Após quase nove décadas, Santa Catarina volta a ter uma deputada estadual negra. Vanessa Rosa é primeira suplente do PT e passou a ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa catarinense no final de outubro. Para além do ato histórico, tem como missão dar continuidade ao legado de Antonieta de Barros, até então única negra a exercer o cargo na história da Alesc.

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Em entrevista ao A Notícia, Vanessa comemora o feito e retrata como algo representativo que ficará para a história, mas aponta que o acontecido tem que deixar de ser visto como incomum.

Ela contextualiza que as mulheres representam apenas 18% de parlamentares nas assembleias legislativas e, deste número, apenas 7% é composto por negras.

— Que a gente não espere mais 89 anos para ter uma mulher negra novamente na Alesc. Que isso seja cada vez mais corriqueiro, que não sejamos mais vistos como novidade, como um ser estranho em um local que não nos é legítimo. O Legislativo mexe com a vida das pessoas. Que as meninas possam me olhar e se sentir encorajadas e representadas, que elas entendam que este espaço também é nosso — deseja.

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Para deputada, parlamento é violento e hostil para mulheres

A deputada reforça que o público feminino é sub-representado em parlamentos brasileiros. Ela destaca que a legislação prevê 30% de cota para candidatas, no entanto, não destina a mesma porcentagem de cadeiras.

Somado a isso, ainda cita a desigualdade de apoio financeiro no processo de campanha das candidatas se comparado aos homens e a falta de formação política. A petista ainda destaca o contexto estrutural das famílias, em que há uma grande parcela de mulheres que chefia os lares, às vezes de forma solo, e não tem qualquer possibilidade de concorrer em eleições.

— Não podemos sempre correr atrás da máquina. A gente precisa potencializar mais mulheres a estarem como candidatas, o que não é muito simples, porque o parlamento é um ambiente hostil e violento. A violência parlamentar está naturalizada no Brasil, porque somos sempre minoria. Precisamos nos fortalecer e combater essa violência que descaracteriza as pautas das mulheres, não credibiliza, silencia os microfones, tira o foco da discussão para olhar como é o cabelo da deputada, como é a roupa da deputada… Os homens intimidam, e nós temos um parlamento majoritariamente branco e masculino — problematiza.

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Para ela, historicamente, as mulheres são preparadas para colaborar no processo eleitoral dos homens, mas não para serem votadas.

— Mas também precisamos ver em que mulheres a gente vota. A gente tem que votar em mulheres que nos representam, que atendam as nossas pautas, que defendam os reais problemas que as trabalhadoras de uma forma geral enfrentam. Senão a gente vai estar colaborando, inclusive, com os homens dentro do parlamento.

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Educação será pauta

Esta foi a primeira vez que Vanessa concorreu a uma eleição e, neste primeiro pleito, conquistou cerca de 17 mil votos. Ela assumiu a cadeira no lugar do deputado Padre Pedro Baldissera (PT), que se licenciou por um mês, e ficará até o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.

Assim como Antonieta, Vanessa também é da área da educação, já foi secretária da pasta em Joinville no governo Carlito Merss (2009–2012) e atuou como professora por 33 anos, desde o ensino básico ao superior. Esta, inclusive, será a principal pauta defendida por ela na Alesc, especialmente no que diz respeito ao ensino médio, “que é um gargalo no Brasil inteiro”.

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Vanessa entende que esta etapa que fica entre o fundamental e a universidade ainda “não disse a que veio” e não atende a expectativa dos jovens. Ela cita que há os institutos federais e centros profissionalizantes, por exemplo, que exercem um trabalho de ponta, mas que não dão conta da demanda.

Ela usa como base para o argumento os 10 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que estão fora da escola no país e ainda complementa que, deste número, 7 milhões são negros. Para ela, o viés de raça é bastante pontual e é necessário que haja um política combativa e uma educação antirracista para que haja oportunidades a esses adolescentes, principalmente os que vivem em contexto de vulnerabilidade social.

— No país, a maioria das mulheres que vivem na informalidade [de emprego] são negras, são mãe solo. E isso dificulta a chegada delas em locais de tomada de decisões. E as crianças também ficam em situação de vulnerabilidade porque, muitas vezes, estão com as mães pra cima e pra baixo, inclusive, trabalhando. E isso é muito sério. Temos que ver onde o Estado entra e proporcionar uma rede de apoio. É muito triste pensar que um dos únicos contatos que o negro tem com o Estado é por meio da Polícia Militar — frisa.

Vanessa diz que, no momento, quer vivenciar este período na Alesc e fazer um mandato propositivo que converse com a sociedade. Quando questionada sobre suas pretensões para as eleições do ano que vem, diz que ainda não planejou o futuro e está dando um passo de cada vez. “Pra 2024 a gente pensa”, finaliza.

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