Quatro vezes por semana, André Rieck, de 14 anos, levanta antes de o sol nascer para pegar o ônibus em direção ao Centro de Joinville. Morador da Estrada Blumenau, na área rural, ele percorre cerca de 25 quilômetros até o ginásio do 8º Batalhão da Polícia Militar, na rua Aquidaban. Lá, ele ganha um lanche e um quimono para entrar nas aulas de caratê oferecidas a adolescentes em situação de risco.

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As aulas iniciaram neste ano, como um projeto-piloto do Programa Eco Cidadão, que existe há 17 anos com o objetivo de orientar crianças e adolescentes sobre cidadania, valores morais e convivência em sociedade. Além da atividade esportiva, que acontecem às terças e quintas, são oferecidas atividades socioeducativas às segundas e quartas. Os participantes são convidados conforme o levantamento do sistema da Secretaria de Educação e do Cadastro Único para Programas Sociais.

André começou nas aulas de caratê em março, logo que iniciou o projeto. Sob os ensinamentos do sensei Luiz Idelfonso de Oliveira, ele já aprendeu as primeiros sequências de movimentos que demonstram técnicas de ataque e defesa. A concentração, dedicação e exigência do corpo são premissas que trouxeram ensinamentos para o menino de 14 anos.

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– Minha mente cresceu um pouco mais. Aprendi a pensar mais nas coisas, a dividir mais e a administrar melhor a minha vida. Vou continuar nas aulas para tentar me destacar no caratê e o professor me chamar para a academia – diz.

André se espelha no exemplo de Beatriz Cristina Goulart da Silva, de 14 anos, que também participa das aulas de caratê do Programa Eco Cidadão. Ela se distingue entre os 21 alunos por três motivos: a técnica apurada, a faixa vermelha na cintura e o convite para participar do teste e concorrer a uma vaga nas equipes de competição da Felej.

Beatriz começou nas aulas de caratê há três anos, sem muita pretensão, no Sesc do Vila Nova. Fez os exames de faixa e conseguiu subir de nível. Após uma pausa, voltou a treinar e agora continua com as aulas matutinas no Programa Eco Cidadão e as noturnas no Sesc. Com a chamada do sensei para treinar na equipe competitiva, ela agora treina os katas avançados.

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– Senti que a minha saúde melhorou muito, eu tinha alguns problemas, e também a disciplina. Senti uma diferença muito grande e passei a ver as coisas de uma forma diferente – conta.

De hoje até o dia 20 de agosto, o jornal “Notícia” vai apresentar essas e outras histórias com a série de 12 reportagens do Projeto Joinville que Queremos com o tema “esporte e cidadania“.

Oportunidade de virar atleta

O Programa Eco Cidadão é dedicado a melhorar a vida de adolescentes entre 13 e 15 anos, em Joinville. A cada ano, o programa oferece 30 vagas para jovens em situação de vulnerabilidade e os mantém nas atividades desde que haja um bom rendimento escolar. O município cede a alimentação e os vales-transporte; o 8º BPM cedeu o ginásio; e o Instituto A Fonte da Alegria (Iafa), do Laboratório Catarinense, forneceu os quimonos e aparadores de chute.

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Conforme uma das educadoras do Eco Cidadão, Mara Regina da Silva Rosa, a intenção é incentivar a permanência na escola, dar orientações sobre direitos e cidadania e valorizar a autoestima deles, por meio de palestras preventivas sobre sexualidade, drogas e combate ao bullying. Todo o processo é acompanhado pela equipe técnica de assistentes sociais, terapeuta ocupacional, educadoras e psicóloga.

Quando os adolescentes ultrapassam a idade atendida pelo projeto, eles entram no “pós-Eco”, o momento em que são encaminhados para atividades profissionalizantes e continuam assistidos pela Assistência Social. Conforme Rosa, essa é uma maneira de motivá-los a transformar suas próprias histórias.

De acordo com outra educadora, Eliane da Silva Maria Gelain, famílias de Joinville em situação de vulnerabilidade enfrentam problemas como pobreza, má nutrição ou violência. Iniciativas como essa podem mostrar outras possibilidades de existência para as novas gerações.

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– Eles podem romper paradigmas. Romper o ciclo em que eles estão. Mostrar que têm potencial e possibilidade de estar acessando outros meios – afirma.

Luiz Idelfonso e o encanto pelo social

Os alunos de caratê estão bem orientados. Com 40 anos de experiência no esporte, o sensei Luiz Idelfonso de Oliveira foi um dos pioneiros no Estado a levar essa arte marcial aos projetos sociais. Em Joinville, ele foi o primeiro a oferecer os ensinamentos a alunos de cinco escolas municipais, na década de 1990, por conta própria.

Vindo do interior do Estado, Luiz foi alfabetizado aos 13 anos. Entrou no caratê aos 14 e aos 15 começou a trabalhar numa indústria em Joinville. Ele conta que o esporte o ajudou a superar a timidez e a insegurança.

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– Por isso eu me vejo em cada criança dessa. Elas querem uma oportunidade. E o esporte pode ser uma janela para elas, para a integração social, é uma grande chance de ver como a sociedade funciona. Projetos sociais são encantadores.

Conforme o sensei, o caratê pode ensinar esses jovens sobre como se comportar em sociedade – pois um lutador jamais pode brigar na rua, por exemplo -, sobre disciplina e responsabilidades. Alguns valores que deixaram de ser aprendidos em casa, quando estão em famílias desestruturadas, cercadas pela violência.

– Uma forma de quebrar esse ciclo é uma pessoa mostrar a eles que existe um mundo diferente daquele ali. Cada menino desse aqui tem um sonho na vida e isso renova a gente, porque podemos participar disso. Estamos juntos para orientar – diz o sensei.

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