A alegria que veio do tatame
O sorriso mais satisfeito, quase impossível de ser contido, foi o da piauiense Sarah Menezes, dona da primeira medalha de ouro conquistada pelo Brasil na Inglaterra. No começo da tarde de ontem, Sarah foi ao histórico Kings College para dar a primeira entrevista coletiva depois de ter se tornado campeã olímpica, no sábado, derrotando a romena Alina Dumitru, medalha de ouro em Pequim. Sarah chegou com a medalha pendurada no pescoço, foi recebida pelo aplauso dos brasileiros. Ao ouvi-los, sorriu, e sorrindo continuou.
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Sarah é pequena, mede 1m52cm de altura e pesa 48 quilos. Parece uma indiazinha. Parece frágil. Não é. Além de saber lutar como nenhuma outra mulher na sua categoria no mundo inteiro, ela fala com desenvoltura e surpreendente segurança.Talvez porque seus pais tenham exigido que não interrompesse os estudos enquanto lutava judô.
– Foi o compromisso que assumi com eles – contou. – Eu treinava, mas tinha de estudar. Agora, depois dessa medalha, meus planos são de terminar a faculdade e aprender bem inglês, para não ficar viajando por aí sem entender o que as pessoas falam.
Sarah se expressa com a naturalidade com que sobe no tatame, com a franqueza típica de quem usa a força dos braços para viver. Suas frases são diretas, sem considerações politicamente corretas:
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– Entrei no judô por brincadeira, para me divertir.
– A única coisa que pensei, quando venci a final, foi em mim. Não pensei nem na minha mãe, nem no meu pai, nem no meu treinador. Só em mim.
– Se a minha meta agora é 2016? A minha meta agora é estudar. Depois de me formar é que será 2016.
Determinada assim, pode-se contar com uma medalha dela na olimpíada carioca. E,óbvio,com seu sorriso. Ao lado daquele sorriso seguro de Sarah havia o sorriso deslumbrado do seu colega judoca Felipe Kitadai, que ganhou a medalha de bronze na categoria até 60 quilos. Felipe estava encantado com sua própria sorte. Pudera: no Pan de Guadalajara, ele levou a medalha de ouro, mas seu desempenho não foi tão comentado quanto um acidente que lhe ocorreu na semifinal: devido ao esforço da luta e a uma traiçoeira indisposição estomacal, Felipe fez cocô nas calças, maculando tristemente o uniforme branco diante das câmeras de TV de toda a América Latina.
Ontem, em Londres, isso pouco importava. As eventuais manchas do passado foram esquecidas: Felipe, agora,é medalhista olímpico.
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– Só dormi uma hora essa noite – contou. – Fiquei com medo de dormir, acordar e ver que era sonho.
Felipe treina na Sogipa, em Porto Alegre,e um de seus modelos é o gaúcho João Derly, a quem fez questão de homenagear durante a coletiva.
– Sempre tive técnica, mas ele me ensinou a usar mais a força – disse.
Felipe não tem a mesma fluência verbal de Sarah, mas não se intimidou quando um repórter de TV propôs uma brincadeira.
– Quero ver você me derrubar agora – desafiou o repórter. Felipe agarrou-o pelos braços, rolou-o por cima das costas como se ele fosse um saco de feijão e atirou-o ao solo com algum estrondo. Um ippon perfeito. Merecia o ouro.
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Ganhou a medalha – e quebrou
Depois de tanto esforço, depois de tanto treino e de tanta lágrima, Felipe Kitadai conseguiu uma façanha inédita para o judô do Brasil: quebrou sua medalha de bronze. Na verdade,o encaixe onde vai a fita usada para pendurá-la no pescoço foi danificado quando o judoca,no banho,deixou a medalha cair no chão. O Comitê Olímpico Brasileiro
(COB) já pediu uma medalha nova aos organizadores da Olimpíada.
Unidos para torcer
A Seleção Brasileira é o Brasil que funciona, é o Brasil de Primeiro Mundo, é o Brasil que sorri. Nada une mais os brasileiros, estejam onde eles estiverem. Ontem, a Seleção venceu em Manchester, mas os brasileiros que passeiam ou vivem em Londres se mobilizaram para assistir ao jogo em algum lugar que lembrasse a pátria amada,salve,salve.
Melhor para um dos bares brasileiros da capital inglesa,que leva o nome trombeteante de Guanabara Brazilian Music, Drink, Food and Culture e ontem realizou promoção especial para os compatriotas desgarrados neste lado do Atlântico. O Guanabara serviu
feijoada e, por algum motivo, cachorro-quente, enquanto o jogo era passado em telões. Quando a Seleção não joga na Inglaterra, o bar vira boate de forró, anunciado em panfletos do lugar como the dance for all. A feijoada era só feijão com arroz e torresmo,mas nenhum dos brasileiros reclamou. Estavam empolgados com a Seleção.
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Entre eles, estava Nathalia Leusin, enrolada numa bandeira do Grêmio. Nathalia é de Porto Alegre e estuda há seis meses em Londres. Nesse período,”fugia dos brasileiros”. Não por falta de patriotismo, mas por querer aprender bem o inglês.
– Com a Olimpíada, quero é ficar junto dos brasileiros – arrematou.
Para contrabalançar a gremista, surgiu um nipo-brasileiro numa camisa do Inter. Mas Cassio Kawamura Oki é paulista e são-paulino. Então o que fazia de camisa do Inter?
– Ganhei numa dessas viagens de um conselheiro do Inter chamado Felipe Vieira – esclareceu.
Só que o que ele quer mesmo é mostrar uma fantasia de periquito de corpo inteiro que sempre veste nos jogos da Seleção.
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– Se você vir um periquito gigante com o Brasil, sou eu – avisou, decerto temendo que alguém pudesse confundi-lo. E se foi, batendo as asas com mais um gol da Seleção.
E Thiago, enfim, chegou lá
Nem era a prova preferida de Thiago Pereira – ele aguarda a quarta-feira para mostrar do que é capaz. Ainda assim, entrou para a história da natação brasileira, sábado, ao deixar para trás o maior nadador de todos os tempos, o americano Michael Phelps, e levar a prata nos 400m medley.
– Estou passando mal, preciso sentar – disse Thiago na hora de falar com a imprensa.
Seu rosto era o retrato do sofrimento. E da superação.Afinal, a especialidade dele são os 200m medley, prova mais curta cuja eliminatória ocorre daqui a dois dias. Antes de ganhar a medalha nos exigentes 400 metros que reúnem os quatro estilos da natação, Thiago havia dito para o seu técnico que a intenção era justamente sair da piscina passando mal.
– Sempre me cobrei melhor desempenho em Olimpíada. Treinei o máximo que pude -contou o nadador, que, embora já tenha conquistado 12 ouros em Pan-Americanos, carregava a frustração por nunca ter subido, até Londres,em um pódio olímpico.
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Thiago reconheceu o quanto o nervosismo o atrapalhava. Inseguro, teve desempenho abaixo das expectativas em Atenas/2004 e Pequim/2008. Em 2011, no Mundial, sentiu náuseas, vomitou e reclamou de dores de cabeça.
– Mas nesta Olimpíada cheguei com a cabeça tranquila. Estou muito focado – garantiu.
Portanto, é natural que a expectativa seja grande para os 200m medley. Novamente Thiago vai competir com Phelps, que terminou em quarto no sábado – o ouro ficou com
o americano Ryan Lochte, outro rival que o brasileiro reencontrará.