O adiamento da votação sobre os vetos do governador Carlos Moisés ao projeto com mudanças no ICMS para setores da economia catarinense frustrou a expectativa que cercava o assunto. A Assembleia Legislativa (Alesc) teve presença de empresários e funcionários de bares e restaurantes, setor que pressiona para a derrubada dos vetos, o que permitiria uma redução no imposto estadual para esses estabelecimentos.

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> Assembleia adia votação do ICMS após acordo de líderes

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Em discussão desde o início do ano, os vetos do governador foram analisados em reunião no início do mês com deputados, representantes dos setores econômicos e do governo do Estado. Ainda assim, sem entendimento, a proposta entrou na pauta da sessão desta terça-feira, quando foi retirada de discussão por causa de um acordo de líderes.

Agora, o assunto precisa voltar a ser discutido em até 10 sessões – aproximadamente três semanas. O presidente da Alesc chegou a cogitar a elaboração de um projeto substituto.

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Assunto complexo e por vezes distante do contribuinte, as mudanças no ICMS em discussão no Estado podem gerar dúvidas mesmo a quem acompanha o tema. A reportagem do Diário Catarinense elencou em tópicos o que está em jogo na discussão e o que os representantes de cada setor argumentam. Confira:

Leite

– Atualmente, o leite é vendido com ICMS de 7% da indústria para os varejistas, e também de 7% na negociação dos pontos de varejo, como supermercados, para o consumidor final.

– O projeto aprovado no ano passado teve a participação de indústrias de leite e definiu aumento de ICMS nas duas operações. Pelo texto original, o ICMS passaria para 17%, tanto na venda das indústrias aos supermercados, quanto na transação do ponto de venda para o cliente.

– O governo do Estado vetou esta parte do projeto, o que faria com que a venda de indústrias para os varejistas fosse de 12%.

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– O argumento do Estado é de que a elevação para 17% de ICMS causaria prejuízo justamente para as indústrias de leite de SC. Isso porque supermercadistas optantes do Simples Nacional prefeririam comprar de fabricantes de outros estados, onde podem pagar apenas 12%. Além disso, o Estado aponta a possibilidade de aumento nos preços com a alíquota maior.

– O sindicato das indústrias de leite de SC (Sindileite) defende que mesmo com aumento de 7% para 17% na alíquota, não haveria aumento de preços para o consumidor. O argumento é de que empresas do setor têm direito a crédito presumido, um desconto sobre o valor a ser pago de ICMS, valor que também aumenta em caso de acréscimo do imposto. Por isso, o reflexo seria de “no máximo cinco centavos” por litro, segundo a entidade.

– A principal defesa das indústrias é o de ganho de competitividade em relação a estados vizinhos. O argumento é de que com o aumento da alíquota, redes de varejistas dariam preferência a indústrias de SC, por terem direito a um crédito maior a descontar futuramente com o ICMS de 17%. Já o governo olha o copo pelo outro lado. Quem não tem direito ao chamado crédito presumido, como varejistas optantes do Simples Nacional, aí sim daria preferência a leites de outros estados, onde poderia pagar apenas 12% do imposto estadual.

– O sindicato da indústria de leite admite que para os fabricantes seria mais vantajoso o cenário com a manutenção do veto, deixando em 12% o ICMS da venda para varejistas. No entanto, alega que neste caso, sim, é que ocorreria aumento de preços. Isso porque os supermercadistas teriam um desequilíbrio de 5% no ICMS entre a compra e a venda, diferença esta que seria repassada ao consumidor final. Se o veto for mantido, o sindicato afirma que haveria aumento de até R$ 0,25 no litro do leite.

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– Entre os supermercadistas e o governo, no entanto, há divergências. A Associação Catarinense de Supermercados (Acats) emitiu nota em janeiro alertando para o risco de aumento de preços, estimando uma alta acima de 13% no preço do produto caso a alíquota passasse de 7% para 17%. Nesta terça-feira, a assessoria não confirmou se a elevação de fato causaria aumento, informando que dependerá “das dinâmicas do mercado”. A Acats divulgou nova nota na segunda-feira em que defende a manutenção do leite na cesta básica e com “a menor taxação possível”.

– Os supermercados relatam uma alta de mais de 40% no preço do leite somente este ano, mas essa alta ainda não é influenciada pelo ICMS, que ainda não mudou. Segundo a indústria, o motivo é a redução da oferta, causada pelo aumento no custo de produção e pela forte estiagem no Oeste de SC.

Alimentos e bebidas para bares e restaurantes

– O setor de bares e restaurantes é o que mais vem se mobilizando pela derrubada dos vetos do governador Carlos Moisés ao projeto do ICMS. Neste caso, pode haver duas mudanças.

– A alíquota de alimentos vendidos por esses estabelecimentos passaria dos atuais 7% do imposto estadual para 3,2%. Já no caso das bebidas alcoólicas, como vinhos, espumantes e destilados, a tributação baixaria de 25% para os mesmos 3,2%. No caso das bebidas, o setor estima que se a diminuição de ICMS for mantida, possa haver uma redução de preços até para o consumidor final.

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– O setor de bares e restaurantes alega que o percentual de 3,2% é o praticado em outros estados próximos, como o Paraná, e que isso evitaria fuga de investimentos de SC. Além disso, defende que o segmento foi um dos mais prejudicados com o período de fechamento de atividades causado pela pandemia de Covid-19. Afirma que houve fechamento de 5 mil empresas e perda de 40 mil empregos.

– O governo de SC alega que a redução beneficiaria apenas 1% dos estabelecimentos. Isso porque 99% fazem parte do Simples Nacional, modelo de tributação que já paga 3,2% de ICMS. O Estado também alega que esse 1% consiste em bares, restaurantes, hotéis e resorts de grandes redes, além de beach clubs, estabelecimentos que atendem um público de alto poder aquisitivo e “alta capacidade contributiva”, segundo nota da Secretaria da Fazenda. O governo também afirma que esse segmento já seria beneficiado com redução tributária, porque a alíquota padrão seria de 12%, em vez dos 7% atuais.

– Além disso, o Estado também questiona a redução tributária para bebidas alcoólicas, relacionando o produto a acidentes de trânsito, casos de violência doméstica e de doenças, que representariam custo social ao Estado. O ponto é polêmico também porque o projeto reduz a alíquota das bebidas ao mesmo tempo que aumenta o imposto sobre o leite, por exemplo. 

Farinha

– Outro trecho vetado propõe a concessão de crédito presumido de ICMS (direito a descontar parte do imposto futuro) a fabricantes catarinenses de farinha de trigo e de mistura para a preparação de pães comuns, como o francês. O crédito seria de 41,67% do imposto devido, em um produto que tem alíquota de 12%.

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– Na prática, o crédito faria com que o ICMS real das misturas para pães fosse de 7%, em vez de 12%. O percentual menor é o mesmo dos produtos de cesta básica. O setor aponta que esse mecanismo é fundamental para que as empresas de SC concorram em condição de igualdade com indústrias de trigo do Paraná e do Rio Grande do Sul, onde já há essa solução para oferecer uma alíquota efetiva de 7% para o produto.

– A competitividade seria importante para as indústrias do Estado atuarem tanto no mercado catarinense como também na venda a mercados como Paraná e São Paulo. Também ajudaria no momento atual, em que o produto sofre forte aumento por causa da guerra entre Rússia e Ucrânia.

– O benefício já havia sido concedido ao setor até 2021, mas foi retirado há cerca de um ano. Desde então, o Sindicato das Indústrias de Trigo de Santa Catarina (Sinditrigo-SC) afirma que já houve uma maior entrada de produtos de outros estados em SC.

– Caso o veto do governador seja mantido, o setor estima uma alta de cerca de 5% no valor da mistura para pães vendida para indústrias e padarias. Por consequência, essa mesma alta chegaria aos consumidores no preço dos pães. Caso o veto seja derrubado, não haveria aumento de preços ao consumidor, segundo o setor. A farinha de trigo tradicional não teria elevação em nenhum cenário, porque já conta com a tributação reduzida, na prática, a 7%.

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– Na justificativa do projeto, o governo do Estado afirmou que o benefício “não se justifica economicamente, uma vez que alcança setor que já apresenta renúncia fiscal excessiva”. O argumento foi o mesmo utilizado para a retirada do benefício, no ano passado.

Outras mudanças

– Os vetos do governador também abordam outros dois pontos. Um deles altera a forma de apontar o valor para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), cobrado na transferência de bens a herdeiros. Seria necessário concluir um processo com prazo de 90 dias para o contribuinte se manifestar antes de definir a cobrança.

– O último ponto vetado pelo governador propõe o desconto de até 90% em multas e juros para pagamento de valores atrasados do Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotivo (IPVA).

Correção: O título da reportagem afirmava originalmente que o projeto do ICMS poderia alterar também o preço da cerveja. A cerveja, na verdade, não entra na redução de ICMS discutida pela Alesc. O benefício valeria apenas para as chamadas bebidas quentes, como vinho, espumantes e destilados. O título foi corrigido às 14h45min.

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