– Mãe, não quero ir embora, tá muito divertido! – diz o menino montado na bicicleta.

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– Tá bom, só mais uma voltinha – concede a mãe.

O diálogo acima não tem nada incomum na vida de qualquer família, mas na de Márcia Espíndola Fermiano tem um gostinho de orgulho enquanto observa o filho Dudu, de oito anos, acelerando nos pedais. Depois de um parto prematuro, com a gestação em 30 semanas, o menino nasceu com pouco mais de um quilo e teve descolamento da retina, ocasionando a perda total da visão em um dos olhos e preservando 3% da capacidade de visão do outro.

Até pouco tempo, era difícil encontrar atividades para gastar a energia do garoto: Dudu podia sentir o vento no rosto em aulas de educação física adaptadas na escola, mas, no dia a dia, as brincadeiras da infância ficam mais limitadas. Há dois anos, um projeto da Associação Joinvilense para Integração dos Deficientes Visuais (Ajidevi) começou a utilizar as bicicletas duplas para incentivar o pedal e Dudu já podia se divertir. A emancipação como ciclista veio em janeiro, com o Projeto Pedalando com Olhos & Coração, do voluntário Francisco Hoff de Moraes, o Xico.

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– É uma forma de emprestar meus olhos a eles. Em troca, eles dão seu coração, quer dizer, depositam a confiança e a coragem deles e misturamos tudo em um propósito só – conta Xico.

Muito mais do que fôlego ou força, confiança é a palavra-chave do projeto. Como não enxergam, eles contam com guias para mostrar a direção e avisar sobre os obstáculos. No caso de Dudu, que ainda se acostuma com os conceitos de direção, a maior dificuldade é lembrar onde é a direita e onde é a esquerda quando recebe a indicação de virar o guidão.

– Ele aprendeu muito rápido e adora andar de bicicleta. Quando não é dia de treinar, como ele mesmo chama, fica em casa me perguntando quando vai pedalar de novo – afirma Márcia.

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Dudu já pediu uma bicicleta de presente, mas a família está sem condições de presenteá-lo agora. Por enquanto, o campo do Caxias funciona como uma grande pista para que o menino e dois adultos utilizem a bicicleta de forma individual, graças ao apoio do clube e do responsável pela estrutura no dia a dia, Hélio Corrêa. Mas Dudu também não se preocupa de cometer alguma trapalhada, como qualquer aprendiz de ciclista.

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–Eu não me importo quando erro. Todo mundo erra. A gente erra quando treina, e treinar é divertido. – diz.

Projeto quer voluntários para crescer

Francisco já sonhava com um projeto semelhante há muito tempo, mas há um ano que o Pedalando com Olhos & Coração começou a tomar forma. Em janeiro, conseguiu a estrutura para iniciar as aulas e, como ele mesmo diz, transmitir seu legado. Isso porque Xico não ¿nasceu¿ ciclista. Na verdade, já ia fazer 60 anos quando a ¿zica¿ virou sua parceira de vida.

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– Eu estava aposentado havia quase dois anos. Tinha medo de chegar aos 60, artrose no joelho e depressão. Então, me encontrei com ela e mudei tudo isso – relata.

Em dez anos, ele já contabiliza 1.156 ¿pedaladas¿, em circuitos que incluem até subir a Serra Dona Francisca e a do Rio do Rastro. No projeto, tem o apoio de um sobrinho, o fotógrafo Luciano Maia, para atuar como guia, mas há vontade de ampliar este sonho e transformá-lo em programa, com núcleos dando aulas e oferecendo serviços em vários pontos da cidade.

Além disso, o aprendizado também evoluiu e precisa de mais guias voluntários para auxiliar a turma. Os alunos da etapa atual já estão prestes a ingressar no intermediário, quando poderão andar de bicicleta em volta de pistas de corrida e serem os condutores de bicicletas duplas, levando outros deficientes visuais no assento de trás. A fase três será participar de grupos de ciclismo para passeios mais distantes.

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– A intenção é que, nesta etapa, a interação com o guia seja a de ser orientado sobre o trajeto e ainda ter a descrição da paisagem, como um GPS que explica não só a rota, mas também as sutilezas dela. Para garantir a autonomia dos alunos, a ideia é que eles aprendam também sobre a mecânica da bicicleta e até a trocar o pneu.

Afinal, depender de outros adultos faz sentido para Dudu, mas é dispensável para o professor de informática Ricardo Mário Stuhler, 27 anos, quando tiver este conhecimento. Ricardo passou anos sem subir em uma bike depois que perdeu o principal elemento de confiança.

– Aprendi a andar de bicicleta aos três anos, porque minha família decidiu criar uma criança adaptada ao mundo. Meu pai me ensinou, mas ele morreu quando eu tinha 13 anos e eu não quis mais pedalar – recorda Ricardo.

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Quem quiser participar como voluntário ou ciclista pode buscar mais informações e contatos no site xicocomx.com.br.

Menino cego anda de bicicleta sozinho em Joinville