Um projeto de lei complementar encaminhado pela prefeitura e em tramitação na Câmara de Vereadores provoca polêmica em Joinville. A proposta busca permitir o uso e ocupação do solo em áreas que antes eram da “cota 40” (com 40 metros ou mais acima do nível do mar) e atualmente estão abaixo dessa metragem após serem mineradas ou passarem por terraplenagem. No entanto, há pessoas contrárias ao projeto. Elas acreditam que poderá haver consequências à vegetação e possibilidade de especulação imobiliária dessas áreas.
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O secretário de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável (Sepud), Danilo Conti, diz que a lei proposta respeita uma hierarquia existente, em que a legislação ambiental está acima. Portanto, antes de a pessoa dar o uso e ocupação da área, é necessário que passe por todo o rito ambiental, que inclui o EIA/Rima, um Programa de Recuperação de Área Degradada (Prad), audiência pública e emissão de licenciamento ambientais.
Somente após ter toda esta documentação em mãos é que poderá ser dada utilização. Por outro lado, caso a mineração – extração de pedras, areia ou argila – ou terraplenagem tenham sido feitas de maneira irregular, sem o trâmite necessário, a pessoa não poderá fazer esse processo para ocupação. Ela ainda terá de responder na Justiça pelo crime ambiental cometido.
O projeto prevê que essas áreas degradadas, com a devida autorização ambiental, possam assumir o uso e ocupação dos setores adjacentes – caso haja mais de um, será necessário parecer da Sepud para definir quais são os índices da área específica. Segundo Conti, o projeto de lei não altera os índices da cota 40. Eles continuarão restritivos.
— O que a gente quer é evitar que essas áreas, em que foram baixadas a cota de maneira regular, sejam áreas de ocupações irregulares. Queremos evitar um problema social e de sanidade grave que a cidade pode passar a ter se essa minuta de lei não for aprovada na Câmara de Vereadores — explica.
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O secretário afirma que áreas como o Morro da Boa Vista, Morro do Finder e outros grandes morros já são unidades de conservação. Ou seja, são protegidos pela lei ambiental de serem minerados ou terraplenados. Conti garante que não há interesse em acabar com os morros existentes em Joinville porque eles têm uma grande relevância para a cidade.
Projeto volta para análise do Conselho
O projeto de lei estava em discussão e análise das comissões de Legislação e Urbanismo, mas teve de voltar para nova apreciação do Conselho da Cidade após uma emenda do vereador James Schroeder (PDT) ser aceita. Ele procura estabelecer uma espécie de compensação dos proprietários que tenham a possibilidade de utilizar seus terrenos de forma mais intensa, caso a lei seja aprovada na Câmara.
Segundo o parlamentar, se houver a liberação para uso e ocupação do solo, o terreno passará a valer muito mais do que anteriormente, quando ainda estava na cota 40.
— Nós propusemos que esse lucro imobiliário seja dividido com a sociedade e direcionado, basicamente, para a preservação dos demais morros da cidade — explica Schroeder.
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O vereador defende que o principal destino desses valores sejam os morros que estão definidos como Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), como, por exemplo, o Morro da Boa Vista, do São Marcos, do Iririú e do Atiradores. Ele explica que são áreas importantes e precisam de um plano de manejo.
— Quanto, de que forma e quais critérios para essa compensação será objeto de uma lei específica que o próprio Executivo terá de enviar à Câmara se a emenda e o projeto forem aprovados — complementa.
De acordo com o vereador e presidente da comissão de Legislação, Maurício Peixer (PR), o Conselho da Cidade deve levar de 30 a 60 dias para apreciar a emenda. Isso porque ela altera o Plano Diretor de Joinville. Quando o projeto retornar para a Câmara, Peixer acredita que será necessário realizar mais uma audiência pública sobre o assunto.
— Assim que o projeto entrou fizemos uma audiência pública, em que compareceram poucas pessoas. É importante que a gente possa escutar a população, os técnicos da prefeitura, da Câmara, além de institutos e terceiros — defende.
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Para a OAB de Joinville, texto deixa dúvidas
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Joinville apresentou um parecer jurídico sobre o projeto de lei para as comissões que analisam o texto na Câmara de Vereadores. O documento propõe que a aplicação da lei com relação à questão temporal seja mais discutida.
O coordenador das comissões da OAB, Guilherme Aquino Reusing Pereira, explica que não está claro no projeto quais são as áreas que poderão ter o uso e ocupação.
— O parágrafo terceiro e quarto dizem que a lei será aplicável às terras já utilizadas para fins de mineração acima da cota 40 e que hoje estão abaixo, mas também dizem que podem, futuramente, ser discutidas as outras terras que ainda não foram utilizadas — cita.
A preocupação da OAB é com relação a esse marco temporal, que apresenta interpretação dúbia, pelo menos na forma em que o projeto se encontra. Segundo Pereira, é possível que o assunto acabe judicializado.
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O vereador Rodrigo Coelho (PSB) é um dos parlamentares que anteciparam posicionamento sobre o projeto. Ele é contra porque acredita ser inconstitucional. Argumenta que sem um marco legal que determine datas para a aplicação da lei, será criada uma insegurança jurídica até mesmo para as pessoas que quiserem fazer a mineração ou a terraplenagem das áreas.
— Meu medo é que isso dê brecha para que em vários locais, sob a desculpa de se fazer mineração, se faça, na verdade, loteamentos ou outras obras. Permitirá que várias áreas possam ser devastadas e Joinville perca esse patrimônio, que poucos lugares têm — afirma.
A prefeitura esclareceu à reportagem que o projeto vale tanto para áreas já degradadas e que não têm mais perfil de cota 40, quanto para áreas que ainda venham a ser degradadas no futuro, desde que sigam a legislação. A OAB afirmou que continuará a acompanhar o caso e que o assunto será levado para o conselho da entidade.
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