Jaqueline Farias Mendonça, 34 anos, teve o primeiro filho, Pietro, no Hospital Tereza Ramos, em Lages. Na hora do parto, ele acabou aspirando o mecônio – líquido formado por secreções eliminadas pelo bebê dentro do útero – e precisou ficar em observação. Mesmo sem poder levar o primogênito para casa nos primeiros dias após o nascimento, Jaqueline não desgrudou do recém-nascido. Ela ficou hospedada na Casa Mãe Tereza, a poucos metros do hospital. Assim pôde acompanhar de perto o desenvolvimento do filho, pois mora em um bairro afastado da maternidade:
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— Ele está no berçário em observação, preciso amamentar e ficar um tempo com ele. Passo o dia aqui ao lado dele — conta Jaqueline.
SC tem maior queda da mortalidade infantil em 26 anos
A casa, que é uma extensão do hospital, atende pelo SUS e foi aberta em dezembro do ano passado. O foco é acolher mães com bebês internados e gestantes que ainda não estão prontas para serem internadas, mas que estão na fase latente de trabalho de parto. A casa, que tem 20 leitos, sala de estar, cozinha e lavanderia, representa uma medida importante para reduzir a mortalidade infantil na região:
— Recebemos as gestantes de outros municípios até para evitar a peregrinação delas, e isso diminui a mortandade materno-infantil, já que em alguns casos o bebê nascia a caminho da maternidade. Além disso, é uma estratégia do Ministério da Saúde, já que quando a mãe está próxima do recém-nascido, fortalece este vínculo, e a melhora do bebê é mais rápida e contribui para o desenvolvimento dele — explica a enfermeira obstetra Maiura Rosa Amaral, responsável pela casa, que já recebeu 190 mães e 22 gestantes até julho deste ano.
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Essa iniciativa é fundamental em uma região como a Serra, que historicamente é a que tem o maior número de óbitos infantis em Santa Catarina. Em 2016, a taxa de mortalidade da região era de 14,6 óbitos a cada mil nascidos vivos – acima, inclusive, da média brasileira, de 14, e quase o dobro da catarinense (8,8). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo e a dificuldade de acesso ao serviço de saúde, devido a extensão territorial e áreas rurais, são alguns dos aspectos que justificam esse cenário:
— É uma região que precisa de um olhar diferenciado. A mortalidade infantil está ligada a diversos fatores, como escolaridade da mãe, ter entendimento dos cuidados, acesso a serviço de saúde — complementa Carmem.
Para tentar reverter esse quadro, outra iniciativa tem sido a capacitação constante da atenção básica da região. Desde 2015, foram treinados 1.320 profissionais, como médicos, dentistas, enfermeiros, técnicos e agentes comunitários, nos 18 municípios da Serra. O trabalho foi definido a partir de um diagnóstico que detectou que 85% dos óbitos infantis estavam relacionados a falhas no pré-natal na região:
— Diante disso, o objetivo era fortalecer as equipes. Em 2015, a Câmara Técnica da Rede Cegonha Serra Catarinense construiu um protocolo regional de atenção ao pré-natal e que hoje é interdisciplinar. Hipertensão, infecção urinária e sífilis ainda são principais causas de mortes. São situações fáceis de serem corrigidas com o protocolo. Mas não é um resultado imediato, porque a gente vem de mais de 30 anos de um indicador alto — afirma Daniela Rosa de Oliveira, enfermeira e coordenadora da Rede Cegonha na região.
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Com esse documento, foram intensificadas algumas ações. Na Serra, por exemplo, são realizados testes rápidos para identificar sífilis e HIV a cada trimestre da gestação, além de 30 dias após o nascimento e, trimestralmente, durante a fase de amamentação. Acima do que preconiza o Ministério da Saúde, com dois testes rápidos na gestante, o que é seguido no restante do Estado. As consultas odontológicas também foram intensificadas.
Na região, são três atendimentos durante a gestação, no restante do país é apenas um.
— Não trabalhamos apenas as questões odontológicas no pré-natal odontológico. A gente faz um trabalho interdisciplinar. Se eu vejo algo errado, encaminho para a enfermagem, por exemplo. A gestante é prioridade – reforça a cirurgiã dentista Fernanda de Abreu Busato, que atende na unidade básica de saúde de Lages.
Nestas consultas, também são dadas orientações de higiene, nutrição e amamentação. Além disso, o trabalho interdisciplinar pode ajudar a prevenir problemas graves. Por exemplo, se a mãe está tratando infecção urinária e faz um procedimento dentário, os medicamentos precisam ser pensados em conjunto para que a gestante não se torne resistente ao tratamento, o que pode representar risco para o bebê.
Esse programa da Rede Cegonha Serra Catarinense foi reconhecido, neste ano, pelo Ministério da Saúde (MS) e Organização Panamericana de Saúde (Opas). O protocolo
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implantado na Serra deve, inclusive, inspirar o documento que estabelece a linha de cuidado para atenção à gestante e ao recém-nascido no Estado, que deve ser finalizado neste ano.