O tempo passa devagar para quem está internado no hospital. Ao mesmo tempo em que tenta curar a doença, o paciente enfrenta longas horas de espera deitado na cama e sem muitas possibilidades de distração. É nesse ambiente que surge uma pergunta, feita por duas pessoas vestidas com jaleco e nariz de palhaço, capaz de romper momentaneamente o silêncio do quarto: “podemos entrar?”.
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São os Trapamédicos, que formam uma ONG com 70 voluntários dedicados a transformar, mesmo que por alguns minutos, o sensível ambiente hospitalar em Blumenau. Desde perguntas simples como “o que você precisa?” até piadas com brinquedos de borracha, a ação vai além dos pacientes e envolve também os acompanhantes e demais funcionários do local.

O sorriso de Adriana Kreibich da Costa revela a satisfação em ser bem recebida quando entra em um quarto de hospital para conversar com as pessoas vestida como Doutora Biscoito. Em vez de receitar medicamentos e exames, necessários para a recuperação dos pacientes, a presidente da ONG usa a alegria e a empatia para anestesiar a dor e estimular a resiliência.
Em 13 anos, o que era apenas um antigo desejo de Adriana em ajudar as pessoas, estimulado após acompanhar a avó em ações voluntárias no Hospital Santa Isabel, transformou-se em um movimento que já encantou 56 mil pessoas. E mesmo que ainda precise dividir o tempo entre os cuidados com o filho e a administração de empresas, segue nos Trapamédicos com o mesmo carinho de quando fundou a ONG.
— Tenho que agradecer porque a minha transformação foi enorme. Até faço outros trabalhos voluntários, mas foi aqui que tudo começou. Tem alguns dias que viemos para o hospital chateadas, com problemas pessoais, mas tudo isso fica para trás no primeiro sorriso que a gente recebe.
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E quem a acompanha nas visitas, sempre feitas em dupla, é a Doutora Vassourinha, personagem de Vanessa Venceslao. Formada em Psicologia, ela questionava o atendimento dos palhaços de hospital porque não acreditava que o método era positivo em um ambiente tão sensível. Sete anos depois, mudou de opinião e tornou-se a vice-presidente da ONG:
— Ouvi uma pessoa comentando que o último sorriso que viu da avó foi com os Trapamédicos. Aquilo mudou tudo para mim, porque vi que é mais do que falar algo engraçado, é sobre entender as pessoas.
Pela dor que sentem ou pelas semanas de internação, há pacientes que não respondem às interações dos Trapamédicos com sorriso. Em situações assim, é comum que os voluntários ouçam lamentações sobre a saudade de casa, dos filhos e dos animais de estimação. Em vez das brincadeiras, os voluntários mudam a abordagem para ouvir os problemas da pessoa e tentar confortá-la com palavras de esperança.
Além de bons ouvintes, os Trapamédicos também buscam fortalecer o vínculo entre o paciente e o acompanhante. Tanto que, durante a visita ao Hospital Santa Isabel, os voluntários foram responsáveis pela renovação dos votos de casamento entre Gilsete e Leoncir Correia, juntos há 46 anos. Ele está internado e recebeu a visita dos voluntários quando a esposa estava no quarto acompanhando-o.
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Após conhecer a história dos dois, os voluntários tiraram da bolsa um anel de plástico para simbolizar o amor entre o casal. Leoncir reforçou o amor por Gilsete, que retribuiu as palavras e colocou o anel no colar que tem no pescoço para lembrar-se do momento.
— Vocês não sabem como mexeram com o emocional do meu marido. É muito difícil para ele, que é tão alegre, estar nessa situação. Ele sorriu e ficou tão feliz com a presença de vocês por aqui — contou Gilsete para os voluntários da ONG após a visita, já no corredor do hospital.
O casal planejava fazer uma viagem, mas foi cancelada por conta da doença de Leoncir. Gilsete não lamenta porque espera ter outras comemorações nos próximos meses com o marido. A primeira, inclusive, será o aniversário de casamento, no dia 10 de novembro, quando o casal espera renovar os votos mais uma vez. Mas, agora, fora do hospital.

Preocupação com o que importa para pacientes
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“O que importa para você?” é uma pergunta repetida constantemente pela equipe de apoio do Hospital Santa Isabel aos pacientes internados na unidade. O objetivo é entender o significado e, a partir disso, pensar em ações que podem ser feitas para confortar a pessoa no ambiente hospitalar.
A psicóloga Josenaide Chiarelli, que trabalha na unidade, explica que a equipe do hospital tenta atender ao menos um pedido pessoal de um paciente todos os dias. Os desejos variam de ações simples, como sair do quarto e caminhar sob o sol, até trazer o animal de estimação do paciente para dentro da unidade, algo que exige diversos cuidados de higiene.
— Queremos quebrar um pouco o paradigma de que o hospital serve apenas para pessoa operar e morrer. A equipe do hospital também cuida e cura os pacientes.
Em uma ação recente, no dia 20 de outubro, a equipe levou para o hospital uma banda de música germânica. Era algo que importava para um idoso que tocava saxofone no grupo e que, neste ano, não poderia acompanhar os amigos em apresentações na Oktoberfest. Ao ouvir as canções que tanto gosta, balançou os dedos e teve um momento feliz antes do agravamento da doença, da qual acabou falecendo na última segunda-feira (28).
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Josenaide ressalta que não há escolha ou seleção entre os pacientes, de forma que todos são ouvidos, desde os que têm estado de saúde mais crítico até aqueles próximos de receber alta médica.

Trabalhados voluntários para mudar a rotina dos pacientes
No mês de outubro, é comum ouvir canções como “Ein Prosit” por toda a cidade de Blumenau. Inclusive, nos hospitais. Como a maioria dos pacientes do setor de oncologia do Hospital Santo Antônio não pode participar da festa neste ano por causa do tratamento, a equipe do projeto “Segue o Baile”, formado por cerca de dez voluntários, levou a alegria e a dança da festa alemã para os corredores e quarto da unidade.
O criador do projeto, Marcelo Campos, conta que a iniciativa nasceu no Hospital Santo Antônio, tanto que a equipe de voluntários visita o hospital duas vezes por mês, uma na área de oncologia e outra na pediatria, com o objetivo de promover a saúde com a arte. O ritmo da música sempre varia, mas de alguma forma cativa o público. Na versão Oktoberfest, por exemplo, alguns pacientes levantaram da cama para participar do “trenzinho” que passava pelo quarto.
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— A medicina já comprovou a importância da arte para a saúde. Os efeitos são ainda mais impactantes nas crianças, porque quebra a rotina, principalmente na internação. E esse trabalho, no fim de tudo, é um tempo que retorna para mim, pois estou fazendo o que gosto e vendo o sorriso das pessoas.

HOSPITAL TEM OUTROS PROJETOS
Assim como o projeto “Segue o baile”, há outras atividades voluntárias que ocorrem na unidade, tanto que há um calendário que organiza todas as visitas do mês. Sem contar as ações criadas pela equipe do próprio Hospital Santo Antônio que, conforme a psicóloga Daniela Batschauer, que trabalha na unidade, tem como objetivo de humanizar o atendimento: grupo de mães e pais para compartilhar experiências, grupo de luto com a criação de uma caixa de saudades e a possibilidade de que o irmão de uma criança recém-nascida possa visitá-la na UTI neonatal.
Outra ação simples, mas efetiva, são as placas colocadas próximas à cama do paciente contando algumas características da pessoa.
— Os pacientes leem as placas dos outros e começam a conversar entre si sobre outros assuntos, resgatando quem eles realmente são, além do diagnóstico. Também tivemos o caso de adaptar uma boneca careca e com sonda para uma criança que faz tratamento contra o câncer. Ela se apegou a brinquedo, inclusive deu nome e pintou as unhas, e isso foi importante para que ela pudesse ter uma vinculação afetiva e aceitasse melhor a atual condição.
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