Uma moradora quer construir em área de risco e decide consultar o setor especializado da prefeitura, que usa mapas para mostrar quais os perigos e as exigências para residir naquele local. Um funcionário recebe uma ligação com o relato de um deslizamento e precisa preencher a ocorrência para acionar rapidamente as equipes de socorro. As situações podem ser comuns no dia a dia de profissionais da Defesa Civil, mas desde 2014 também fazem parte de lições aprendidas por estudantes de escolas de Blumenau.

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Em 2013, o programa Defesa Civil na Escola levou palestras sobre prevenção para instituições de ensino da cidade. A ação já chegou a 52 escolas e 4,3 mil alunos. Desde 2014, uma turma que recebe o programa é escolhida para, no ano seguinte, participar de projeto que busca aprofundar os conhecimentos e conscientizar desde cedo as crianças sobre a importância de pensar na segurança na hora de ocupar os territórios da cidade.

Em 2018, uma turma do 6º ano da escola Machado de Assis foi contemplada com o programa. Entre março e novembro, foram 19 encontros com visitas à Defesa Civil, ao Exército, áreas de risco, conversas com geólogos e lições sobre primeiros socorros, plano de abandono em caso de incêndio. Um treinamento de gente grande sobre os diferentes problemas que podem envolver a estrutura de socorro e segurança da cidade. Em cinco anos, cinco escolas e 120 alunos foram contemplados com o programa – a prefeitura já anunciou a intenção de ampliar a iniciativa a partir do próximo ano.

O faz de conta permitiu aos estudantes viverem a experiência de serem moradores de áreas de risco, socorristas e agentes de Defesa Civil. Na na escola Machado de Assis, a simulação ocorreu na última aula do ano. Lia Rebecca Andreaus, 11 anos, era uma agente de Defesa Civil que orientava a colega Beatriz Krause, 12, na experiência como moradora interessada em comprar um terreno em área de risco.

– Ela perguntou se seria adequado e a gente orientou que se for morar em uma área de risco, é capaz de ter um deslizamento e a casa ser demolida – alertou Lia.

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A mãe da estudante, Lara Morelli Ferreira Andreaus, elogia os resultados do projeto no desenvolvimento da filha.

_ A noção de importância da natureza, da preservação e de como agir em eventuais tragédias é algo incrível. Sempre que ela voltava das visitas, contava o que aprendia. A gente percebe que amplia muito a percepção da criança em relação a essas questões ambientais, trabalhando de forma aprofundada _ avalia.

Do outro lado da sala, um aluno explicava que, como num semáforo, nas áreas amarelas é preciso ficar atento e, nas vermelhas, é provável que ocorra deslizamentos. Ao fim da aula, toda a turma simulou a interdição de uma casa – na verdade um ranchinho nos fundos da escola – que estaria em área de risco. Interdição como tem que ser, com cones, fita zebrada amarela e diálogo com os moradores. Até a chuva decidiu aparecer para dar mais realismo à experiência.

– Vocês têm de sair. Vocês estão correndo perigo. Vamos para o abrigo – instigava a aluna de colete laranja, no papel de agente da Defesa Civil.

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– Mas isso aqui é tudo que a gente tem – respondia o suposto morador, em um diálogo que remetia a dilemas tristes e comuns em episódios de chuva na região.

O desafio da educação

O projeto cumpre uma missão que se tornou tão premente quanto a própria reconstrução após a tragédia de 2008: a educação. A coordenadora dos programas Defesa Civil na Escola e Agente Mirim, Luciana Schramm Correia, conta que vendo essas lições desde cedo na escola, as crianças se tornarão adultas que vão observar questões como bueiros, calhas e áreas de risco na hora de construir uma moradia, contribuindo para uma Blumenau mais segura e preparada para enfrentar desastres no futuro.

– Queremos que eles cresçam com papel consciente na prevenção de desastres. Que eles sejam protagonistas da mudança de cultura de percepção de risco e que dessa forma seja possível educar a comunidade através das crianças – aponta.

O biólogo Jefferson Ribeiro acompanhou o Agente Mirim e o Defesa Civil na Escola ao longo do projeto de mestrado em Engenharia Ambiental e segue o analisando enquanto faz a tese de doutorado. Ele conta que os principais resultados da análise foi a incorporação de conceitos como prevenção de desastres, a importância de evitar plantar árvores como bananeiras em morros, de implantar calhas em casas e observar a localização das moradias após participarem pelo Defesa Civil na Escola. Outro avanço foi a integração dos jovens com as aulas práticas, videoaulas e visitas a instituições como Exército na programação do Agente Mirim. O próximo passo agora é medir se o projeto muda ou não a percepção de risco dos pais dos alunos.

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– A gente acompanha há muito tempo e percebe a evolução do próprio projeto. Hoje a gente já começa a ver muitos municípios da região incorporando o projeto em suas escolas justamente por causa dessas práticas – aponta.

Uma experiência no Japão

Sophia Porto Matteussi tinha seis anos em 2008. Era pequena, mas lembra do dia em que estava no shopping com a família e precisou voltar para casa por saber que uma enchente se aproximava. Não sabiam, entretanto, que seria algo muito maior. Só na chegada ao bairro Nova Esperança, em Blumenau, eles tiveram a noção do que realmente se tratava. Residências deslizando e ruas cedendo eram parte do cenário de um dia em que enfrentaram lama e obstáculos para chegar ao imóvel onde viviam.

A casa dos Matteussi não foi atingida. Outros vizinhos não tiveram a mesma sorte. Depois do episódio, a família optou por deixar a região e procurar um lugar mais seguro. Se alguém perguntasse naquela época se Sophia se tornaria uma agente de transformação social, preocupada em reduzir impactos de tragédias como a de 2008, a resposta seria não. A negativa seria a mesma até o meio desse ano, quando veio o convite para ela e mais quatro colegas da EEB João Widemann, no bairro Itoupava Norte, representarem o Brasil na Conferência sobre o Dia Mundial de Conscientização dos Riscos e Desastres Naturais.

O encontro foi na província de Wakayama, no Japão, país parceiro do Brasil na troca de informações sobre tecnologias e práticas na prevenção e alerta a fenômenos climáticos. O evento reuniu aproximadamente 450 estudantes do ensino médio de 48 países. O convite partiu do governo federal, por meio do Ministério da Integração Nacional, que conhecia o trabalho desenvolvido em Blumenau com estudantes, por meio de iniciativas como Defesa Civil na Escola e Agentes Mirins da Defesa Civil. Começou ali a preparação de Sophia, Lucas, Jennifer, Fernanda e Ana Júlia.

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Eles já tinham passado por treinamento para atuação em situações de emergência dentro da própria escola, como simulado de evacuação. Mas ganharam aulas de reforço sobre temas como geologia, desastres e percepção de risco. No fim de outubro, embarcaram para o Japão, onde apresentaram a experiência de Blumenau em 2008, como a cidade enfrentou os deslizamentos e como está se preparando agora para eventuais novas ocorrências.

Cada país apresentou as respectivas experiências e compartilhou estratégias para auxiliar a população em momentos de catástrofe. Participaram de simulados, fizeram visitas técnicas e chegaram a uma conclusão, conta o aluno do terceiro ano do ensino médio Lucas Kühl dos Santos:

– Tudo leva para a informação, como você a gerencia e passa isso para as pessoas.

A colega Ana Júlia Rausch complementa que tecnologias usadas aqui também surpreenderam no exterior.

– A questão de o nosso aplicativo (AlertaBlu) ser eficiente, porque alguns países não têm essa tecnologia. Eles ficaram bem surpresos. Eu esperava uma coisa assim na Austrália, por exemplo, mas eles não têm isso – aponta a adolescente.

Todo o conhecimento absorvido na experiência no Japão agora será compartilhado em Blumenau, contra uma das coordenadoras do programa Defesa Civil na Escola, Luciana Correia. Enquanto esse novo momento não chega, os alunos compartilham a gratidão pela oportunidade de serem porta-vozes na cidade quando o assunto é boas práticas de prevenção de desastres.

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– Poder compartilhar como a gente aprendeu com tudo isso, é incrível, porque vemos que não estamos sozinhos nisso e podemos aprender e ensinar.Alunos de Blumenau no Japão