A desistência do Ministério da Justiça e Segurança Pública de construir uma penitenciária federal em Itajaí dividiu reações, mas expôs um cenário relevante: Santa Catarina perdeu a oportunidade de entrar na rota da segurança nacional. Mais: deixa ir embora um modelo de capacitação aos funcionários, melhorias em infraestrura, investimento em 600 empregos diretos e 1,2 mil indiretos, além de ter poucas credenciais para enviar presos catarinenses a carceragens de outras regiões.
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A Secretaria de Justiça e Cidadania (SJC) reconhece a importância de o Estado fazer parte do sistema penitenciário nacional. Por isso se diz à disposição para ajudar na busca de outro terreno. Mas o futuro da unidade federal em SC esbarra justamente nessa procura. A secretaria enfrenta na Justiça disputas com quatro prefeituras catarinenses contrárias a construção de presídios estaduais, além de rejeições de outras cidades que não foram para o Judiciário. Os técnicos do sistema penitenciário nacional chegaram a visitar terrenos em Porto Belo e Itapema, mas, diferente do que ocorre em Itajaí, os prefeitos são contrários à proposta.
– Porto Belo não tem interesse algum pela condição, somos uma cidade turística. A penitenciária afetaria a cidade. Não aceitamos nem com contrapartidas.
O delegado aposentado da Polícia Federal e ex-diretor do Departamento de Administração Prisional (Deap), Roberto Schweitzer, critica a resistência dos municípios em receber unidades prisionais. Além de colocar o Estado no cenário da segurança nacional, a nova estrutura deixaria SC em condições de ser protagonistas junto a outras regiões do país:
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– Se tivermos um presídio federal aqui, para a cidade onde ela for instalada, haverá vantagens econômicas, melhorias na segurança e teremos condições e moral para mandar nossos presos para outros lugares. Temos que parar com o preconceito de sermos contra presídios.
Foram justamente as contrapartidas exigidas pela prefeitura de Itajaí e a necessidade de obras na região que afastaram o governo federal da intenção de construir na cidade. A unidade ficaria em um terreno próximo ao atual Complexo Prisional da Canhanduba, comunidade à margem da BR-101, perto do limite com Camboriú. O interesse foi do próprio ministério. A proximidade com o aeroporto de Navegantes ajudou por conta da necessidade de deslocamento constante de detentos.
A região, no entanto, enfrenta um grave problema de acesso. Para deixar o complexo e seguir em sentido a Itajaí, o motorista precisa avançar oito quilômetros em direção a Balneário Camboriú para fazer o retorno. Um viaduto no local dependeria de recursos que o ministério não dispõe:
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– Foram consideradas questões do espaço geográfico, proximidade do porto, que traz movimento muito grande de pessoas, e obras nas vias de acesso para alargamentos de rodovias e viadutos que envolveriam outros ministérios– explicou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Torquato Jardim, na última terça-feira durante evento em Criciúma.
Empregos diretos, indiretos e modelo de capacitação
Para o governo do Estado a decisão do ministério não afeta a oferta de vagas no sistema prisional local.
– Essa é uma demanda federal, não influencia em nada o sistema prisional de Santa Catarina, nem vagas nesse presídio usaríamos. Fomos convidados a colaborar num processo para escolher uma cidade. Então apareceu Itajaí – explica Leandro Soares Lima, secretário-adjunto da SJC.
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A prefeitura de Itajaí ainda aguarda uma resposta oficial do governo federal para entender os motivos técnicos da desistência. O secretário de Segurança da cidade, Francisco José da Silva, defende a implantação da unidade. Policial federal há 30 anos, ele reconhece a importância da instalação do equipamento:
– Temos um complexo penitenciário na cidade, que infelizmente está lotado, como os outros que existem em Santa Catarina. A vinda de uma unidade federal ia impor na região melhorias de segurança como o monitoramento de toda a área, além de trazer um modelo de capacitação para os funcionários. Além do investimento, seriam mais de 600 empregos diretos e 1,2 mil indiretos.
Agora, com a negativa federal, Silva diz que não pretende apresentar novas opções de área. O que era a única opção viável levou as negociações à estaca zero e deixou o Estado mais longe de entrar no circuito nacional das penitenciárias
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Federais
O país tem quatro estruturas do mesmo modelo no Paraná, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Rondônia, além de uma quinta em construção em Brasília. Todas recebem presos de alta periculosidade. Em Porto Velho (RO), por exemplo, está Jarvis Pavão, narcotraficante condenado em Balneário Camboriú a 17 anos de prisão. Recentemente, ele foi extraditado do Paraguai sob forte esquema de segurança e levado para o Norte do país. Fernandinho Beira-Mar, conhecido criminoso carioca, também está na mesma cadeia. Nestes espaços, os ocupantes ficam em celas com Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) com apenas duas horas de banhos de sol por dia e o restante do tempo as grades
Fechadas
A intenção do governo federal, anunciada em janeiro de 2017, é construir cinco novos projetos do mesmo modelo. Um deles ficará no Rio Grande do Sul, o segundo no Amazonas e o terceiro confirmado na Paraíba. Os outros dois ainda estão em aberto. Caso fosse confirmada, a penitenciária federal do litoral catarinense não seria destinada a presos catarinenses. Pela política de segurança, os detentos de alta periculosidade daqui são levados para outros Estados. O objetivo é evitar a proximidade do detento com sua região de origem. Nem mesmo a penitenciária de Catanduvas (PR) é utilizada por SC. Catarinenses foram levados para outras regiões em oportunidades como as ondas de atentados de 2013 e 2014.
Penitenciárias federais
O Brasil tem quatro unidades prisionais federais em operação. Veja abaixo quais são:
Penitenciária Federal de Catanduvas (PR)
Foi primeira penitenciária federal do país. Criada em maio de 2006, notabilizou-se por receber diversos traficantes de drogas do Rio de Janeiro.
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Penitenciária Federal de Campo Grande (MS)
Assim como Catanduvas, a penitenciária de Campo Grande foi idealizada para receber criminosos de alta periculosidade. O traficante catarinense Neném da Costeira ficou preso nessa unidade.
Penitenciária Federal de Porto Velho (RO)
Terceira penitenciária do tipo no País, possui uma área de 12,7 mil metros quadrados, divididos em quatro alas. A unidade recebeu presos catarinenses transferidos em 2014.
Penitenciária Federal de Mossoró (RN)
Última penitenciária federal construída no País, a unidade de Mossoró é a única do tipo na região Nordeste. Em 2013, presos de uma facção catarinense que comandou atentados em SC foram levados para esse local.
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Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública
O que impede a obra em itajaí
Segundo o ministro da Justiça, Torquato Jardim, problemas técnicos motivaram a desistência da construção em Itajaí. Saiba detalhes:
Espaço geográfico
Em visita a Itajaí, em agosto de 2017, os técnicos do Ministério da Justiça analisaram áreas próximas ao Complexo Prisional da Canhanduba. Pelo menos dois terrenos teriam sido apresentados.
Proximidade do porto
Os terrenos visitados ficam a 20 quilômetros do porto de Itajaí e a 38 quilômetros do porto de Navegantes. O Estado e o município não foram informados dos problemas que o porto poderia trazer, mas o ministro alegou “grande movimento de pessoas”.
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Vias de acesso, alargamentos de rodovias e viadutos
Esse é um dos principais problemas da região do atual complexo da Canhanduba. Para sair da comunidade pela BR-101, o primeiro retorno para quem pretende ir para Itajaí fica oito quilômetros para frente. O condutor precisa entrar num dos acessos e Balneário Camboriú para depois voltar. Uma das obras necessárias na região, e a que o ministro fez referência, é a construção de um viaduto no local.