O procurador-chefe do Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina, Darlan Airton Dias, liderou nesta segunda-feira (9) um protesto da categoria contra a indicação de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República, feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). Atos semelhantes, também organizados pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), ocorreram em outros Estados.

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A indicação de Augusto Aras para o cargo gerou revolta entre procuradores de todo o Brasil. Isso porque ele não participou do processo interno de escolha feito a cada dois anos pelo MPF, no qual é produzida uma lista com três nomes — a lista tríplice —, repassada ao presidente da República.

— A independência do Ministério Público Federal está ameaçada neste momento, por não ter sido seguida a lista tríplice na escolha do procurador-geral da República. A Constituição previu que existem 30 ministérios públicos no Brasil, dos 27 estados, mais o Militar, do Trabalho e o Federal. O único que não tem previsão de lista tríplice é o Federal — afirma Dias, lembrando que os antecessores de Bolsonaro haviam referendado a escolha dos procuradores.

O procurador-chefe do MPF em Santa Catarina diz que a instituição teme pela possível falta de independência de atuação de Aras no comando. Isso porque o procurador-chefe e a ANPR consideram que as falas de Bolsonaro a respeito da indicação dão a entender que o eventual procurador-geral da República possa agir em defesa de pautas favoráveis ao governo, sem a autonomia que a função prevê.

— O PGR não é para ser alinhado ao governo. Esse não é o papel que a Constituição prevê ao procurador-geral da República, mas é de alguém independente que observe as leis e que faça o que tem que fazer, processando quem cometeu crime, entrando com ações que têm que entrar, sem vinculações. Não é para ser ninguém contra o governo, mas também ninguém a favor do governo — acrescenta Dias.

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Segundo o procurador-chefe do MPF em Santa Catarina, um dos problemas da indicação de Aras ao cargo é o fato de que os demais procuradores não sabem efetivamente as propostas dele para assumir o posto, o que não acontece com os três outros procuradores que tinham sindo indicados na lista tríplice.

Ele também criticou a postura da atual procuradora-geral, Raquel Dodge, por não se opor publicamente à decisão de Bolsonaro de não respeitar a lista tríplice.

— Em 2017, ela também concorreu à lista tríplice. Assinou um documento defendendo a lista tríplice, foi eleita em segundo lugar e foi escolhida pelo então presidente Michel Temer. Ao longo do mandato, ela virou as costas para essa tradição, porque não convinha mais ao seu projeto pessoal e não concorreu na lista tríplice, mas nos bastidores ela dizia que estava à disposição do presidente da República para um segundo mandato — pontua Dias.

Outro temor dos procuradores que participam do ato é a manutenção das atuais investigações em curso no país, como a Operação Lava Jato, que apura indícios de corrupção em várias esferas, mas também de casos mais locais, como a Operação Alcatraz, que ocorre em Santa Catarina.

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Histórico da lista tríplice na PGR

Durante os anos em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve no poder, o indicado para o cargo sempre foi o primeiro colocado nessa votação. Desde então, passaram pela PGR os procuradores Claúdio Fonteles (2003-2005), Antonio Fernando Barros e Silva de Souza(2005-2009), Roberto Gurgel (2009-2013) e Rodrigo Janot (2013-2017). Até então, embora houvesse resistência dos procuradores, nenhuma lista era respeitada.

A tradição que tinha se iniciado nas administrações petistas foi quebrada já por Michel Temer, ao indicar atual procuradora-geral, Raquel Dodge para o cargo. Na votação da lista tríplice, ela ficou em segundo lugar. A indicação de Aras é a primeira fora de uma votação dos procuradores, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso.

A Constituição não prevê que o presidente da República deva seguir qualquer lista para a indicação do procurador-geral da República. A única ressalva que a Constituição de 1988 faz, no artigo 128, é de que o indicado seja integrante de carreira do MPF.

Depois que o presidente indica alguém, o nome é encaminhado ao Senado, que irá sabatinar o escolhido e definir se ele poderá ou não assumir o cargo. Em votação secreta, os senadores definem se o indicado poderá ou não assumir o cargo. Se o nome for aprovado, a pessoa passa a exercer um mandato de dois anos, podendo ser reconduzido ao cargo, como aconteceu recentemente com Rodrigo Janot, o antecessor de Dodge no cargo.

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Para a ANPR, no entanto, a votação que forma a lista tríplice significa um processo mais democrático, visto que os candidatos precisam passar por sabatinas com os colegas, explicando quais as razões pelas quais se consideram aptos a assumir o posto. Além disso, eles apresentam propostas sobre o prosseguimento dos trabalhos da instituição.

Atribuições do procurador-geral da República

O procurador-geral da República possui uma função administrativa, como chefe do MPF, mas também uma função institucional no que tange a organização da República. É ele quem representa o Ministério Público em ações no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, é a única autoridade com poder para pedir a abertura de investigações contra o presidente da República ou os chefes dos demais poderes.

Nesses dois anos, o procurador-geral da República assume a chefia do Ministério Público Eleitoral (MPE), sendo o responsável por propor ações contra candidatos que precisem ser jugadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Na distribuição interna de cargos, o procurador-geral da República pode determinar os diretores das câmaras temáticas (áreas que tratam de assuntos específicos dentro do MPF), e os subprocuradores-gerais e regionais da República. Ainda cabe ao detentor do cargo a formação ou dissolução de forças-tarefas, como as da Operação Lava-Jato ou da Operação Alcatraz, por exemplo.

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Durante o mandato, apenas o Senado pode determinar a exoneração do procurador-geral do cargo, caso seja detectada alguma irregularidade no exercício das funções. No entanto, como a única instância que pode destituir o chefe do MPF é política, a decisão de retirá-lo também depende de debates e aprovações que não seguem, necessariamente, os ritos jurídicos tradicionais. Depois que os senadores autorizarem, cabe ao presidente da República assinar a demissão do PGR.

Leia a nota da ANPR divulgada nesta segunda-feira

"Carta em defesa da independência do Ministério Público Federal

Brasília, 9 de setembro de 2019 — Os membros do Ministério Público Federal (MPF), servidores públicos e representantes da sociedade civil reunidos nesta data vem a público informar o que segue:

Como já adotado pelos demais 29 Ministérios Públicos do país, há muito tempo, a lista tríplice vinha garantindo, também para o MPF, nos últimos 16 anos, além do fortalecimento da democracia interna, plena transparência ao processo de escolha do cargo de procurador geral da República, um dos mais relevantes do país.

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O que pensa, quais são seus projetos, como pretende atuar, de que maneira agirá para cumprir as missões fundamentais estabelecidas na Constituição Federal, defender nossas bandeiras institucionais, da autonomia, da independência funcional e da garantia de escolha das funções mais relevantes por meio do modelo participativo e democrático da eleição. Independentemente de quem venha a ocupar o referido cargo de chefia na nossa instituição, essas são bandeiras perenes, que precisam ser defendidas, sempre.

Isso se reforça, no momento em que o presidente da República, parecendo não compreender bem como devem funcionar as instituições no Estado Democrático de Direito, apresenta termos como “afinidade de pensamento”, “alinhamento”, “dama em tabuleiro de xadrez em que o presidente seria o rei” para se referir à característica almejada para a chefia do MPF.

Termos absolutamente incompatíveis com uma instituição que foi lapidada pelo constituinte para ser independente, para servir tão somente à sociedade, para desempenhar funções de fiscalização, contestação e investigação dos atos emanados do Poder Executivo ou do próprio presidente.

A Constituição da República de 1988, rompendo tradição até então existente que unia na figura do Mistério Público as funções de defensor da sociedade e do Estado, impôs a separação entre essas funções, reservando ao Ministério Público o papel de advogado da sociedade e incumbindo à advocacia pública o papel de advogado do Estado.

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O Ministério Público é função essencial à justiça e, para que seus membros desempenhem com destemor suas relevantíssimas funções, a mesma Constituição lhes assegurou independência funcional. O respeito pela democracia interna que reina na instituição é, por sua vez, pedra de toque para garantir a atuação imparcial dos membros do MPF. Esses são compromissos institucionais que devem ser publicamente declarados por todos aqueles que almejem exercer o cargo de procurador geral da República.

Hoje, a carreira se mobiliza para defender, publicamente, as bandeiras da autonomia do Ministério Público, da independência de seus membros e da manutenção do mecanismo democrático de escolha de suas funções mais relevantes, a partir da participação e eleição dos seus pares, cientes de que essas são garantias fundamentais estabelecidas, ao fim e ao cabo, em favor da própria sociedade brasileira.

Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República."

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