O projeto de lei 1904/2024, que pretende equiparar a pena para casos de aborto acima de 22 semanas de gestação, inclusive em casos de estupro, à punição prevista para homicídios gerou uma onda de manifestações contrárias de entidades e personalidades. A proposta pode levar mulheres que interrompam a gravidez, mesmo em episódios em que ela seja decorrente de violência sexual, a condenações de até 20 anos de prisão.

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A proposta teve o regime de urgência aprovado pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (12). Com isso, o texto pode ser votado nos próximos dias diretamente no plenário, sem precisar passar pelas comissões. A aprovação do formato mais rápido para tramitação ocorreu em 23 segundos e sem menção ao número do projeto.

Na prática, o projeto equipara a punição para abortos a partir de 22 semanas de gestação à pena de homicídio, com previsão de 6 a 20 anos de prisão. Hoje, a lei permite que vítimas de estupro que fiquem grávidas interrompam a gestação e não estabelece limite de tempo para que esse procedimento ocorra. O aborto também é permitido para situações em que haja risco para a mãe ou para fetos com anencefalia. Nos outros casos, o aborto é proibido, mas a pena atual é de 1 a 3 anos de prisão.

Mulheres reagiram por todo o país

O projeto gerou fortes reações de entidades e mulheres por todo o país. A principal crítica ocorre porque a pena para mulheres que praticarem aborto seria maior do que a de estupradores. Enquanto o PL 1904 propõe pena severa que pode chegar a 20 anos de prisão para abortos, inclusive para vítimas de estupro, a sanção prevista no Código Penal para os estupradores é menor, de 6 a 10 anos de prisão.

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Manifestações de rua foram registradas nessa quinta-feira (13) em cidades como Florianópolis, São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF).

Na capital de Santa Catarina, um grupo de mulheres se reuniu em frente ao Terminal Integrado do Centro (Ticen) com faixas e cartazes contra o PL 1904. O ato foi organizado pela Frente Catarinense pela Legalização do Aborto e pelo movimento 8M.

Outra mobilização está marcada para a manhã deste sábado (15) em Blumenau, e novas manifestações estão previstas para esta sexta-feira (14) e sábado em diferentes capitais do país.

O caso também repercutiu nas redes sociais, com uma onda de mensagens contrárias ao chamado “PL do Aborto”. As palavras “aborto” e “estupro” permaneciam entre as mais comentadas no X, o antigo Twitter, entre quinta e sexta-feira (14).

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Hashtags como #CriançaNãoÉMãe reuniram publicações com críticas ao projeto. Uma campanha com o mesmo nome reúne assinaturas para envio de mensagens a parlamentares pressionando pela rejeição da proposta. Figuras públicas como o humorista Paulo Vieira, a cantora Anitta e o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, posicionaram-se contra a proposta.

A reportagem procurou entidades catarinenses para repercutir o assunto. A Associação Catarinense de Medicina (ACM) informou que não irá se manifestar, e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC) não retornou até a publicação.

Segundo um estudo da pesquisadora Marina Jacobs, do programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apenas 3,6% dos municípios brasileiros oferecem o serviço de aborto legal nas redes de saúde. A estimativa é de que sejam feitos 2 mil abortos legais por ano no Brasil, enquanto o número de mulheres que engravidam por estupro pode chegar a 20 mil a cada ano.

A OAB nacional anunciou nesta sexta-feira (14) que criou uma comissão composta por sete integrantes, todas mulheres, para elaborar um parecer a respeito do PL do Aborto. A previsão é de que o texto seja submetido à aprovação do conselho da OAB Nacional na segunda-feira (17).

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Reações entre parlamentares de SC

Apesar das reações contrárias pelo país, na bancada catarinense o PL 1904 encontra adesões. A deputada Júlia Zanatta (PL) é uma das autoras do projeto e fez publicações nas redes sociais defendendo a medida. Ela publicou um vídeo de uma entrevista em que defende que vítimas de violência sexual continuarão tendo autorização legal para interromper a gravidez, porém limitado aos primeiros meses de gestação.

“Mulheres estupradas permanecerão, sim, tendo a exceção legal, mas dentro do limite de 22 semanas. Após esse prazo, temos a justa equiparação de pena ao homicídio”, escreveu. Outros parlamentares de Santa Catarina, como Carol de Toni, Daniela Reinehr (PL) e outros integrantes da bancada do PL também fizeram publicações defendendo o texto.

Os deputados Ana Paula Lima e Pedro Uczai (PT) manifestaram posições contrárias ao PL 1904 nas redes sociais. “É vergonhoso que a Câmara dos Deputados esteja debatendo um projeto que prevê uma pena maior para a vítima do que para o estuprador. Essa proposta ignora a realidade das vítimas e acaba por proteger os agressores”, escreveu Ana Paula Lima.

Entenda mudanças sobre aborto previstas no PL 1904

Como é

Hoje o aborto é permitido em apenas três casos no Brasil: se a gravidez for resultante de um estupro, se colocar a vida da mãe em risco ou se o feto for anencéfalo. Nessas três situações não há limite de tempo para a interrupção da gestação, ela pode ser feita a qualquer momento;

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Fora dessas três situações, o aborto é considerado crime no país. A pena é de 1 a 3 anos de detenção para a gestante que provocar aborto em si mesma ou permitir que alguém provoque;

Quem ajudar uma pessoa grávida a abortar também está sujeito a penalidades: se não tiver autorização da gestante, a pena pode ir de 3 a 10 anos de prisão. Se houver consentimento da mulher, a pena é de 1 a 4 anos de prisão.

Como ficaria com o PL 1904

O PL 1904 pretende aumentar as penas nos casos em que o aborto ocorrer a partir da 22ª semana de gestação. Nesses casos, a pena será equiparada à de homicídio, com punição de 6 a 20 anos de prisão. Essa pena valeria tanto para a grávida quanto para quem ajudá-la a abortar;

O projeto exige que o aborto seja feito antes da 22ª semana de gestação. A partir desse marco, o aborto fica equiparado a um homicídio, e a vítima de estupro que tenha ficado grávida fica sujeita a uma pena de até 20 anos de prisão. A mudança poderia afetar sobretudo vítimas de estupro e crianças, que podem demorar até perceber terem sido vítimas de violência e resultado em gravidez.

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