A terra é da cerveja, com direito a título nacional e 20 empresas dedicadas à produção da bebida, mas nem só de malte e lúpulo se vive em Blumenau. A persistência de um empresário deu vida à primeira vinícola da cidade. Aliás, é a única até o momento e nasceu contrariando as condições climáticas pouco favoravéis. O forte calor e o excesso de umidade do Vale do Itajaí contribuem para a proliferação de fungos nas videiras e exigem técnicas para garantir uma boa produção. 

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— Blumenau não é uma região preferencial para a produção de uvas, porque é quente. As uvas são originárias, em sua maioria, de climas frios. O grande problema aqui é estamos muito perto do nível do mar, numa região de mata ombrófila densa, então tem muita umidade, e isso dá problema com doenças — explica o engenheiro agrônomo da Epagri César Augusto Lodi. Ele é um dos técnicos que ajudaram Mário Pavesi a tornar o parreiral de fato frutífero. 

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Hoje a propriedade localizada na região da Nova Rússia tem assitência de órgãos públicos voltados à agricultura familiar, mas nem sempre foi assim. Quando a plantação de uvas começou ali, era só uma forma de eternizar a passagem dos hóspedes pela pousada que existe no local. Todos eram convidados a plantar uma muda, acompanhar o crescer e ainda degustar as uvas quando estivessem maduras.

A proposta deu tão certo que logo as parreiras foram tomadas de plaquinhas de identificação para saber quem plantou cada uma delas. A produção chegou ao ponto de não se dar mais conta de comer e foi aí que Mário Pavesi, de 62 anos, um italiano de carteirinha, viu a oportunidade de transformar a produção em vinho. A primeira safra produzida por ele e pela família saiu em 2016, na época com 42 garrafas. 

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De lá para cá, conforme as videiras cresceram, a produção também aumentou, mas sem perder a essência. Todo o processo é artesanal e faz parte da chamada agricultura familiar. Pai, mãe e filhos se dedicam a cuidar da plantação, fazer as podas nos momentos certos, proteger os cachos com saquinhos, colher no tempo ideal, selecionar, prepar e envasar o vinho.

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A La Prima Vendemmia de 2022 — festa tradicional para celebrar a primeira colheita do ano — foi em 14 de janeiro. Depois, cada bago passou por uma seleção manual e então foi espremido e colocado no mastel para fermentação. São entre quatro e sete dias nesta fase até o líquido ser separado do mosto e transferido para a pipa. Ali são mais cinco meses no minímo antes de ser engarrafado e estar pronto para consumo. 

— A gente seleciona a uva manualmente. O que está pouco maduro ou com algum machucado por causa da picada de passarinho, por exemplo, é eliminado. Tudo para ter uma qualidade superior no resultado final do vinho — explica Lucas Pavesi. 

La Prima Vendemmia na propriedade da família Pavesi
La Prima Vendemmia na propriedade da família Pavesi – (Foto: Eraldo Schnaider, PMB)
La Prima Vendemmia na propriedade da família Pavesi
La Prima Vendemmia na propriedade da família Pavesi – (Foto: Eraldo Schnaider, PMB)
La Prima Vendemmia na propriedade da família Pavesi
La Prima Vendemmia na propriedade da família Pavesi – (Foto: Eraldo Schnaider, PMB)
La Prima Vendemmia na propriedade da família Pavesi
La Prima Vendemmia na propriedade da família Pavesi – (Foto: Eraldo Schnaider, PMB)

No campo quem cuida da produção é o pai. Mário, mas quando chega na adega o filho Lucas, 28 anos, assume o trabalho. Para cada um quilo e duzentos gramas de uva, em média, sai uma garrafa de 750 ml de vinho. No ano passado a família produziu, ao todo, cerca de 250 unidades. Para esse ano a expectativa é dobrar a quantidade. Mas a ideia não é transformar a produção em larga escala, conta Lucas. 

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O objetivo é manter a produção dentro de um limite que todo o processo possa ser mantido de forma artesanal, para garantir a qualidade.

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Por se tratar de agricultura familiar, os vinhos produzidos pela família Pavesi só podem ser comercializados na pousada ou no restaurante da propriedade. E se engana quem pensa que por ser algo em pequena escala não tem variedade de rótulos. Tem Bordô, Guava e Moscato Bordô. As próximas safras prometem ser ainda mais variadas, com novas espécies de uva plantadas na vinícola.

Atualmente três tipos de vinho são produzidos pela família Pavesi
Atualmente três tipos de vinho são produzidos pela família Pavesi – (Foto: Patrick Rodrigues)
Primeira produção de vinhos ocorreu em 2016 e chegou a 40 garrafas
Primeira produção de vinhos ocorreu em 2016 e chegou a 40 garrafas – (Foto: Patrick Rodrigues)
Mário mostra orgulhoso a plantação de uvas no quintal de casa
Mário mostra orgulhoso a plantação de uvas no quintal de casa – (Foto: Patrick Rodrigues)
Hoje a família amplia produção e testa diferentes tipos de videiras
Hoje a família amplia produção e testa diferentes tipos de videiras – (Foto: Patrick Rodrigues)

Uma paixão de pai para filho

Mário recorda dos tempos de infância, quando o pai tomava vinho nos almoços de domingo e a mãe diluía a bebida em água e açúcar para servir como suco aos filhos. Era nutrido ali, naquele pequeno gesto, o amor por vinho que ele passou para Lucas. O filho chegou a fazer curso na Itália para entrar nesse universo.

A história da família no campo começou quando a vida na cidade se tornou estressante demais para Mário. Isso há 30 anos. Ele já tinha a propriedade na Nova Rússiva e então se dedicou ao turismo de aventura. Mais tarde resolveu criar a pousada, que deu origem às parreiras de uva. Depois o local ganhou até um restaurante para quem desejar curtir os fins de semana na região famosa pelos banhos gelados de rio.

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É um reduto de paz que inspira a família ao empreendedorismo rural e Mário não esconde a paixão. 

— Eu sonho com elas, acordo pensando o que tenho que fazer com elas. Todo dia tem uma intervenção. Cada vez que vejo um cachinho me emociono — admite Mário.

Mas se engana quem pensa que tudo foram flores – ou uvas – nesse caminho. Apesar da boa vontade e dedicação diária às parreiras, por quatro anos o empresário não conseguiu fazer as mudas se desenvolverem como ele tinha em mente. A ajuda de técnicos da Epagri e da Diretoria de Desenvolvimento Rural foi fundamental para que a produção chegasse ao nível que tem hoje, reconhece.

— Já estava desanimado. Tinha dedicado três quatro anos da minha vida aqui, mas eu vi que só amor já não adiantava, precisava de técnica. Principalmente porque nossa região não é apropriada para a produção de uvas — conta o empresário.

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O engenheiro agrônomo da Epagri, César Augusto Lodi, presta assistência gratuita aos produtores rurais de Blumenau e ajuda também na propriedades dos Pavesi. Ele explica que a cidade não tem as características ideais para produção da uva, mas com algumas técnicas de manejo foi possível viabilizar uma produção satisfatória. Para isso foi preciso rever a adubação e poda das videiras. 

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— Quando seu Mário começou a produção ele errou nas podas iniciais e isso fez com que demorasse mais a produzir. Então atuamos na orientaçao de poda, algumas foram refeitas para que voltassem a crescer, e outra quesrão essencial aqui é a questão da adubação. Pode ver que o solo está coberto. Consideramos como plantas espontâneas, que contribuem no processo de produção da uva, pois acabam criando um microclima ideal para o desenvolvimento da planta — aponta Lodi. 

Como conhecer a propriedade 

A Vinícola Casa Pavesi fica na Rua Minas da Prata, 170, no bairro Progresso. O acesso é pela Pousada Rio da Prata Eco. A visitação à propriedade pode ser feita aos sábados e domingos. É possível provar os rótulos no restaurante que fica na parte superior da adega. O contato pode ser feito por WhatsApp, no número 47 99185-0568, ou direto pelo site, clicando aqui

Menos de 10% das vinícolas de SC ficam no Vale do Itajaí

Dados do MInistério da Agricultura apontam 83 vinícolas registradas em Santa Catarina. Dessas, apenas oito estão no Vale do Itajaí, o que representa menos de 10% do total. A explicação para o número não ser tão expressivo está no clima pouco favorável da região, porém não serve de barreira para alguns empreendedores. 

Rio do Sul, Rodeio e Ascurra, por exemplo, têm vinícolas. 

Mas o que muda dessas cidades em relação à Capital Nacional da Cerveja? De acordo com o engenheiro da Epagri a palavra-chave novamente é umidade, maior em Blumenau do que nos outros municípios em direção ao Alto Vale. Aliás, a palavra “alto” aqui também interfere. Isso porque estar um pouco mais acima do nível do mar contribui para a produção de uvas.

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Como se faz vinho?

PRINCIPAIS ETAPAS DA PRODUÇÃO
PLANTIO E COLHEITA
O plantio ocorre na primavera. Ao longo dos meses se manejam a condução das parreiras e o tratamento fitossanitário. O momento da colheita define o grau de açúcar e o nível de acidez. Geralmente é realizada em horários com temperaturas mais amenas, a fim de evitar a oxidação dos frutos.
DESENGACE E ESMAGAMENTO
A desengaçadeira separa as bagas dos cachos, evitando que o vinho se torne amargo. As frutas de baixa qualidade são descartadas.
Engaços
O esmagamento rompe a casca, extraindo mais líquido para a fermentação.
PRENSAGEM
As cascas e sementes são separadas para obter maior rendimento dos mostos (sumo das uvas). A cada 100 quilos de uvas espremidas, obtém-se entre 65 e 75 litros de líquido. O suco das primeiras prensagens é de maior qualidade, sendo então vinificado.
FERMENTAÇÃO
A levedura é o elemento responsável pela etapa mais importante da produção de vinhos. É na fermentação que se converte o açúcar da uva em álcool e CO2.
TRASFEGA
A bebida é transferida de um tanque para outro, isolando os resíduos indesejáveis. Assim, a parte pura fica em um reservatório limpo, para evitar a contaminação com aromas e sabores indesejados.
Resíduos indesejáveis no fundo
do tanque
Vinho
CLARIFICAÇÃO E ESTABILIZAÇÃO
São processos que visam manter as características originais do vinho, evitando que ele se torne turvo, não forme cristais ou sofra novas fermentações após engarrafado.
Baixas temperaturas removem os componentes que podem deixar o
vinho turvo
AMADURECIMENTO
Pode ser feito em barricas de carvalho que vão aportar aromas e sabores ao vinho, além de ajudar na polimerização dos taninos. Ou então em tanques de inox e garrafa, com menos interferência de oxigênio.
O barril de carvalho possibilita maior oxigenação, reduzindo os taninos
e acidez
ENGARRAFAMENTO
É o momento final do processo de produção. Após essa etapa, as garrafas permanecem em repouso. Posteriormente, rotulado e embalado, passa a ser comercializado.
Vinhos tintos podem demorar de seis meses até cinco anos em repouso até a comercialização
Já os vinhos brancos e rosés repousam
de três a seis meses
A temperatura ideal de armazenagem de um vinho é abaixo de 20 C°
CURIOSIDADE
A data impressa nos rótulos das garrafas é o ano da colheita, e não o da produção do vinho.
INFOGRAFIA: Ben Ami Scopinho, NSC Total
FONTE: EDUARDO STRECHAR, ENÓLOGO
DA VINHEDOS DO MONTE AGUDO, SC