Todo surfista, depois que aprende, viaja em busca de ondas perfeitas. Mas para um grupo de 60 crianças e adolescentes da comunidade do Morro do Mont Serrat, em Florianópolis, que integram o projeto Procurando Caminho, o esporte dos ídolos Kelly Slater e Gabriel Medina é um aliado para outra busca: uma vida honesta e em paz.

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Ontem, na Barra da Lagoa, o grupo de 60 crianças e adolescentes esteve reunido para disputar um campeonato de surfe, dividido por categorias e com direito a juízes. O vento não era terral, o preferido dos surfistas, e as ondas também estavam pequenas demais. Mas o resultado da competição era a última proposta do encontro.

O que importou naquele momento era a chance de vivenciar uma realidade bem distante daquela que estão acostumados a viver na porta de suas casas: o tráfico de drogas. E muitos deles já haviam sido prospectados por olheiros do tráfico quando descobriram o projeto do Centro Cultural Escreva Anastácia (CCEA) iniciado em 2007.

Atualmente, o Procurando Caminho atende a 113 jovens de 11 a 25 anos, com atividades como oficinas de informática, dança, natação, capoeira e futebol, mas o surfe é aquela que mais motiva a participação da garotada, com aulas até três vezes por semana.

– O surfe mexe com eles e nós precisamos trabalhar com uma realidade que os motive – explica o coordenador do festival de surfe e educador Antônio Carlos Brito.

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Para W, 15 anos, motivação é o que não falta. Desde que apreendeu a surfar, há dois anos, ele assiste vídeos e acompanha competições para viver o universo do esporte radical. A fissura é tanta que após disputar a sua bateria, nem tirou a roupa de neoprene, apesar do sol quente na beira da praia:

– Conheci o Gabriel Medina lá em Imbituba e ganhei uma prancha do Guga Arruda – conta.

Para F. ,16 anos, o surfe ainda está atrás do futebol na sua preferência pessoal, mas só o contato com o mar, o ambiente na beira da praia, longe de uma situação de risco, já é o suficiente.

– Se eu não tivesse aqui, ou eu estava no morro sem fazer nada, ou estaria fazendo coisa errada. O projeto é show! – conclui.

Para L, 14 anos, o surfe também não será sua atividade principal. Mas foi através do esporte que ele descobriu o mar:

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– Quero ser engenheiro naval – completa.

A onda certa é essa, agora eles só precisam praticar.

“Por dois anos tive uma vida bem pesada”

Aos 21 anos, Diego Tripolli é o maior exemplo do projeto Procurando Caminho quando o assunto é ressocialização. Recém criado em 2007, o projeto abraçou Diego e hoje ele tem orgulho de ter shapeado cinco pranchas e feitos inúmeros consertos na fábrica mantida pelo projeto no antigo prédio do IML, no bairro Estreito. No pavilhão que sedia o projeto, no Mont Serrat, ele conversou com o DC.

Diário Catarinense _ A tua história reflete bem a realidade dos garotos atendidos pelo projeto?

Diego _ Com certeza. Meu irmão era um dos chefes do tráfico na Chico Mendes e eu assumi tudo quando ele foi preso. Por quase dois anos convivi com uma realidade bem pesada. Mas graças a Deus, soube do projeto e atualmente trabalho com instrutor para ensinar o pessoal a fazer consertos ou até mesmo fabricar uma prancha.

DC _ Hoje em dia você não tem problemas com o tráfico na sua comunidade?

Diego _ Não, agora tudo já passou, e ainda vivo lá. Meu irmão também já saiu da cadeia e depois de um tempo viu que não dava para continuar com isso. Ele sabe como me recuperei.

DC _ E como você aprendeu a fazer pranchas e consertos?

Diego _ Eu tive aulas com o shaper Zabo (David Eduardo), que hoje trabalha na coordenação de produção de uma das principais fábricas do Brasil, a Tropical Brasil. Agora eu tento passar para eles (os educandos) tudo que ele me passou.

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