Acusado por setores da esquerda argentina de ter se omitido durante a mais recente ditadura argentina (1976 a 1983), o papa Jorge Bergoglio tende a fazer de um argentino vítima do mesmo regime militar o seu primeiro beatificado – seria o padre franciscano Carlos de Dios Murias, torturado e assassinado em 1976 com outro padre, o francês Gabriel Longueville.

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A informação é do jornal argentino Clarín.

Murias e Longueville foram sequestrados por militares na casa paroquial de Chamical, cidade localizada a 140 quilômetros de Buenos Aires, e levados a um local chamado Bajo de Luca, onde foram torturados e mortos.

Devido a esse episódio, a Justiça Federal condenou pelo crime o ex-general Luciano Benjamin Menéndez, o vice-comodoro Luis Fernando Estrella o ex-chefe de polícia de Rojas Domingo Vera.

De acordo com o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, os primeiros passos do processo de canonização de Murias e de outros cinco clérigos assassinados na ditadura foram dados pelo próprio papa Francisco, na época cardeal e arcebispo de Buenos Aires. Ele também pediu que se investigue, para eventual canonização, as vidas de um padre e de quatro seminaristas assassinados a tiros na Igreja de São Patrício, em Buenos Aires, por um esquadrão da morte.

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O jornal Clarín também relatou ontem que o Papa descreveu violências sofridas pelos padres ligados aos pobres durante a ditadura, ao prestar depoimento em 2010 como testemunha em um julgamento pelo sequestro de dois jesuítas.

O então cardeal Jorge Bergoglio depôs em sua condição de arcebispo de Buenos como testemunha no julgamento pelos sequestros e torturas sofridos em 1976 pelos padres jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics, libertados cinco meses depois. Bergoglio, que era provincial (chefe) dos jesuítas em 1976, foi acusado por entidades humanitárias de não ter feito o suficiente para evitar as prisões. No sábado, o Vaticano descartou de forma taxativa uma suposta cumplicidade do Pontífice nos sequestros dos dois religiosos, enquanto que o autor da denúncia, o jornalista Horacio Verbitsky, reiterou no dia seguinte suas acusações no jornal Página/12.

– No final de 1975 e em 1976 percebi a preocupação normal de todos os padres que trabalhavam com esta opção (os pobres). Haviam matado Mujica, era uma referência indelével (…) e havia alguma violência a respeito de padres assim – afirmou Bergoglio, ao depor em 8 de novembro de 2010.

O então cardeal se referiu dessa forma aos assassinatos do padre Carlos Mujica em Buenos Aires nas mãos de um grupo de ultradireita em 1974 (antes da ditadura) e de Murias e Longueville. Também se referiu ao bispo de La Rioja, Enrique Angelelli, assassinado em 4 de agosto de 1976, em uma ocorrência que a ditadura classificou de acidente de carro. Trinta anos depois, foi provado o homicídio em um processo no qual é julgado o ex-ditador Jorge Videla.

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O site do jornal postou nesta terça trechos da audiência de Bergoglio como testemunha em dois vídeos que duram 10 minutos no total. Perguntado no julgamento se havia se reunido com Yorio e Jalics por ser então chefe provincial da ordem dos jesuítas, o cardeal Bergoglio respondeu:

– Sim, e não só estive com os dois, como também com todos os jesuítas que trabalham nessa frente de ação com os pobres.

Era habitual que nos comunicássemos entre nós essas coisas para vermos a maneira de seguir atuando.