Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reforça o quanto o problema da violência doméstica é cultural: seis em cada 10 brasileiros acreditam que se a mulher é agredida e continua com o parceiro é porque gosta de apanhar. A afirmação não representa a realidade, diz a coordenadora do Centro Especializado de Assistência Social (Creas) 1, Luciana Coelho. Ela aponta a preocupação com a criação dos filhos, o medo de vingança e a dependência financeira como motivos do silêncio de muitas vítimas.

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Esses são alguns dos apontamentos de Fernanda*, 31 anos. Casada há seis anos, dos quais quatro em atrito com o companheiro, ela descobriu estar grávida quando ia pedir o divórcio. Para a segurança do bebê, preferiu recuar. Agora a criança tem oito meses e aguarda por uma vaga na creche. Quando ela conseguir, Fernanda* terá condições de construir um novo lar.

Para garantir o dinheiro que precisará depois de concretizar o divórcio, Fernanda encontrou uma fonte de renda. Com o bebê nos braços, em volta de uma mesa com outras mulheres que compartilham da mesma situação, ela costura pequenos tecidos que se tornarão corações. É o símbolo do amor, mas para quem os produz também de esperança.

Elas participam de grupos de apoio da Secretaria de Desenvolvimento Social, que têm como objetivo fortalecê-las. A autonomia é um pilar importante nesse processo e ganhou força quando uma estilista resolveu agregar valor social e ambiental às peças que produz. Greice Simas estava redefinindo a jornada profissional quando encontrou o Instituto Bia Wachholz. Juntos levaram para o Creas 1 um trabalho que gera renda às mulheres.

– Eu queria descartar as sobras de renda sem causar impacto negativo ao meio ambiente, mas não sabia como. Nisso estava nascendo o projeto Bia Wachholz, que precisava de pessoas voluntárias, e eu imediatamente abracei a causa. Então nasceu o projeto Recriar By Inverse. A ideia é empoderá-las, ajudando a construir a esperança e amor próprio para que possam empreender e assim saírem dessa condição de violência – afirma Greice.

Cada coração feito leva amor e traz dinheiro. O lucro é de R$ 10 por peça. O material para a confecção vem de doações e quando algo precisa ser comprado o valor é descontado da receita. É um dinheiro que poderia ficar para a marca, mas a responsabilidade é maior.

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– Isso aqui é tudo para mim. É autoestima, fonte de renda. Como vou cuidar de duas crianças sem trabalho? – diz Fernanda.

A expectativa de fazer uma poupança com o dinheiro que vem dos corações é grande também para Roberta*, 46 anos. Até 8 de março, Dia Internacional da Mulher, ela e as companheiras do projeto têm ao menos três grandes encomendas. Serão cerca de 1,5 mil corações. Cada uma ganha de acordo com a produção e o dinheiro fica todo para elas. No primeiro encontro, em outubro de 2018, cinco mulheres estavam lá. Para o segundo, já eram 20.

Há dois meses, o trabalho ganhou reforço. Sônia Rudolf de Lima, 68 anos, não foi agredida. Porém, viu a filha, Bianca Wachholz, ser assassinada na frente dela pelo ex-namorado. A presença entre aquelas que ainda enfrentam o desafio de romper a violência dá forças.

– Quando estou aqui, não esqueço o que aconteceu. Vejo muitas mulheres passando por aquilo, e é preciso muita luta para acabar com a tristeza – desabafa Sônia.

*Nomes fictícios, conforme o Manual NSC de Jornalismo.