Dorly mora no Centro de Blumenau, em meio à selva de pedra. Embora seja filha de colonos e as raízes familiares sejam do campo, ela nunca colocou a mão na terra para plantar. E mesmo assim, acredite, ela hoje é uma agricultora. Isso porque a mulher faz parte de um projeto chamado Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), que começou a ser desenvolvido no início deste ano na cidade e estimula o consumo de produtos orgânicos e a sustentabilidade dos produtores agrícolas.
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O programa existe desde os anos 1960 na Alemanha, ganhou espaço no Japão em 1971, nos Estados Unidos em 1985, e proliferou em terras tupiniquins há cerca de uma década. O projeto coloca em prática um método cooperativista de agricultura sustentável, em que o agricultor não precisa se preocupar com a euforia do mercado e dos preços para colocar o produto à venda. Ele exclui os intermediários e passa a comercializar a produção diretamente com aqueles que o financiam. É aí que entra a dona Dorly Kuppas.
Aposentada, ela é uma das participantes do CSA em Blumenau, projeto liderado pelas nutricionistas Luana Effting e Helouse Carneiro. Dorly, ao lado de outras 19 pessoas, financia mensalmente um agricultor que tem propriedades em Dona Emma, no Alto Vale. É como se fosse um clube de assinatura, em que semanalmente os co-agricultores (como são chamados), tal como Dorly, recebem frutas, verduras, legumes. Tudo orgânico.
Para o produtor o lado positivo é saber exatamente a quantidade do plantio e, principalmente, o que plantar. Ele deixa de se preocupar com a necessidade de ir à feira e ter de competir no preço com outros produtores.
É o caso de Gustavo Monsores Krummenauer, 29 anos, que desde 2012 trabalha na plantação de produtos orgânicos. Ele foi apresentado ao projeto e topou na hora, principalmente pela facilidade em fazer o gerenciamento da produção.
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– Quando eu fazia feira, plantava uma quantidade e não sabia se ia vender tudo. Aí voltava muita mercadoria, tinha muito desperdício. E aí, você sabe, né? Desperdício é energia, trabalho, combustível jogado fora. Hoje sei exatamente o que preciso fornecer e tenho economia. Como consequência consigo entregar um produto mais em conta, e orgânico – avalia Gustavo, que há sete anos trabalha com agricultura.
Em resumo: um grupo de pessoas se junta, cobre os custos anuais de um agricultor e define um percentual de lucro mensal que o produtor terá. De quebra garante o recebimento uma vez por semana de alimentos fresquinhos e sem agrotóxicos. A coordenadora dessa ideia em Blumenau é Luana. Ela conta que a ideia que deu início ao projeto surgiu após uma postagem vista nas redes sociais. Cinco meses depois, a ideia saiu da tela do celular e foi para a vida real.
– É como se a gente tivesse pagando alguém para fazer a nossa horta, que é orgânica. As pessoas procuram isso, já que é mais saudável. E tem o detalhe que o orgânico quando colocado no mercado gera perda e às vezes dá prejuízo ao agricultor, já que o valor é mais caro. A ideia do CSA é justamente de gerar a perda mínima, sem grandes preocupações – explica Luana, coordenadora do programa em Blumenau.
Para Dorly, a satisfação está em cozinhar alimentos frescos, trocar receitas e explorar os benefícios que os alimentos orgânicos têm para a saúde. Isso sem contar que os produtos tornam-se mais acessíveis e baratos:
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– Preparo o alimento com mais alegria, porque sei que não tem agrotóxico e não vai fazer mal para a saúde. Tudo a gente aproveita. Até casca de melancia já aproveitei. Quero usar tudo, até por ser saudável, e para não jogar nada fora. Sustentabilidade, né? Sem desperdiçar nadinha.
Projeto também é desenvolvido no Litoral
O projeto da Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA) começou a ser desenvolvido em Santa Catarina em Florianópolis, no segundo semestre de 2017. Pouco tempo depois, foi a vez da região de Porto Belo ser atendida. A ideia foi da nutricionista Natalia Fahrion, que conheceu a CSA há quase três anos, durante uma pós-graduação em Nutrição Funcional. Gostou do programa e dos objetivos, e dois meses depois implantou o programa na região.
Atualmente a CSA abrange 75 consumidores, ou melhor, co-agricultores, nas cidades de Itapema, Bombinhas, Tijucas, São João Batista e Itajaí. Uns estão desde o início, enquanto outros começaram há pouco tempo, incentivados pela cultura do consumo de produtos orgânicos, que está em alta nos dias atuais. Para Natalia, porém, os participantes do projeto têm de entender que o estão financiando um agricultor com contrapartida, mas que o programa vai muito além de uma simples troca entre produto e dinheiro.
– Veio muita gente no oba-oba. “Ah, vamos comer orgânicos”. Mas a ideia geral da CSA não é essa. A ideia é financiar o agricultor, sabendo que se der um temporal, uma enxurrada, se chover canivete, o co-agricultor vai ter que entender. Como contrapartida, é claro, a pessoa recebe uma cesta de orgânicos, com alimentos saudáveis. Mas o que importa é o contexto – aponta a coordenadora do projeto na região de Porto Belo.
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Mercado de orgânicos cresceu 20% no Brasil em 2018
O Brasil ainda é um dos 10 maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). No volume total de produção de alimentos com pesticidas, conforme o governo federal no ano passado, o país ocupa o primeiro lugar. Mesmo assim, houve um crescimento de 20% no consumo de produtos orgânicos em terras verde-amarelas no ano passado. O dado é do Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis).
O faturamento do mercado brasileiro de alimentos orgânicos chegou à marca de R$ 4 bilhões em 2018. A expectativa é de que o percentual de crescimento desse setor se mantenha nos dois dígitos para 2019. Já no mercado externo, as exportações dos orgânicos representam 180 milhões de dólares, um número tímido se comparado ao potencial do campo brasileiro, de acordo com a Organis.
– O Brasil é o único país do bloco do Bric e do G20 que ainda está fechado ao mercado global (no ramo dos orgânicos). Não temos reconhecimento de certificação com nenhum país, enquanto os europeus, asiáticos e até alguns latinos já estão com os seus em vigência – afirma Ming Liu, diretor da Organis.
Uma pesquisa feita pelo Conselho Brasileiro de Produção Orgânica e Sustentável feita em 2018 ainda aponta que o preço dos orgânicos é o que assusta o consumidor. No total, 62% dos entrevistados disseram que comprariam mais produtos do gênero alimentício caso os valores fossem mais acessíveis. Além disso, 41% das pessoas disseram que não consumiram orgânicos justamente por conta do preço.
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Como participar
Para participar do CSA Blumenau é preciso entrar em contato pelo e-mail: csablumenau@gmail.com. Basta deixar o nome completo e um telefone para contato.