Desde a abertura da Copa, o que não falta no Brasil é especialista em neurociência. Críticos de Miguel Nicolelis, líder do projeto Andar de Novo, comemoram o que teria sido um fracasso. Em vez do show de um paraplégico equipado com uma veste robótica, que andaria e chutaria uma bola só com a força do pensamento, o pontapé inicial do Mundial foi apenas um lance difícil de decifrar e que ganhou menos de três segundos de televisão.
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O bate-boca desde então entrou no clima de contestação à Copa mesclada com campanha eleitoral. Os colunistas Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi, ambos da revista Veja e críticos notórios ao governo petista, atacaram o neurocientista simpatizante do PT, motivando debates em blogs e nas redes sociais.
“Isso não é ciência: é circo dos horrores. Não explore os paraplégicos”, publicou Mainardi no domingo, eriçando dezenas de réplicas no Twitter que questionavam as contribuições científicas do jornalista, morador de Veneza. Azevedo dedicou três colunas para sugerir que os feitos de Nicolelis não estão à altura “da sua capacidade de gerar notícia”, ao que o neurocientista rebateu: “torço para que as suas colunas um dia estejam à altura dos fatos reais”.
O músico Roger Moreira, da banda Ultraje a Rigor, e o escritor Marcelo Rubens Paiva, tetraplégico, também se lançaram contra Nicolelis. Já Paulo Henrique Amorim, do blog Conversa Afiada, defendeu Nicolelis, dizendo que a mídia resolveu desqualificar um dos “maiores cientistas brasileiros vivos” por ter visto nele um “amigo de Lula”.
Esperança de um primeiro Prêmio Nobel verde-amarelo, Nicolelis culpa a Fifa pela exibição relâmpago de seu experimento na TV. Os 70 quilos de exoesqueleto afetariam o gramado, alegou a entidade ao vetar o equipamento dentro de campo. Por outro lado, a grama aceitou o peso da esfera gigante que se abriu para revelar Jennifer Lopez, Claudia Leitte e Pitbull.
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Inovação posta à prova
A polêmica pega carona na grandiloquência da promessa, que recebeu R$ 33 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) por garantir milagre comparável ao 14-Bis de Santos Dumont. O cientista Nicolelis considera que entregou o que prometeu, mas está pouco claro o grau de inovação da veste robótica.
– O exoesqueleto é para um grande espetáculo, ninguém sabe se vai ter aplicação clínica. Outros pesquisadores já estão mais avançados em suas pesquisas – afirmou o neurocientista Stéfano Pupe, um dos dissidentes do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), praticamente esvaziado em 2011 com a insatisfação de pesquisadores com o que chamam de estilo “centralizador” de Nicolelis.
Em outubro passado, Nicolelis alterou o projeto inicial. Em vez de eletrodos implantados no cérebro, a captação do pensamento do paciente passou a ser feita por um capacete com sensores de eletroencefalografia (EEG), método menos invasivo, mas mais rudimentar, restrito a comandos como “para a frente, parar e chutar”, segundo Pupe.
Com esse controle limitado, não ficaria à frente de outros exoesqueletos controlados por EEG, como o Mindwalker, do francês Guy Chéron (Universidade Livre de Bruxelas), e o NeuroRex, de José Luis Contreras-Vidal (Universidade de Houston). A seu favor, Nicolelis afirma que “nenhum paciente havia usado o pensamento para controlar um exoesqueleto que devolve feedback para o usuário”. Essa contribuição será colocada na balança quando os resultados forem abertos à avaliação de outros cientistas, o que ainda não aconteceu. Juliano Pinto, que chutou a bola, descreveu sua emoção na hora: “voltei a ter a sensação de andar novamente”, disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
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