Integrante do Grupo de Estados Contra a Corrupção (Greco) do Conselho da Europa, o espanhol Fernando Jiménez Sánchez é professor titular de Ciências Políticas e da Administração da Universidad de Murcia. Ele esteve em Florianópolis durante a semana e abriu na quinta-feira o congresso “A Corrupção Como Problema de Ação Coletiva”, parte do 2º Congresso Nacional do Colégio de Diretores de Escolas e Centros de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional dos Ministérios Públicos do Brasil (CDEMP).
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Para Sánchez, a corrupção não é alto “inerente” aos brasileiros, como muito se diz. Pelo contrário – segundo o especialista, todos os países são corruptos em algum nível, e apenas uma estrutura governamental eficiente e a participação popular conseguem quebrar esse ciclo.
Confira a entrevista completa:
DC – É muito comum o brasileiro dizer que somos um povo corrupto. Você acredita que existem países com “culturas de corrupção”? Por quê o brasileiro acha isso?
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Fernando Jiménez Sánchez – Na verdade, são poucos os países que possuem níveis realmente baixos de corrupção. Não se trata de “cultura política”, mas é algo mais ligado à natureza humana.
Tendemos a ter um comportamento egoísta em muitos aspectos, principalmente quando as condições favorecem. A corrupção é mais comum que se acha; o que acontece é que, sendo brasileiros, espanhóis, argentinos ou japoneses, tendemos sempre a achar que nosso país é o que tem mais problemas.
Em países com níveis altos de corrupção, a primeira explicação que surge é essa – “nós somos assim, faz parte da cultura”. Entretanto, estudos mais rigorosos mostram que esse argumento não explica muita coisa.
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A chave para entender a corrupção é de caráter institucional, principalmente o tipo de sistema que foi construído e como funcionam as instituições de governo. O quanto, por exemplo, há de clientelismo na sociedade? Há governos em que a troca de favores é muito baixa, e estas são as sociedades menos corruptas.
DC – Quais são os países, então, que mais enfrentam problemas ligados à corrupção?
Sánchez – Estudos comparados mostram que, ao menos na questão de como a sociedade percebe a corrupção, os índices mais altos são na África, América do Sul e alguns países da Ásia.
Estes lugares têm uma série de fatores em comum: primeiro, a impressão que as pessoas têm é que o governo é muito parcial, pois governa para uma parcela pequena da população. Segundo, a confiança de uma pessoa nas demais é baixa, você acaba não se sentindo parte de um todo. E terceiro, são sociedades especialmente desiguais. Não é uma coincidência, são fatores que aparecem em todos os locais com muita corrupção.
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DC – Qual é o prejuízo que uma sociedade tem quando a própria população não confia nas instituições ou considera o governo corrupto?
Sánchez – Uma sociedade necessita trabalhar em conjunto para correr atrás de metas que compartilham. Um aspecto-chave para que as pessoas consigam fazer isso é ter um governo institucionalizado e que funcione bem.
Os Estados foram criados justamente para isso. Agora, se as instituições funcionam mal, não conseguimos mais perseguir essas metas em comum, seja ela reduzir a criminalidade, melhorar a educação ou a saúde. É muito mais difícil fazer isso quando as pessoas não confiam no governo.
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Um dos aspectos centrais da luta contra a corrupção é exatamente esse: não se trata de uma cruzada de valores ou de uma batalha moral, mas de conseguirmos que as instituições funcionem e permitam que todas as camadas da sociedade passem de uma situação pior para uma melhor.
DC – Existe um “momento ideal” para um país combater a corrupção com eficiência?
Sánchez – Uma crise como a que o Brasil vive agora é uma boa chance para mudar o sistema e fazer o governo funcionar melhor, mas sempre há oportunidade. Estes momentos podem ser os mais interessantes porque as possibilidades estão próximas da população.
É evidente que países com pouca corrupção não foram sempre assim. Eles enfrentaram crises parecidas com a que o Brasil e a Espanha vivem agora, mas souberam aproveitá-las. O que eles fizeram foi redesenhar toda a estrutura para impossibilitar que um governo ou partido use as instituições para interesses pessoais.
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Os países nórdicos foram os primeiros a construir governos com mais mecanismos que aumentem a transparência nas administrações. É uma reforma que ficou conhecida como “Big Bang”, pois trata-se de uma mudança brutal, aconteceu da noite para o dia.
DC – O cidadão brasileiro se enxerga como parte do governo? A baixa participação social facilita a corrupção?
Sánchez – É um sentimento comum também na Itália, Portugal, Espanha, em toda a América Latina, Ásia, pelos países do Leste da Europa e por muitos outros: a sensação de que o governo vai para um lado e a população, para outro.
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É importante entender que todos os cidadãos formam um grupo, um coletivo. O que acontece na sua frente também é importante para você, pois todos compartilham um mesmo futuro. Se você tem esse pensamento e vê os outros como parte do seu “time”, é mais difícil que acabe cometendo ações oportunistas.
No Brasil, muitos não pensam nessa lógica, mas sim de maneira individualista – “minha confiança vai para a minha família, para meu partido político, minha igreja” – e ignoram o que acontece com os demais. A ideia básica é: países com baixos níveis de corrupção aprenderam a viver em coletivo e a criar limites efetivos para o governo.
DC – Como a mídia participa da fiscalização e do controle da corrupção?
Sánchez – Os meios de comunicação foram muito importantes nos países em que houve essa mudança. Algumas redes tinham capacidade de controlar o governo, e as leis antitruste acabaram coibindo a concentração da mídia em poucas mãos. Depois disso, se um veículo não publicasse um assunto porque tinha interesses próprios envolvidos, os outros o denunciavam.
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DC – A sensação da população é que as manifestações de junho de 2013 não tiverem efeitos diretos na vida da população. Isso pode desestimular protestos e atos políticos?
Sánchez – É muito difícil manter um protesto em alta, até porque as pessoas se cansam se não conseguem o que pedem em um prazo determinado. Existem casos como a das Mães e Maio, em que poucas pessoas seguem protestando durante muito tempo e acabam criando um movimento imparável.
Uma sociedade que está constantemente contestando o governo precisa ter claro que é necessário mudar a estrutura política em si. Caso contrário, outros que assumirão os postos – mesmo que bem intencionados – acabarão entrando na lógica. O segredo, então, está em mudar a regra do jogo, e não simplesmente os jogadores.
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DC – Um governo acha mais “fácil” praticar a corrupção quando está distante da população?
Sánchez – A corrupção em âmbitos locais é mais frequente que nos grandes cenários. Na Europa, por exemplo, há mais problemas nos governos municipais e estaduais que nos federais.
Dois fatores explicam isso: a administração federal é mais profissionalizada e as regras são mais sólidas – logo, é mais difícil manipular a estrutura; e a corrupção em nível nacional chama muito mais a atenção, sobretudo a televisão. Quando você tem um escândalo em um local afastado, há poucos meios de comunicação que conseguem tratar do assunto, ou que não estejam ligadas à própria estrutura administrativa.
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O efeito dos escândalos na opinião pública não depende tanto dos valores desviados, mas sim de aspectos narrativos. Quando os fatos são encadeados pela mídia como se fossem telenovelas, a população acompanha mais de perto e se interessa pelo assunto.
Na Espanha, repercutiu muitíssimo um caso de corrupção envolvendo a filha e o genro do rei [Iñaki Urdangarín, casado com Infanta Cristina, teria desviado recursos públicos de um instituto sem fins lucrativos em 2011]. Não se trata da quantidade de dinheiro envolvida, mas das informações “dramatúrgicas” que os meios conseguem levantar.