A cidade da reconhecida dedicação ao trabalho é também uma cidade com vocação para a cultura. É assim desde a chegada de Rose Gaertner e sua defesa das artes cênicas que resultou na criação da Sociedade Teatral de Blumenau, que integrava a Sociedade de Atiradores e mais tarde deu origem ao Teatro Frohsin, e que atualmente chama-se Teatro Carlos Gomes.

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É assim na dança, área em que o projeto Dança nos Bairros há 25 anos leva educação e socialização por meio da expressão corporal a 1,5 mil crianças de 6 a 16 anos, em 15 bairros de Blumenau. Os alunos visitam todo ano o Festival de Joinville e se apresentam em um show no Ginásio Sebastião Cruz, o Galegão. Junto com avanços como a criação de um curso superior em Dança e o trabalho de grupos como o Pró-Dança, do Teatro Carlos Gomes, o projeto é um dos motivos que faz a dança ganhar força na cidade.

– Alguns alunos já foram para a faculdade, para as turmas do Pró-Dança, uma aluna esteve na Escola Bolshoi, muitas fazem hoje dança do ventre e de salão. É uma forma de mostrar a cultura do lugar e pode mudar a vida de uma criança, dando chance de atividade física e de fazer amizades – conta a professora Simone Wachholz, há 24 anos no projeto.

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A vocação cultural é vista também na música. Um dos principais símbolos é a Banda Municipal de Blumenau, que completou 56 anos em março. O grupo está presente em quase todos os momentos do ano na cidade. Tem formato de big band, faz apresentações com artistas de música popular da cidade, como Mazin Silva, Mareike e John Muller – outros responsáveis por uma rica cena musical no município.

O grupo também tem repertórios de marchinhas alemãs para a Oktobefest, de músicas de Natal executadas nos eventos de fim de ano. Os músicos também fazem coreografias, o que torna-os únicos com esse formato de show. Há 21 anos na banda, 11 deles na regência, o maestro João Carlos Cunico afirma que essa versatilidade se torna atrativa para o público.

A banda também é a principal formadora de músicos da cidade. Muitos seguiram carreira na música em fanfarras e bandas da Aeronáutica e Marinha. Outros enveredaram por profissões como advogado, engenheiro e arquiteto, mas sempre levando as heranças da Banda Municipal.

– A música desenvolve senso de disciplina, concentração, compromisso de fazer um bom trabalho. Quando o músico não segue carreira, aplica isso na vida. A nossa cidade é bastante musical, temos bandas de escolas, teatro, igrejas, faculdades. Uma cidade sem cultura é uma cidade sem identidade, e Blumenau tem uma riqueza artística. Basta os políticos se conscientizarem de que isso precisa ser apoiado – cobra o maestro.

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Inspiração e inquietude para trazer a reflexão

Uma cidade em que o castanho dos olhos se reflete “nas águas turvas que congestionam as ruas” durante uma enchente. Com o nome inspirado no sobrenome do fundador, igreja de pedras, conservadora, “com panelas ariadas dia sim, dia não”. O lugar que com referências como essas remete a Blumenau é, na verdade, Aguardo, cidade fictícia onde se desenrolam as histórias de “Aguardo” e “A Casa Antiga”, os dois últimos livros do escritor blumenauense Gregory Haertel.

O psiquiatra de 44 anos se tornou nos últimos anos um dos principais nomes da cultura de Blumenau. Uma área em que, assim como a gastronomia e a geração de empregos, igualmente cresce no município que chega aos 168 anos, com manifestações em obras de literatura de autores locais, mais grupos de teatro, música autoral e dança nos bairros. Gregory começou a escrever contos aos 15 anos até que, em 2005, compartilhou os escritos e começou a contribuir com o teatro. Hoje se dedica à literatura e é também dramaturgo e letrista – compôs textos de teatro para a Cia. Carona de Teatro e músicas para artistas como John Muller e a esposa, a cantora de MPB Mareike Valentin. Embora ele separe bem as duas atividades entre a arte e o consultório, há em comum entre elas um confesso interesse de Gregory em pessoas e em histórias.

A relação com Blumenau está presente na obra de Gregory. Não apenas na livre inspiração para o lugar em que vivem os personagens dos últimos livros. O escritor aponta características da cidade como manter as aparências sempre muito em alta, com uma necessidade de mostrar que está tudo bem, mesmo em meio a catástrofes como as enchentes que ambientam as diferentes histórias dos personagens de Aguardo. Há também uma visão crítica sobre a pouca discussão sobre problemas existentes, especialmente em alguns nichos sociais, como a pobreza e o tráfico de drogas, além do próprio risco de enchente. Mesmo que sem a pretensão quase missionária de romper esses padrões, a arte de Gregory ajuda a trazer novos pontos de vista para esses comportamentos.

– Gosto de sair da zona de conforto quando escrevo, sair da forma única de olhar a coisa, tentar quebrar esses paradigmas. Não sei se isso muda algo, mas todo mundo fazendo, acho que a coisa começa a aparecer. Essa mudança social é bem grande. Mas é à base de muita luta.

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Produção cada vez mais forte

Por outro lado, Gregory pondera vantagens que a cidade proporciona, como uma proximidade maior dos amigos e familiares, a segurança ao poder sair a pé na rua. Outro aspecto positivo é o crescimento da cena cultural nos últimos 10 anos, com ações como o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau (Fitub) e o Festival Nacional de Teatro Infantil (Fenatib). Iniciativas como o evento multicultural Colmeia, que ocorreu no último fim de semana, ajudam a elevar a voz do público da periferia da cidade ou fora do mainstream. É nesta Blumenau de 168 anos e sentimentos divididos que Gregory projeta uma produção cultural cada vez mais forte.

Teatro em ascensão com diálogos necessários

Lembranças de personagem que deságuam também em meio a uma cheia compõem o enredo da peça “Das Águas”, montagem mais recente e com tema regional da Cia. Carona de Teatro, que ainda percorre o Estado. Diferentes angústias pessoais que surgem em meio às notícias de enchente no rádio a pilha. Uma narrativa que, segundo o grupo, consegue ser universal falando da própria aldeia.

A Cia. Carona surgiu em 1995 e, nesses 23 anos, montou seis peças, como “Volúpia” e “A Parte Doente”, que colocaram o teatro de Blumenau em cartaz por Santa Catarina e pelo Brasil. O trabalho de maior repercussão foi “Os Camaradas”, que ganhou elogios da crítica nacional e rodou o país após apresentações que conquistaram o segundo lugar no Festival de Curitiba de 2002.

O diretor e fundador da companhia, Pépe Sedrez, apaixonou-se pelos palcos após assistir a uma peça aos nove anos, em um passeio da escola. Mais tarde, seria na garagem da casa dele que surgiria a Cia. Carona, à época com intenção de montar um espetáculo um pouco mais popular, que permitisse mais apresentações que as peças experimentais que os atores faziam até então. A opção na primeira fase do grupo foi por um espetáculo infantil de incentivo à leitura.

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Pépe brinca que quando a turma começou no teatro, trilhou o caminho com facão, mas que é grato porque “pelo menos já havia facão”, elogiando grupos como o Núcleo de Teatro Experimental (Nute) e o Grupo Phoênix, que segundo ele abriram caminho com as mãos mesmo. Hoje, ele diz que a cena teatral na cidade tem um bom caminho aberto por iniciativas como o curso superior de Teatro, festivais como Fitub e Fenatib, a temporada blumenauense, as escolas e grupos teatrais em crescimento.

A luta atual é para que a procura ao teatro não seja tão sazonal e para que instrumentos como patrocínios de empresas e sobretudo a Lei de Incentivo à Cultura tenham valores maiores. Segundo ele, os atuais são muito baixos e incapazes de democratizar o acesso e inverter a lógica que favorece o Centro ante a periferia. Conquistas que poderiam potencializar a Blumenau às contribuições que as artes cênicas podem oferecer.

– Teatro é nossa forma de dialogar, sentar e dizer: vem cá, vamos conversar, mesmo que não tenhamos as respostas. O teatro possibilita um encontro social em um momento que estamos cada vez mais distantes – defende Pépe.