A implantação de um novo modelo de desenvolvimento sustentável na Bacia do Rio Cubatão, na zona Norte de Joinville, pode mudar definitivamente a característica da região. De posse de um documento com 15 mil assinaturas, os idealizadores do Projeto Vale Verde querem dar notoriedade a uma área ainda pouco povoada, com belas paisagens e vegetação nativa.

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No local, a proposta é redefinir o zoneamento urbano e oferecer lotes com 1 mil, 5 mil e 10 mil metros quadrados.O projeto foi apresentado na Câmara de Vereadores pela primeira vez no ano passado, em forma de emenda à Lei de Ordenamento Territorial (LOT). Parou na Comissão de Legislação e Justiça do Legislativo por incompatibilidade. Agora, os moradores ingressaram no Legislativo com um projeto de iniciativa popular.

O vereador e presidente da Comissão de Legislação e Justiça, Mauricio Peixer, encaminhou o projeto para avaliação do jurídico da casa. A resposta deve ser dada ate o fim deste mês. Nesta segunda-feira, diz Peixer, será definido o relator do projeto na Câmara. Segundo ele, um dos pontos que precisa ser esclarecido ainda é o das assinaturas dos moradores que apoiam a causa.

– O cartório eleitoral precisa atestar a veracidade das assinaturas e ainda não sabemos se isso será possível – reforça.

Contratado para transformar o projeto em lei, o arquiteto Marcel Virmond Vieira destaca que os moradores valorizam – e querem manter – a tranquilidade da região. O principal objetivo, segundo ele, é permitir novos usos para o solo, além da agricultura.

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– Há um preciosismo técnico de que precisa preservar e continuar com as vaquinhas e as hortaliças, mas a realidade é outra. Não é para encher de loteamento, é para fazer empreendimentos de qualidade. Os moradores querem liberdade para fazer coisas novas – ressalta Vieira, que garante que o projeto obedece ao Estatuto da Cidade e o modelo da LOT.

O ex-vereador Alodir Alves de Cristo, um dos idealizadores do projeto, destaca que a proposta tem o apoio de mais de 30 entidades da região, incluindo associações de moradores. Se aprovado, o Vale Verde ocupará uma área de 44 km2, o equivalente a 3,90% do território de Joinville. Fará limites com o rio Cubatão, ao Norte; campus da Univille, ao Sul; Pirabeiraba, a Oeste; e Aventureiro, a Leste.

No coração do empreendimento está o Jardim Paraíso, bairro que não faz parte do projeto, mas que, segundo os empreendedores, ser beneficiado. O documento propõe ainda mudar o zoneamento para setores especiais e de regularização fundiária. A alteração permitiria regularizar áreas de 1,2 mil famílias, criar marinas no leito do rio Cubatão e empreendimentos comerciais em setores específicos, informa Cristo.

Apoio popular

O projeto de iniciativa popular Vale Verde atendeu às exigências do Legislativo, que indica a participação mínima de 2% do eleitorado municipal para ser subscrito. Como Joinville tem 372.511 eleitores (dados do TSE em maio de 2016), seriam necessárias 7.451 assinaturas. Os idealizadores afirmam ter mais de 15 mil.

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Promessa de mais emprego e segurança

Com a adesão de pelo menos 15 mil moradores de todas as regiões de Joinville – cerca de 2% do eleitorado do município –, o Projeto Vale Verde é defendido por pessoas como Leonir Hugo Göbel, que vive na Estrada Timbé há 40 anos. Ele preside o comitê criado para conduzir o projeto e é dono de uma área de 400 mil metros quadrados herdada da família.

– Tenho parceiros muito interessados em fazer um loteamento aqui. E também existe a pretensão de fazer um acesso vindo do Jardim Paraíso – explica.

Leonir afirma que, embora o foco seja o desenvolvimento da região, o visual campestre será preservado, tanto que ele não pretende sair do local onde mora. Na opinião do empresário, a mudança precisa ser feita urgentemente. Ele reforça que não há interesse político-partidário por trás do empreendimento e que o projeto atenderá a toda a comunidade.

– Meu pai e meu avô tinham atividades agropecuárias aqui, como gado de leite. Mas essa atividade ficou muito comprometida nos últimos anos. Plantações foram destruídas, gados foram roubados. Tenho vizinhos que têm um monte de terra e estão passando fome porque não podem fazer nada – reclama.

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Luiz Castanha, presidente da Associação de Moradores do bairro Aventureiro, também apoia o projeto. De acordo com ele, uma das propostas é fazer com que o desenvolvimento seja organizado e beneficie comunidades de bairros hoje marginalizados, como é o caso do Jardim Paraíso.

– Queremos que a área se desenvolva de forma ordenada e organizada. Isso contribui muito para a segurança. Como policial militar, não poderia deixar de ver isso. Quem que não quer do seu lado um local totalmente organizado, visando a questão ambiental? No Jardim Paraíso, no Cubatão e em toda essa região, sempre fomos parceiros. Não é porque estamos do outro lado da avenida Santos Dumont que não nos interessa o que vai acontecer – diz.

Um dos principais entusiastas do projeto, o ex-vereador Alodir Alves de Cristo, afirma que está na hora do Executivo respeitar os pedidos da população e aprovar a mudança do zoneamento na região. Segundo Cristo, o apoio de 30 entidades e de mais de 15 mil moradores mostram que a proposta está bem fundamentada.

– Trata-se de um trabalho de cinco anos. Se o projeto não for para frente, vamos judicializar, procurar os nossos direitos. A alegação do governo é de que só vai atender a dois ou três, mas não é verdade. O projeto tem o viés ambiental e nós queremos manter a paisagem campestre, gerar emprego e renda. Mais democrático que isso impossível.Conforme ele, há, sim, o interesse imobiliário, mas há também preocupação com a qualidade de vida e expansão ordenada, algo que, na sua avaliação, nunca ocorreu em Joinville.

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Udo faz alerta sobre o meio ambiente

Procurado para falar sobre o Projeto Vale Verde, o prefeito Udo Döhler não concorda com a expansão imobiliária na bacia do Rio Cubatão. Segundo ele, é preciso ter muito cuidado com projetos desse porte em uma região com características predominantemente ambientais e berço de rios.

– O que vimos até aqui não nos convenceu. A grande preocupação é proteger a área verde, pois 50% do território de Joinville é área verde. Penso que, se aumentarmos a ocupação daquela área, podemos ter sérios problemas com a captação de água no Cubatão no futuro. Precisa haver mais estudos e isso ser bem examinado, mas está claro que existe um lobby forte para avançar com o loteamento. Se houvesse consenso, o projeto já teria sido contemplado na Lei de Ordenamento Territorial (LOT) – diz Udo.

Especialistas avaliam prós e contras

Vice-presidente do Comitê de Gerenciamento das Bacias Hidrográficas dos rios Cubatão e Cachoeira, a engenheira sanitarista e doutora em ciências ambientais, Virginia Grace Barros, vê o projeto como “uma privatização do leito do rio”.

Na avaliação dela, se aprovado, o projeto vai dificultar a pesca e qualquer outro uso no baixo leito. Além disso, os setores previstos no projeto irão cercear o direito das pessoas de acessarem o rio livremente, afirma.Integrante do Conselho Municipal de Meio Ambiente, Virginia reclama que o projeto passou por cima do Conselho da Cidade e que o debate deve ser mais amplo antes de qualquer definição. Ela também diz se preocupar com o fato de o Jardim Paraíso não estar incluído no projeto original.

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– Pelo tamanho dos lotes, só vai ser admitido quem tem renda alta dentro da cidade. Isso vai fazer com que as pessoas de renda mais baixa não consigam ficar ali. E vai elitizar uma parte de Joinville que não é pequena, porque o tamanho dos lotes é gigantesco e os condomínios fechados serão só de altíssimo padrão – ressalta.

Para o professor e arquiteto Silvio Parucker, o projeto “devolve alguma esperança de um plano pensado para pessoas e paisagem para este lugar”. Por outro lado, admite que “dificilmente o plano será implantado tal e qual se pretende nos sonhos ideais dos planejadores urbanos”.

– O sistema no qual o projeto se insere pertence a uma das mais belas paisagens de Joinville. Lamentavelmente, um erro estratégico do plano diretor da década de 1960, de autoria do arquiteto Jorge Wilheim, se apropriou desta área para a implantação de uma extensa área industrial, deixando à margem da mesma, a área rural, abandonada e sem interesse de planejamento algum. Parte deste território foi invadido e fez surgir uma das áreas mais degradadas de Joinville, um problema grave para toda a região – afirma.

O arquiteto, que é doutorando na Universidade Técnica de Munique, entende que o plano poderia ser simplificado e não concorda com a criação de condomínios. Para ele, os condomínios contribuem com “novos e elitizados guetos que nos separam cada vez mais dos ideais de uma sociedade justa e sem discriminação”.

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– Este plano pode ser simplificado para que a paisagem permaneça igual e que alguma forma de vida rural possa sobreviver sem a intromissão do urbanismo de asfalto e paver.