O que era para ser um caminho para o paraíso se tornou uma grande dor de cabeça nos moradores da Rua das Corticeiras, no Campeche, sul da Ilha de Santa Catarina. Uma das trilhas que leva até a praia, apesar de estar em Área de Preservação Permanente (APP), está sendo reivindicada como propriedade privada de uma professora, que já fez diversas investidas para que seus vizinhos não passem mais por ela.
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Cynthia fixou uma placa alertando para a suposta propriedade privada e também instalou um poste com câmeras de segurança nas dunas. Ela chegou a colocar, em duas ocasiões, uma cerca para impedir a passagem dos moradores, mas a estrutura foi arrancada pelos próprios. Antes, ela já havia posto entulhos de vegetação e plantado bromélias espinhentas no caminho, sem sucesso. Tudo foi retirado pela comunidade.
— Ela se aproveitou do recesso do Judiciário e mandou cercar a trilha, o que impede a passagem, não só dos moradores do condomínio, como também de qualquer morador de utilizar a trilha que dá acesso à praia. E o que é mais lamentável é que os órgãos responsáveis por cuidar do meio ambiente nada fizeram até agora — questiona o síndico do condomínio Pamplona, Luiz Carlos Machado, que fica ao lado da casa da professora.
As Dunas do Campeche se tornaram APP após o decreto 112 de 1985 da Fundação do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram). O texto classifica uma área de 121 hectares como "campo de dunas de fixas, semi-fixas e móveis, situado ao longo da praia do Campeche". Conforme a prefeitura, as APPs são "áreas necessárias à preservação dos recursos e das paisagens naturais, mantendo o equilíbrio ecológico. São intocáveis, só podendo ser mexidas, sob autorização dos órgãos competentes, para educação ambiental ou pesquisa".
A Floram informou à reportagem que de fato a cerca colocada no local era irregular e que seria retirada. No entanto, os moradores não esperaram pelo poder público.
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Moradora pediu multa de R$ 1 mil por dia
A defesa de Cynthia garante que a área é particular e apresentou à Justiça inclusive uma escritura pública, sendo a cliente uma das herdeiras. Por isso, a professora ingressou com uma Ação de Interdito Proibitório na 2ª Vara Cível da Comarca da Capital. No documento, ela alega que os vizinhos estão invadindo a propriedade e pede uma multa de R$ 1 mil por dia para cada morador que passar pela trilha. O pedido, no entanto, foi negado pelo juiz Vitoraldo Bridi em abril de 2018.
No argumento do advogado da moradora, Charles Jacob Pegoraro Kerber, a trilha foi aberta pelo condomínio Pamplona como valorização imobiliária. Diz também que a cliente recolhe tributos sobre a área e que ela já sofreu inclusive ameaças. Boletins de ocorrência foram registrados por ambas as partes na Polícia Civil.
O que diz a defesa da professora
Cynthia não quis conversar com a reportagem. O advogado Charles Kerber se manifestou apenas por meio de uma nota. Segundo o comunicado, "sobre o mérito desta demanda, todas as provas já foram colacionadas nos autos, sobretudo as que demonstram tratar-se de uma propriedade particular e que, a suposta trilha, objeto de discussão, jamais existiu".
A defesa do condomínio Pamplona garante que a trilha existe há décadas e sempre fora usada por pescadores, surfistas, banhistas.
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ATUALIZAÇÃO EM 22/1/2019
A professora Cynthia, que à época da publicação da reportagem preferiu se manifestar apenas por nota de seu advogado, falou ao Hora de Santa Catarina. Ela argumentou que faz um trabalho de preservação no local e que é o condomínio vizinho que está desmatando a trilha.
— Estou preservando uma área de restinga que minha família possui há mais de 40 anos no Campeche e que ficou intocada durante anos. O condomínio Pamplona agora está desmatando esta área sistematicamente, constrangendo e ameaçando a mim e à minha família.
A professora também relatou que está sofrendo intimidação e constrangimento por parte dos condôminos do Pamplona. Segundo ela, depois da matéria, a trilha sofreu mais desmatamento, inclusive bromélias e gravatás que existem há anos no local.
Cynthia também afirma que o condomínio possuía um acordo de abrir uma servidão para toda a comunidade da Rua das Corticeiras. No entanto, a construtura que comprou o prédio ocupou todo o terreno, não cedendo a parte deles.
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— É um interesse privado de valorizar os apartamentos do prédio.
A solução, para a professora, é fazer um novo acordo junto com a associação dos moradores para que todos que moram naquela rua terem acesso à trilha.