*Por Ceylan Yeginsu
Londres – Dez dias após o anúncio do bloqueio imposto pelo governo britânico no fim de março, uma mulher perdeu seus nove empregos de limpeza. Outra foi demitida de uma lavanderia depois que pediu uma máscara, e uma babá foi demitida por usar o transporte público em seu dia de folga.
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Em entrevistas separadas, as três mulheres contaram que esperavam enfrentar dificuldades durante o confinamento. Mas, à medida que a economia começa a reabrir, elas e outras nos degraus mais baixos da economia dizem que ainda estão com problemas, ampliados por dívidas acumuladas durante a quarentena, e muitas vezes enfrentando cortes salariais ou até sendo forçadas a trabalhar mais pelo mesmo salário.
As três têm outra coisa em comum: são todas mulheres de cor, um grupo que há muito enfrenta desigualdade econômica e racial na Grã-Bretanha e que agora está sendo atingido desproporcionalmente pelos impactos financeiros e psicológicos da pandemia do coronavírus, de acordo com um estudo recente de um grupo de universidades britânicas e instituições de caridade para mulheres.
“A Covid-19 aguçou a dura realidade das desigualdades raciais preexistentes, e em nenhum lugar isso é mais claro do que no impacto social e econômico desproporcional sobre as mulheres negras e de minorias étnicas”, disse Zubaida Haque, diretora interina da Runnymede Trust, uma organização com sede em Londres que defende a igualdade racial.
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De acordo com especialistas, a principal razão pela qual as pessoas de cor são tão vulneráveis é que elas têm maior probabilidade de estar em um emprego precário ou de ficar desempregadas, dificultando sua qualificação para o apoio do governo e a proteção contra o vírus.

Minji Paik, esteticista coreana que trabalha em um salão de beleza no leste de Londres, contou que ganhava 15 libras por hora antes da pandemia, cerca de US$ 19, mais gorjetas. Agora, está ganhando dez libras por hora e trabalha em turnos mais longos por causa da escassez de pessoal.
“Minha gerente garantiu que isso é temporário e que vai me pagar melhor quando ganharmos mais dinheiro. Mas, na verdade, eu deveria receber mais porque estou trabalhando e arriscando minha saúde”, observou Paik.
Uma revisão governamental das disparidades no risco e nos resultados do coronavírus constatou que as taxas de mortalidade são mais altas em grupos étnicos negros, asiáticos e outras minorias do que em brancos. A revisão constatou que chineses, indianos, paquistaneses e outros asiáticos, bem como caribenhos e outros negros, tinham de 10 por cento a 50 por cento mais risco de morrer do que os britânicos brancos.
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“Muitas vezes, há um risco quando as pessoas começam a falar sobre as causas básicas da morte, por causa da suposição de que o motivo está relacionado à genética ou a uma má dieta. Mas, na verdade, você precisa olhar para o processo mais amplo de racismo e a estruturação da raça e da privação”, disse Bridget Byrne, diretora do Centro de Dinâmica da Etnia da Universidade de Manchester.
A natureza precária do mercado de trabalho atual também contribui, segundo Byrne: “Isso torna as pessoas menos dispostas a expressar suas preocupações. Elas temem que, se disserem ‘não me sinto segura; não acho que eu deveria vir trabalhar’, serão as primeiras a ser demitidas.”

Candice Brown, de 48 anos, faxineira de ascendência jamaicana, relatou que perdeu todos os seus clientes quando a quarentena foi imposta em março. “Eles me ligaram um por um para me dispensar”, contou ela, referindo-se aos proprietários das nove casas que limpava todas as semanas na cidade de Manchester, no noroeste da Inglaterra. “Cada chamada era como uma bomba, destruindo meu sustento aos poucos até que não sobrou nenhum trabalho.”
Durante dois meses, ela tentou navegar pelo sistema de apoio financeiro do governo para pessoas prejudicadas pela pandemia e até pediu dinheiro emprestado a uma amiga para contratar um contador para ajudá-la. Mas, por fim, descobriu que não era elegível para qualquer ajuda, porque não tinha documentos que comprovassem seu histórico de emprego. “Eu me inscrevi para o crédito universal, mas ainda estou esperando. Não recebi um centavo”, disse ela, referindo-se ao programa de apoio à renda do governo.
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Mesmo com a flexibilização das medidas de bloqueio, Brown não foi chamada de volta ao trabalho porque seus empregadores temem que ela possa contrair e espalhar o vírus por trabalhar para várias famílias.
“Não sei quanto tempo mais posso continuar assim. No primeiro mês, estava preocupada em como pagar meu aluguel e minhas contas. Agora, não consigo dormir, pensando em como alimentar meus filhos.”
Zuhr Rind, de 48 anos, funcionária paquistanesa de uma lavanderia no leste de Londres, fez seu último turno quando a pandemia estourou, para que pudesse lavar os uniformes dos funcionários que coletavam roupas dos clientes.

“Eu não estava feliz com isso, mas o que poderia fazer? Trabalho é trabalho, e eu tinha medo de perder meu emprego se argumentasse”, afirmou.
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Ela disse que, quando pediu uma máscara facial, seu gerente a repreendeu. “Isso é patético, Z. Médicos e enfermeiros nem têm máscaras suficientes, e mesmo assim vão trabalhar”, escreveu seu gerente em uma mensagem de texto que ela mostrou ao “The New York Times”.
Rind contou que foi demitida no dia seguinte. “Quando você tem pele escura, sotaque e não fez curso superior, não há escolha. É uma situação muito perigosa para enfrentar durante a Covid.”
A lavanderia onde ela trabalhava não respondeu a um pedido de comentário.
Verona Pollard, babá experiente e enfermeira de maternidade, aceitou um trabalho de meio período desde que foi demitida de um emprego de babá em tempo integral, depois que sua empregadora descobriu que ela havia usado transporte público nos dias de folga. “Ela foi implacável e não me aceitou de volta, mesmo quando o bloqueio terminou. A situação está difícil desde então. Só faço uns bicos aqui e ali”, desabafou ela em uma entrevista por telefone.
E, em uma pesquisa da Fawcett Society, a ansiedade relacionada ao emprego foi maior entre as mulheres negras e de etnias minoritárias, com 65,1 por cento daquelas empregadas fora de casa relatando que se sentiam apreensivas como resultado de terem de ir trabalhar durante a pandemia.
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Brown, a faxineira em Manchester, disse que ainda estava esperando seus benefícios de desemprego e que estava pedindo dinheiro emprestado a uma amiga e a um ex-empregador para sobreviver. Ela afirmou que ficou tão estressada e ansiosa nas últimas semanas que erupções cutâneas surgiram por todo o corpo e ela notou que seu cabelo começou a cair.
“Juro a você, o que estou passando agora é pior do que qualquer vírus”, resumiu ela.
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