Minutos que duram horas, minutos que duram frações de segundos. Quem sente como passa o tempo, sente como o tempo escorre pelas mãos no breve instante da plena liberdade ou na infinitude do cárcere. Na penitência de uma presidiária, tempo de sobra para contar o tempo que a separa da emancipação.

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“Professora, quero as minhas horas. O que importa para mim é o tempo”. Foi isso que a presidente da ONG Trama Ética, Neide Schulte, ouviu de uma detenta no presídio feminino de Tijucas quando perguntou quanto deveria cobrar por uma peça de roupa confeccionada por ela dentro da cadeia, fruto de uma oficina realizada pela entidade.

— O tempo lá dentro é muito longo. Cada dia a menos lá é um tempo a mais fora — comenta Neide, ao lembrar que a cada três dias de aula ou trabalho dentro dos presídios, é um dia de remissão da pena imputada à presa.

Na cadeia, há pouco o que fazer diariamente. A monotonia do vazio alarga o tempo e consome a vitalidade da encarcerada. Há, ainda, as agruras da insalubridade: comida ruim, buraco no chão da cela para as necessidades e jornais velhos para conter o fluxo menstrual.

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— É uma realidade dura. Só quando você se aproxima é que entende toda a dificuldade — conta Neide.

Foi sensibilizada por esses e outros problemas da lógica punitivista do sistema prisional brasileiro que a professora do curso de Moda da Udesc criou a ONG Trama Ética. Atualmente, Neide negocia com o governo do Estado a reativação do curso de crochê para as cerca de 150 detentas do presídio feminino de Florianópolis e as 70 de Tijucas.

O projeto foi realizado com sucesso entre 2013 e 2016 e focou, principalmente, na ecomoda – confecção de roupas, bolsas e acessórios aproveitando roupas inutilizadas, retalhos e outros tipos de resíduos. No mês passado, inclusive, os produtos feitos pelas presas foram levados para exposição e venda na Feira Nacional de Negócios e Artesanato (Fenearte), em Recife (PE).

— O principal foco do trabalho é a capacitação de pessoas, porque hoje a cadeia não reconstrói ninguém, só piora. O ideal é que a justiça seja restitutiva, não punitiva: em vez da pessoa ficar jogada na prisão, que ela estude e trabalhe lá dentro — afirma Neide.

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Armadilhas da vida

Quem nunca imaginou que poderia ter uma vida completamente diferente caso tivesse nascido em outro berço? Da infância à vida adulta, cada porta fechada, cada não escutado, cada escolha feita foi determinante para culminar com o encarceramento de uma pessoa.

— Entre as mulheres, a maioria nunca tinha sido presa antes nem reincide depois que sai. Isso mostra que muitas delas caíram no sistema prisional por uma armadilha da vida, da qual toda a sociedade é responsável — afirma Amanda Marina Lima, voluntária da ONG Trama Ética que já realizou diferentes tipos de trabalho com presidiários em Contagem (MG) e Ananindeua (PA).

A principal causa da prisão de mulheres no Brasil está relacionada ao tráfico de drogas — em 2012, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 64,7% das prisões tinha esse motivo. Por vezes usadas como “mulas”, outras tantas como “testas de ferro” de homens traficantes, essas mulheres são coagidas a assumir o B.O. no lugar dos seus companheiros. Depois, na cadeia, são largadas por eles.

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— Elas são literalmente abandonadas, primeiro pelo companheiro, depois pela família. Se um homem comete um delito ou crime, parece que a família aceita mais fácil do que se for uma mulher — avalia Neide.

Exclusão do mercado de trabalho

Uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho, divulgada em junho deste ano, aponta que apenas 56% das mulheres estão inseridas no mercado formal, ao passo que a força laboral dos homens é estimada em 78%, sendo que a qualidade do emprego dessas mulheres é considerada preocupante. Além disso, elas são mães e provedoras do lar, com muitos dependentes.

— A exclusão da mulher do mercado de trabalho é um absurdo que pega mulheres de classe média e classe média-alta. Mulheres de classe baixa, nem se fala. Elas não chegam nem ao trabalho formal, ficam sempre na informalidade, mesmo quando não se envolvem com o tráfico — comenta Amanda.

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E se já é difícil para uma mulher entrar no mercado de trabalho, que dirá para uma egressa de presídio. Por isso a importância de iniciativas como a Trama Ética, que busca encontrar mecanismos de reinserção social aliados à geração de renda.

— Elas estão lá escondidas, invisíveis. Ninguém sabe quem são essas mulheres, o que fazem. As oficinas são uma forma de trazê-las para o mundo de fora, até porque um dia elas vão sair — afirma Neide.

Segurança e valorização

Não é qualquer detenta que pode frequentar as oficinas. A direção dos presídios faz uma triagem antes de liberar a participação nos cursos. Há, ainda, uma inspeção de segurança antes e depois das aulas.

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— Tem uma avaliação de comportamento para a seleção delas. No tempo que estamos juntas, levamos o material necessário para o trabalho, sem restrições. Usamos agulhas e tesouras, inclusive — conta Neide Schulte.

A professora de moda confia em suas alunas presidiárias — a quem rasga elogios e diz que “muitas vezes, são mais atenciosas e dedicadas que as alunas da universidade” — e não se preocupa com questões de segurança. Ao final da aula, o material é recolhido e as presas são revistadas.

— Elas respeitam muito. Se sentem valorizadas, veem que podem fazer algo que as pessoas admiram. É um resgate delas como mulheres — arremata Neide.

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