia enquanto a perna passa por adaptações feitas por um apoiador. A expectativa é de que nos próximos meses ele já possa caminhar com a nova perna.
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Se tudo der certo, a intenção é que até o fim do ano Sergio também possa voltar para o Chile, onde deve morar com a família. Por aqui, ele não tem nenhum familiar. É só um dos planos de Adriana e do projeto para o que está por vir.
O projeto Sonho em Viver é apenas um exemplo de ajuda ao próximo na Blumenau em que a solidariedade é uma marca histórica. Diante de dificuldades como trazer sementes para a agricultura, os colonizadores se uniram. Quando sentiram que precisavam cuidar da saúde da população, criaram uma associação beneficente que mais tarde deu origem ao que hoje é o Hospital Santo Antônio. Com o aumento da circulação de dinheiro, formaram um caixa agrícola. A historiadora e diretora do Patrimônio Histórico e Museológico da Fundação Cultural de Blumenau, Sueli Petry, lembra que a cidade tem a solidariedade como um diferencial.
– Com todas essas ações, vai se criando uma mentalidade de ajuda, de apoio às entidades. No desfile de 2 de Setembro, temos 92 instituições participantes e mais da metade delas é da área da filantropia, que ajudam quem tem dificuldades – pontua a professora.
Conselhos para quem precisa de apoio
O sentimento de ajuda também está presente em gestos como o da nutricionista Helouse Carneiro, 39 anos. Há cerca de oito anos, ela começou a trabalhar como voluntária na Rede Feminina de Combate ao Câncer e percebeu que seria importante um acompanhamento nutricional para as mulheres que se recuperavam da doença. Levou a ideia à direção da entidade e, desde então, dedica as tardes de quarta-feira para orientar pacientes que passaram ou ainda enfrentam a quimioterapia.
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– Há um cuidado para que elas estejam bem nutridas, para que o sistema imunológico seja fortalecido, ajudamos a evitar enjoo, prevenimos a obesidade, porque ela é um fator de risco. De forma geral usamos a nutrição como forma de prevenção – explica a profissional.
Ações como gincana e de grupos de rotary fortalecem a solidariedade
A solidariedade também se manifesta em eventos e ações sociais. Em agosto, por exemplo, ocorreu a terceira edição Risoto do Bem. O evento reúne cozinheiros voluntários e arrecada recursos para entidades beneficentes. Na edição do ano passado a Renal Vida recebeu R$ 105 mil para investir em equipamentos. O balanço deste ano ainda não foi divulgado, mas a Rede Feminina será a entidade beneficiada.
A Renal Vida também esteve no centro das atenções do espírito solidário blumenauense em junho deste ano. Uma campanha liderada pelo Rotary Club Hermann Blumenau junto a outros 28 clubes do Vale do Itajaí e nos Estados Unidos, arrecadou R$ 420 mil. O valor permitiu que a Renal Vida adquirisse oito equipamentos complementares necessários ao serviço de hemodiálise – três deles ficaram em Blumenau e os demais em cidades da região.
Espaço público revitalizado
A união de esforços de rotarianos também transformou a realidade de quem usa diariamente a Ponte dos Arcos. Um grupo de voluntários do Rotary Club Blumenau-Açu se reuniu em fevereiro deste ano para limpar e pintar a estrutura, que liga os bairros Ponta Aguda e Vorstadt. O espaço ainda ganhou novo sistema de iluminação instalado pela administração municipal.
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No próximo fim de semana é a vez das provas da Gincana Cidade de Blumenau, que ocorre desde 1993. Ao longo de todo o ano, as nove equipes participam de disputas sociais que arrecadam cerca de quatro toneladas de alimentos e produtos de limpeza, doados a 10 entidades da cidade. Além disso, cada grupo precisa mobilizar ao menos 25 doações de sangue, o que ao final da gincana resulta em cerca de 300 doações intermediadas pelos gincaneiros.
– Procuramos fazer provas sociais ao longo do ano todo para mostrar que entidades não precisam de ajuda só uma vez por ano. O lado social mostra que a gincana vai além das provas e os próprios grupos fazem mais ações separadas no Natal ou Dia das Crianças, por exemplo – conta o presidente da Liga dos Gincaneiros, Marcelo Spengler.