Primavera. É uma promessa de liberdade, as lãs retornam às naftalinas dos armários, nada sobra ao sobretudo senão o exílio dos cabides. Aos poucos, vamos nos desfazendo das japonas que nos caracterizavam como personagens de Jack London, restabelecemos gradualmente o império dos “shorts”, das bermudas e dos biquínis geopolíticos, aqueles que dividem dois hemisférios morenos, um fiapo fazendo as vezes de fronteira.

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Haverá alguma verdade nessas linhas? Devolvemos os nossos agasalhos à naftalina? Desenrolamos do pescoço os nossos cachecóis?

Responda o leitor, se não estiver resfriado, com os pés molhados, a garganta irritada, ou – o que é pior – com o quintal (alguém ainda desfruta de um quintal?) encharcado, depois das chuvas próprias da estação.

Revelo aqui deste canto um segredo guardado a sete chaves: a primavera austral “não existe”, é apenas uma jogada de marketing. Pior: é um exercício de imitação colonial. Celebra-se a primavera como a mais bela estação do Hemisfério Sul não porque ela seja mesmo a “formosa”, mas simplesmente por espírito de imitação, assim como vestimos terno e gravata nos trópicos. A primavera é bela lá nas auroras boreais e setentrionais, nos nortes do mundo. Aqui no sul, a bela estação – de verdade – é o outono. Céu de azul profundo, lavado de nuvens e impurezas.

Habituados à imitação, aqui comemos as calorias de nozes e avelãs no Natal, já em pleno verão – e, por que não? – assistimos suas excelências, os nossos ditos “representantes”, gozarem de escandaloso recesso parlamentar em dezembro, janeiro e fevereiro. Sim, esse recesso é pura imitação do parlamentarismo bretão. Quando Cromwell decretou o fim do absolutismo dos reis, nasceu a moderna democracia parlamentar, que exigia representantes das “nações unidas” do reino: Escócia, Irlanda, Gales e Inglaterra, todos reunidos à beira do Tamisa, na Câmara dos Comuns. Em dezembro, janeiro e fevereiro a sessão legislativa era suspensa, por causa das pesadas nevascas do inverno.

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Aqui, com o calor de janeiro, suas excelências tinham a obrigação de dar o ar de sua desgraça em plenário. Mas é nessa época que se concedem as férias de verão, de janeiro a março. Então, declaram aberto o ano legislativo votando o aumento do próprio salário.

Coisas desse mundão perdido, em que nada mais é certo ou bem definido. Primavera, no Hemisfério Sul, costuma ser de chuva e céu cinzento.

 

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