Um projeto de lei (PL) em tramitação na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) quer proibir o uso de linguagem neutra, ou “linguagem não-binária”, em órgãos públicos do Estado. A proposta gerou polêmica nas redes sociais, com opiniões divergentes sobre a comunicação inclusiva. No aspecto jurídico, especialistas alertam que a iniciativa legislativa é avaliada como inconstitucional.
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O texto, apresentado pelo deputado Sargento Lima (PL), busca vetar expressões como “elu”, “amigue”, “todes” e “prezades”, substituições às palavras “ele/ela”, “amigo”, “todos” e “prezados”, respectivamente, em canais oficiais dos três poderes e de instituições diretas, como as redes de ensino público, fundações e autarquias. Atualmente essa linguagem pode ser usada como alternativa para uma comunicação mais inclusiva e que contemple pessoas não-binárias, que não se identificam exclusivamente com o gênero masculino ou feminino.
Em uma publicação da Alesc nas redes sociais, as opiniões dos catarinenses divergiram sobre a relevância e caráter da proposta. A postagem do Instagram, feita na última segunda-feira (10), já ultrapassa 1.200 comentários.
Linguagem neutra em escolas de SC pode valer após decisão do STF
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“Concordo. Chega de mudança na língua portuguesa”, comentou Jamilly Koerich. “A língua portuguesa por si só atende os objetivos propostos. Para que reinventar a roda?”, opinou Adriana Netto. “O nosso português já é o suficiente para compreender as notícias”, afirmou Antonio Costa no seu comentário.
“Discordo… O brasileiro sempre gostou de aprender novas gírias, tivemos até um novo acordo ortográfico e ninguém reclamou. Por que tanta resistência em utilizar uma linguagem inclusiva?”, escreveu Ingrid Medeiros. “Linguagem neutra não se trata de alterar a língua portuguesa. É uma forma de demonstrar respeito ao próximo, evitando expressões que possam ser discriminatórias ou reforçar estereótipos de gênero. Trata-se de uma questão de educação e respeito”, explicou Kika Salomão.
Há também aqueles que não entenderam a relevância de levar o assunto para a pauta dos parlamentares estaduais. “Será que não existem problemas materiais mais urgentes?!”, questionou João Auerbach Neto.
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A publicação ainda contou com posicionamento do presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC, Rodrigo Sartoti. “A língua portuguesa é uma língua viva e, justamente por isso, está em constante transformação. Não é uma lei (que é evidentemente inconstitucional, vide jurisprudência recente do STF) que vai impedir as transformações da língua”, afirmou Sartoti.
Proposta é avaliada como inconstitucional pelo STF
Na justificativa para a apresentação do projeto de lei, Sargento Lima afirma que a utilização da linguagem neutra “vem se popularizando nos últimos tempos por todo o território brasileiro e infelizmente isso também começa a acontecer em alguns estabelecimentos estaduais, ignorando as normas de escrita brasileira”. Para o parlamentar, é de obrigatoriedade do poder público utilizar o padrão da língua portuguesa, que apesar de “utilizada há séculos na nossa nação”, já passou por alterações e ajustes.
— Nós não utilizamos termos regionais na nossa linguagem como ferramenta legislativa. Também não usamos em avisos, anúncios, em comunicados de prefeituras, do Estado. Então é para coibir mesmo a existência dessa linguagem, que não é convencional dentro das repartições públicas — argumentou o autor do projeto de lei.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) avaliou que é inconstitucional os estados legislarem sobre o emprego da linguagem neutra em sala de aula, item incluso no PL. O advogado Adriano Tavares, especialista em Direito Constitucional, explica que a educação brasileira é competência da União e a linguagem não pode ser alvo de proibição nas escolas por meio de leis estaduais. Por isso, a proposta já possui uma inconstitucionalidade.
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— Legislar sobre a língua e suas formas de expressão é extremamente complexo. O STF até agora analisou o caso da proibição de linguagem neutra nas escolas, não tratando de outros órgãos do Estado. Porém, percebo que a tendência sob o viés constitucional é de manter a inconstitucionalidade da proibição de utilização da linguagem neutra, tendo em vista o conflito com o direito constitucional da liberdade de expressão e de outros direitos — explica Tavares.
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O especialista reforça que a língua é uma construção humana relacionada à liberdade de expressão. Neste caso específico, a comunicação inclusiva ainda trata das temáticas de gênero, que frequentemente são atacadas e questionadas. No entanto, o advogado relembra que a posição dominante do STF é contra a censura prévia dessas questões.
Esse posicionamento também está presente dentro da própria Alesc. Para a deputada Luciane Carminatti (PT), a tentativa de emplacar uma proibição contra a inclusão é uma “insistência nessa ditadura contra a pluralidade”. A parlamentar enfatiza que o projeto é uma “perda de tempo” por conta ser inconstitucional perante ao STF e que, como educadora, reconhece a língua como parte dinâmica da cultura da sociedade.
— Uma hora a extrema-direita terá de entender que a diversidade existe, é realidade e não há lei que vá proibir as pessoas de existirem, com seus diferentes tipos de gênero, e serem respeitadas como são, seja na linguagem ou em qualquer outra forma de manifestação — salienta Carminatti.
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Sargento Lima reconhece que a posição do STF coloca o projeto dele como inconstitucional, mas argumenta que há uma “situação de amplitude em todo o país”, de disseminação da linguagem neutra, que precisaria ser considerada.
— A realidade do Sul, do Norte, não pode ser decidida pelo STF — afirmou o parlamentar.
O projeto de lei está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alesc.
Veja a publicação da Alesc sobre a proposta:
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