Nas últimas semanas, as mulheres que vivem no Beco do Caminho Curto, comunidade remanescente de quilombo que acabou de ganhar certificação federal, tem andado com um acessório diferente: elas aderiram ao turbante, que foi ensinado a elas em oficinas oferecidas por um projeto de extensão da Univille. O ornamento as deixa mais próximas da cultura africana e das vestimentas usadas por suas antepassadas, mesmo que, até pouco tempo, elas recusassem a própria origem.
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— Quando precisava falar, eu dizia que era parda, não dizia que era negra. E quando vieram com essa história de quilombola, eu não queria ser. Parecia xingamento. Agora me explicaram e eu sei que é para ter orgulho — afirma a dona de casa Verônica Neves Barbosa, 27 anos.
A professora Alessandra Bernardino lembra que os primeiros contatos do Movimento Brasil Nagô foram para conseguir firmar um laço entre os moradores e os militantes do movimento.
— Eles não queriam se reconhecer como negros, por mais que soubessem que eram. Afinal, olhavam para si mesmos e podiam enxergar a própria cor. Mas faziam isso porque ser negro não era favorável para eles, que já viviam à margem — reflete ela.
Um dos coordenadores do projeto de extensão que a Univille realiza na comunidade, o historiador Tales Vicenzi, destaca que essa é uma das heranças dos anos de invisibilidade da história e da cultura negra em Joinville e região.
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— Há poucos estudos falando sobre a presença dos africanos em Joinville e isso levou muita gente a acreditar que não houve mão de obra escravizada na cidade. Mas já foi comprovado que os portugueses a utilizavam e que os alemães, mesmo sendo proibidos, às vezes alugavam estes serviços — explica ele.
Entre as ações que a Univille realiza na comunidade, está a de esclarecer a história dos africanos no Brasil para que os moradores tenham contato com as próprias raízes. Eles também oferecem atendimento de saúde, reforço escolar e orientação jurídica, e oficinas como as que levaram as mulheres a aprender sobre o turbante e sobre os cuidados com o cabelo afro, como uma forma de melhorar a autoestima.
São as mulheres, aliás, que estão despontando como lideranças, já que são elas que aceitam conversar com os especialistas e participar das aulas, juntamente com as crianças e os adolescentes.
— Estamos com um planejamento de ações que trabalharão a prática de esportes para tentar alcançar os moradores e falar sobre saúde do homem, porque este tem sido um desafio. Em compensação, já vimos diferença entre as mulheres e nas meninas. Antes de começarmos o projeto, elas não tinham outras perspectivas a não ser casar e ter filhos. Agora, já estão falando em fazer faculdade — conta a estudante de enfermagem Aline Krein Moletta.
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Comunidade sofre com falta de recursos na região
A comunidade Caminho do Beco Curto cresceu pelo nascimento dos filhos e netos dos fundadores e, posteriormente, pelos novos casamentos e nascimentos. Em alguns casos, as dificuldades do local levaram descendentes a irem embora, mas a maioria constituiu famílias que permaneceram no terreno.
— Todas as decisões são tomadas em conjunto, e perguntamos para os mais velhos antes de fazer qualquer coisa nova — conta Goreti.
Eles ainda enfrentam dificuldades como a falta de transporte público na região, que leva muitos jovens a deixarem a escola antes de terminar o Ensino Médio. Há uma escola de ensino fundamental 1 a poucos metros da comunidade, mas, a partir do 6º ano, a única escola fica no Centro de Pirabeiraba, a mais de seis quilômetros. Além disso, com apenas três horários de ônibus disponíveis para retorno à região — com o último às 18h50 — fica difícil para os jovens irem à faculdade.
— Minha filha sonhava estudar engenharia. Ela fez o primeiro ano da faculdade, mas com a falta de ônibus à noite e o valor muito alto da mensalidade, ficou muito difícil — lamenta Goreti, que agora sonha com oportunidades melhores para as filhas mais novas.
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A comunidade já conquistou o fornecimento de água há cerca de dois anos e, agora, espera pela instalação da rede elétrica. O saneamento básico também está chegando por meio de um projeto dos Engenheiros sem Fronteiras. Por enquanto, todo o esgoto gerado vai parar entre as casas e em valas correndo a céu aberto.
A topografia e o projeto do sistema de saneamento já foram executados e tubos e conexões foram doados por uma empresa da cidade. Há uma campanha de financiamento coletivo para aquisição de um conjunto fossa e filtro de grande porte para que o núcleo joinvilense da organização mundial possa concluir a instalação do sistema na comunidade.