Um dia, eles foram referência entre as edificações de suas cidades. Mantinham padrões arquitetônicos inovadores e, se suas paredes falassem, poderiam contar episódios importantes da história de Santa Catarina. No entanto, a maior parte dos imóveis tombados como patrimônio histórico é deixada de lado, já que não apresenta mais utilidade a não ser representar a importância da memória de suas comunidades.
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Nas melhores hipóteses, há equipes lutando por sua manutenção, mas os processos emperram nos baixos valores disponíveis para os projetos e na ausência de profissionais qualificados para restaurar imóveis como a antiga casa de Hercílio Luz, em Florianópolis; o Museu Casa Fritz Alt, em Joinville; e a Casa Salinger, em Blumenau.
O primeiro ponto deve, a priori, começar a mudar em curto prazo: em abril do ano passado, foi decretada a lei federal 7.893/2013, que regulamentou novas regras e critérios para serviços especiais em obras contratadas e executadas pela União. É o caso destes imóveis que, até então, tinham os valores de suas reformas definidos pela planilha do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi). Dessa forma, os orçamentos ficavam muito baixos para as empresas de arquitetura e construção civil, que não tinham interesse em se inscrever nos editais.
– Foi uma correção que a União se viu obrigada a fazer para resolver os impasses gerados pelos orçamentos, que não eram específicos para patrimônio – diz a coordenadora do patrimônio cultural da Fundação Cultural de Joinville, Gessonia Leite Carrasco.
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A conquista de verbas para abrir licitações públicas de reforma do patrimônio, no entanto, não garante a execução dos projetos: falta mão de obra qualificada para as obras complexas, que exigem conhecimentos diferenciados.
O perigo de deixar a memória se perder torna este caminho ainda mais arriscado: são os saberes tradicionais que, substituídos pelas novas tecnologias, estão faltando no currículo dos novos profissionais de construção e arquitetura.
Importante saber para preservar
Assumir a reforma de um imóvel considerado patrimônio histórico e cultural pode ser uma prova de fogo. Há materiais diferenciados e técnicas que não são mais utilizadas nas construções atuais e, por isso, demandam mais conhecimento, paciência e atenção.
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– Cada obra de restauro é específica, não é possível pegar o modelo usado em um imóvel e repeti-lo em outro, reintegrando a técnica construtiva e material. Além disso, se um novo material for colocado onde antes fora utilizado outro – por exemplo, sobre o cimento antigo colocar argamassa – ele pode reagir negativamente – afirma o arquiteto da Fundação Cultural de Joinville, Raul Walter da Luz.
Raul salienta que, se um reparo utilizar materiais diferentes da construção original, é necessário que fique claro no reparo que aquela é uma intervenção contemporânea.
– Também não se pode fazer o que chamamos de “falso histórico”. Quer dizer, se um detalhe não pode ser recuperado no restauro, não vamos colocar outro com aspecto antigo para manter aquele padrão – completa Gessonia Leite Carrasco.
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Segundo Raul, o maior problema nas aberturas de licitações de restauro de bens tombados é que o mercado de empresas especializadas ainda está em formação na região. Demandas que seriam facilmente resolvidas em outros Estados, aqui resultam em deserta nos editais públicos por falta de profissionais.
– O fato das obras do patrimônio cultural edificado exigirem mão de obra especializada, por si só, já limita a quantidade de empresas habilitadas a participar de licitações de projeto e obra. Esse problema é de formação profissional e de mercado de trabalho que ocorre em todo o território nacional – afirma a chefe da divisão técnica do Iphan/SC – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de Santa Catarina.
A solução seria incentivar que estudantes de arquitetura e engenharia civil aumentem o interesse por obras de restauro, assim como promover cursos de formação dos saberes e fazeres antigos, para formar a equipe multidisciplinar necessária para estes projetos.
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– A comunidade também precisa desta formação, da mesma forma como é feita com a educação ambiental. É importante que as pessoas entendam, ao frequentarem museus, por exemplo, que aquele prédio também é acervo, também é história, e não apenas um abrigo dela – reflete Raul.
Um museu à espera
Quem sobe a servidão Fritz Alt, no Boa Vista, ainda pode visitar o Museu Casa Fritz Alt, construído em 1946 para ser a residência do artista alemão que chegara ao Brasil 25 anos antes e escolhera Joinville para viver. O local, no entanto, não faz parte da divulgação de turismo da cidade há quatro anos, desde que foi considerado inadequado para visitação. Ainda que não esteja interditado, o patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não apresenta segurança e, por isso, está parcialmente fechado.
A verba para consertar o telhado – que foi avariado após fortes chuvas em 2010 – e fazer reparos no piso, no projeto elétrico, na reinstalação de água e no projeto novo de mobiliário, havia sido liberada em 2011, vinda do Ministério da Cultura. O orçamento, no entanto, era considerado baixo – R$ 177 mil – e, por isso, dois editais sofreram deserta (nenhuma empresa se inscreveu para concorrer).
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– Com o decreto federal 7.893/2013, conseguimos atualizar os valores. Para o Fritz Alt, aumentou para R$ 357.456,79, o que nos dá bastante esperança para abrir um novo edital em breve – afirma a coordenadora do Patrimônio Cultural de Joinville, Gessônia Carrasco.
Segundo ela, monitores do Fritz Alt já deram início à preparação do museu para a reforma embalando obras e organizando atendimento às escolas em outros espaços da antiga casa.
Casarão histórico em ruínas na Capital
Carol Macário
caroline.macario@diario.com.br
O casarão onde o ex-governador Hercílio Luz morou pouco antes de morrer aos 64 anos, em 1924, é um dos exemplos de patrimônio cultural em ruínas. O imóvel de 380 metros quadrados foi construído em 1848 na avenida Mauro Ramos, Centro da Capital. Foi tombado em 2002 como patrimônio material do Estado e está em área de preservação cultural (APC) do município.
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Se no passado foi construído com tecnologia avançada para a época e com detalhes de valor artístico e arquitetônico, como pintura mural, hoje o casarão está literalmente caindo aos pedaços, com paredes e teto cheios de musgos e mato cobrindo a fachada.
Propriedade da família Polli desde os anos 1950, no final de 2013 o imóvel foi vendido para um empresário que prefere manter sigilo. Segundo Laudares Polli, um dos ex-herdeiros, desde que a casa foi tombada a família enfrentou dificuldades, pois a Lei do Tombamento não permite que se sejam feitas reformas, apenas restaurações.
– E restaurar é muito caro. Todos esses órgãos nunca tiveram boa vontade em recuperar o patrimônio para que ele viesse a se tornar útil à comunidade – diz.
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Segundo Andrea Marques Dal Grande, diretora de patrimônio cultural da Fundação Catarinense de Cultura (FCC), a responsabilidade de manutenção é do proprietário, com a tutela estatal – caso o dono não tenha condições financeiras, o Estado deve apoiar.
– Já estamos em contato com o novo proprietário para chegarmos a um acordo – informa Andrea.
Abandono de duas décadas em Blumenau
Pamyle Brugnago
Abandonada há 20 anos, a centenária Casa Salinger é considerada uma das mais representativas edificações da Colônia Blumenau. O prédio adquirido pela Furb em 2003 foi tombado pelo Patrimônio Histórico municipal em outubro de 2012 e desde então a instituição planeja a revitalização do local.
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A estrutura do futuro Espaço Cultural Casa Salinger foi construída em 1880 na rua São Paulo, Itoupava Seca, e pertenceu aos empresários Gustav Salinger e Pedro Feddersen. É um dos 115 bens do patrimônio cultural edificado tombados em Blumenau e um dos cinco destacados pela arquiteta da Secretaria de Planejamento de Blumenau, Alexandra Lima Demenighi, como “imóvel tombado não conservado”.
O projeto de revitalização e restauro das arquitetas Roseana Lunghard e Rosália Wal começou a ser feito em 2012, e em novembro do ano passado foi aprovado em reunião pela comunidade. O reitor da Furb, João Natel, diz que hoje o projeto do imóvel, que será utilizado pela comunidade, está em processo de captação de recursos pelos editais da Lei Rouanet e Iphan:
– Vamos fazer o restauro e a revitalização em partes, o custo inicial será de R$ 3 milhões. Toda a área – galpão e teatro para 250 lugares – totalizará R$ 10 milhões.
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