A notícia de que uma barragem de rejeitos havia rompido e atingido parte do município de Brumadinho, em Minas Gerais, chegou pela TV no início da tarde de 25 de janeiro. Os membros do grupamento Arcanjo, uma força-tarefa dos bombeiros de Santa Catarina, já sabiam: era hora de ficarem preparados para uma nova missão. Entre eles estavam o comandante Rodrigo Caetano e o subcomandante Eriventon José Azevedo, de São João do Itaperiú, cidade localizada a 54 quilômetros de Joinville.
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Ao meio-dia de sábado, 26 de janeiro, 29 bombeiros, um médico e um piloto de avião já saíam de Santa Catarina para seguir em comboio para Minas Gerais. Eles deixavam cidades pequenas como Itaiópolis, Ilhota, Indaial, Barra do Sul,Presidente Getúlio, São João do Itaperiú e Ibirama para oferecer ajuda em outra comunidade pequena.
O comandante dos bombeiros voluntários de Indaial, Evandro Vinotti, que coordena a Unidade Arcanjo, havia feito a chamada poucas horas antes da partida, mas, depois de terem participado de missões como os deslizamentos em Teresópolis (RJ) em 2011 e Porto Príncipe, no Haiti, após o terremoto, em 2010, os integrantes podiam imaginar que atuariam novamente. Para o comandante Caetano e o subcomandante Azevedo, no entanto, era a primeira missão.
Eles haviam se preparado para este momento: para integrar a Arcanjo, é necessário não só ter a formação completa como bombeiro mas também ter realizado cursos para salvamento em situações de desastres: trabalhar em meio a escombros, busca e resgate em estruturas colapsadas, resgate em altura, em águas rápidas, em veículos e, ainda, saber sobreviver em locais que estão em situação de caos. Para entrar no grupamento, ainda há um treinamento específico bastante complexo no qual, de 30 inscritos, dificilmente mais de quatro ou cinco conseguem concluir.
Mesmo assim, nada havia os preparado para o que encontrariam em Brumadinho.
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— Nunca tínhamos participado de uma ação assim. Então, tivemos que aprender como nos locomover na lama, como acessar aquele ambiente naquele momento, que era muito difícil. Para passar pela lama era necessário usar “cajados”, porque o corpo afundava. Tinha risco de morte. A gente teve que aprender na hora — conta o comandante Caetano.
Foram sete dias de ação, em um período em que eles ficaram acampados em um ginásio de esportes e trabalhavam nas buscas por corpos de vítimas das 7 horas da manhã até as cinco horas da tarde. As chances de encontrar alguém vivo, àquela altura, eram remotas. Nos primeiros dias, não era possível acessar o local atingido pelos resíduos da barragem por via terrestre porque havia o risco de uma segunda barragem se romper — só as aeronaves faziam as buscas e a remoção de corpos.
— No terceiro dia, a gente conseguiu acessar o ambiente junto aos bombeiros militares de Minas Gerais, com buscas nas áreas de mata. A gente marcava no GPS onde tinha uma possível vítima, mandava para o quartel central e, em seguida, vinha uma aeronave com segurança que pairava ali e o bombeiro tentava manipular para fazer remoção — explicou o comandante.
Durante as buscas, houve momentos melancólicos, como encontrar cadernos que foram diários de meninas em casas soterradas; e horas tristes, com os pedidos ininterruptos de moradores que queriam notícias sobre parentes desaparecidos. Havia angústia, por identificarem locais onde havia corpos soterrados mas não conseguiam escavar porque a lama voltava a fechar as fendas; e tensão, como no dia em que foi necessário ajudar os bombeiros militares de Minas Gerais a deixarem o alvo de buscas.
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— Começou a chover granizo e a ventar muito e eles estavam no meio da lama. Tinha um risco muito alto porque o nível de água ia subir, então demos o suporte para que eles pudessem sair do local — conta o subcomandante Azevedo.
Em meio a tudo isso, o preparo psicológico dos treinamentos foi fundamental, mas era reforçado por palavras de conforto do comandante Vinotti e do médico que os acompanhou. Além disso, os bombeiros de Santa Catarina também viveram experiências de solidariedade e gratidão.
— Estamos acostumados a só lavar as fardas com a mangueira e depois vestir molhada mesmo, mas havia uma senhora que fazia questão de buscá-las no fim do dia para lavar em casa. Outra mulher estava sempre nos encontrando nas ruas com sucos e comida para oferecer — recorda o comandante Caetano.
Segundo ele, assim que retornaram para Santa Catarina, já começaram os planejamentos para criar um treinamento para situações como estas vividas em Brumadinho. Na terça-feira, a terceira força-tarefa dos bombeiros de Santa Catarina foi enviada para Minas Gerais para auxiliar na busca dos desaparecidos. Até esta semana, foram registradas 165 vítimas fatais no rompimento da barragem.
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