Antes no comando do policiamento ostensivo e à frente de grandes operações, a sargento Priscila Diana, que já enfrentou inúmeras situações difíceis como militar, agora encara uma batalha que parece interminável. Como primeira mulher trans a vestir uma farda da Polícia Militar em Santa Catarina, ela cumpre há quase um ano, por ainda não ter a identidade legal reconhecida pelo Estado, apenas funções administrativas no quartel em que é lotada, no Planalto Norte de Santa Catarina.
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É “escondida” em uma sala desde que deu início ao processo de transição, em março do ano passado, que a sargento passa seus dias de trabalho na corporação. Também é assim, afastada de suas verdadeiras atribuições, que deve continuar até o Estado admitir sua nova identidade, o que deveria ter ocorrido há pelo menos 10 meses:
– Não posso trabalhar na rua, porque meus documentos funcionais não foram alterados. Meus dados atuais, que me identificam, não batem com o sistema da polícia, de tablets. Nem mesmo meu CPF bate mais com meu nome policial. Corro até o risco de ter a minha conta bancária bloqueada por esse motivo.
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A atual identidade e o gênero da militar foram reconhecidos judicialmente ainda em 11 de maio do ano passado. Desde então, da certidão de nascimento ao título de eleitor, ela é oficialmente Priscila Diana. Mas não para a corporação, onde a sargento ainda é identificada com dados masculinos.
– Isso incomoda muito. Pensa você tentar esquecer um passado que não te agrada e todos os dias ver o seu nome masculino lá. Eu estou sofrendo por causa disso. É uma perseguição velada – lamenta.

Representante legal de Priscila Diana, o advogado Marcelo Wacheleski diz que desde o momento em que houve o deferimento da liminar favorável à sargento, a Polícia Militar alega ter cumprido a decisão da Justiça, o que nunca aconteceu:
– Eles (Comando-Geral da PM) confundem nome social, que era algo que Priscila já tinha, com o direito de identificação ao registro atual dela, ou seja, ao gênero e a identidade que ela têm reconhecidos judicialmente.
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Além disso, Wacheleski explica que encontrou dificuldades na própria Justiça, a quem informou o descumprimento da decisão reiteradas vezes, sem sucesso.
– O processo não movimentou mais desde agosto do ano passado. Não houve mais decisão judicial, apesar de a gente ter feito diversos contatos com a Vara da Fazenda Pública de Florianópolis. E enquanto isso, a Polícia Militar vem resistindo a cumprir a decisão judicial – acrescenta.
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Nesta quarta-feira (17), no mesmo dia em que a reportagem entrou em contato com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina e que o órgão manifestou, através da assessoria de imprensa, que a situação “seria analisada pelo magistrado em breve”, o processo teve uma nova movimentação.
O registro ocorreu às 16h35min, quando um despacho determinou ao Estado de SC que se manifeste sobre o não cumprimento da ordem judicial anterior, em prazo de 15 dias, e sob pena de multa. O último evento registrado no sistema judicial antes disso, foi em 7 de agosto do ano passado.
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– Como policial eles acabaram comigo. Eu era comandante de policiamento ostensivo antes. Tinha uma equipe minha, trabalhava muito bem como eles. Sempre me elogiaram e agora tenho que ficar escondida dentro do quartel – desabafa a sargento, que também está impedida de participar de novas formações profissionais, justamente pelo impasse na sua identificação.
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Quatro solicitações, nenhuma resposta
Após a decisão judicial, Priscila Diana não ficou esperando o cumprimento da ordem. Ela tentou, ao menos quatro vezes, ser reconhecida pela corporação por meio de pedidos administrativos. As solicitações não foram retornadas, muito menos concluídas. Uma delas, inclusive, está sob sigilo e nem a sargento, a própria requerente, consegue consultar.

Procurado pelo Diário Catarinense, o Comando-Geral da PMSC informou, por meio de nota, que “como demanda mudança do regime previdenciário, o processo tramita na Secretaria Estadual da Administração (SEA), no órgão de gestão central de pessoal”.
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Também disse que “a única mudança que não aconteceu até agora, é a mudança de gênero no cadastro de recursos humanos do Estado”, demanda que também precisa ser analisada pela SEA, “pois incorre uma diferença nas regras de previdência, ou seja, gênero feminino tem uma regra, masculino tem outra”.
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A Secretaria Estadual da Administração (SEA) também foi procurada pelo Diário Catarinense na quarta-feira (17) e, após questionar se a militar havia aberto protocolos na Diretoria de Gestão de Pessoas da SEA, averiguou a situação.
Às 12h45min desta quinta-feira (18), a SEA informou que a “assim que o processo retornou da consultoria jurídica, a área técnica da diretoria de gestão de pessoas da SEA o incluiu na fila de providências”. Disse, também, que “havia algumas dúvidas legais, as quais já foram sanadas e a alteração cadastral foi concluída nesta manhã, conforme solicitado”.
Em novo contato com a militar, Priscila Diana informou à reportagem que consultou o sistema e o gênero está corrigido para feminino, no entanto, a identificação foi mantida igual: com nome antigo e nome social.
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