A tragédia no Rio Grande do Sul tem provocado uma união de forças para prestar apoio às famílias que perderam tudo e, agora, precisam do básico para viver, como alimentos e itens de higiene e roupas. Em Santa Catarina, a Defesa Civil atua desde o início no apoio logístico e também no envio de doações.
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Passada a etapa de auxiliar com itens básico, o momento será de retornar para casa, contabilizar estragos e, posteriormente, prever a reconstrução de cidades inteiras, levando em conta históricos de cheias para prevenir que situações como essas se repitam.
Frente às mudanças climáticas que têm tornado eventos extremos, como o registrado no Rio Grande do Sul, cada vez mais comuns, Santa Catarina também atua em obras contra enchentes, que fazem parte da história do Estado. Fabiano de Souza, titular da Secretaria de Estado da Proteção e Defesa Civil, explicou em entrevista sobre o que está sendo feito agora e no futuro.
Quais obras estão sendo feitas no estado e quais estratégias estão sendo adotadas atualmente para prevenção e contenção de enchentes?
Primeiro a gente precisa só contextualizar o porquê de obras em determinados locais do Estado e aí a gente poder elencar exatamente quais são as obras existentes. Santa Catarina sofre com desastres historicamente. Costuma-se dizer que Santa Catarina é um corredor de desastres. E eu sempre destaco que a região Sul e o nosso Estado, em especial, tem uma gama de desastres das mais diversas naturezas e qualquer época do ano. Exemplificando isso, eu tenho ocorrência de desastre aqui em Santa Catarina provocada por ventos. Tornado, microexplosão, vendaval, qualquer outro tipo de fenômeno provocado por ventos. Excesso e falta de água. Então, enxurradas e enchentes, inundação gradual ou súbita e também estiagem, que a gente sofre bastante. Erosão marinha, a gente sofre com bastante ressaca, movimento de massa, deslizamento, escorregamento, queda de bloco, enfim. Os mais diversos tipos, em qualquer época do ano.
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Desde a década de 80 a Agência de Cooperação Internacional do Japão promove estudos na bacia hidrográfica do rio Itajaí-Açu e logo depois do desastre de 2008, além desses estudos, publicou um plano diretor para a mitigação de inundações para o Vale do Itajaí. Esse estudo foi publicado em 2011. Nós estamos lançando o programa “Proteção levada a Sério”, que foi desencadeado após as inundações do ano passado, que foi bem significativa e que vai entrar para os anais como uma das maiores da história de Santa Catarina. Esse programa envolve 26 obras de mitigação, [sendo que] 25 obras estão no Vale do Itajaí e tem como base os estudos da Jaica. E uma das obras é a dragagem do Rio Tubarão. Por que existem obras para essas duas bacias, sendo 25 numa e uma na outra? Porque todas elas são precedidas por estudos e projetos executivos de obra.
Então dentro desse programa o foco é: início e conclusão dessas 26 obras. Onde não tem estudo e projeto, todo o restante e todas as demais bacias, mais de 20, nós vamos promover os estudos e projetos para a gente ter um diagnóstico apurado e uma ação resolutiva do problema. Obra paliativa existe o tempo inteiro, geralmente após algum tipo de desastre. Mas o que a gente quer é obra regionalizada, envolvendo a bacia hidrográfica. E para isso eu preciso primeiro estudo e projeto. Todas as bacias que não têm estudo e projeto, dentro do programa, nós vamos fazer esses estudos. E para o Vale do Itajaí já tem estudo e projeto.
Você citou essa parceria com o Japão, onde eles utilizam grandes projetos de contenção de enchentes com canais subterrâneos. Também tem o exemplo da China, com as “cidades-esponja”. Algumas dessas estratégias que outros países têm utilizado para conter enchentes, pode ser implementado em Santa Catarina?
Cada país tem uma realidade e tem um problema. Soluções de engenharia tem as mais diversas. Eu visitei o Japão e eu vi o que eles têm na bacia de Tóquio. Só traçando um paralelo, né? O que existe, o que é bem divulgado, é na bacia de Tóquio. Então a gente está falando na grande Tóquio. Tóquio é uma das maiores metrópoles do mundo. A gente compararia no Brasil algo parecido com Tóquio, apenas a cidade de São Paulo. Qualquer cidade de Santa Catarina é uma realidade muito distante do que existe em Tóquio. Mas além dessa diferença existe uma diferença localizada, dentro do que foi feito no plano de mitigação de Tóquio. Um exemplo é que boa parte das galerias são os túneis dos metrôs, onde primeiro o rio vai aumentando a cota e vai elevando. Ele preenche diques para conter a água e não sair, e existe essa ocupação dos túneis do metrô, então não foram túneis projetados para a contenção de cheias. Em Tóquio, eles aproveitaram tudo o que existe de subterrâneo nos metrôs para esses grandes eventos.
Então, por exemplo, essa realidade de Tóquio é inaplicada em Santa Catarina porque a gente não tem metrôs. Não é uma realidade daquilo que existe em Tóquio para nós. Mas o que importa não é efetivamente dizer que aquela solução aplicada em determinado local é exatamente a solução que tem que ser aplicada em Santa Catarina. O mais importante para isso é a gente ter em mente que tanto esses países, Japão, China, Estados Unidos, têm como foco e prioridade de política pública, a prevenção de desastres. É isso o que mais importa, porque se um governo tem como foco a prevenção de desastres, a proteção das pessoas, vai ser investido numa solução de engenharia mais adequada para um determinado local. E está na hora de o Brasil inteiro entender que o país sofre com desastres. Os desastres matam e geram muitos problemas para o patrimônio, economia e sempre está em risco a própria vida.
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Talvez não chame tanta atenção porque a característica dos nossos desastres são diferentes de algumas partes do mundo. Terremotos que matam centenas de milhares de pessoas. Tsunamis que matam centenas de milhares de pessoas. Mas toda vida importa. Rio Grande do Sul agora está chegando na casa dos 150 óbitos. Santa Catarina teve 199 mortos em Tubarão em 1974, 135 em 2008. Toda vida importa e os desastres acontecem e geram muitos problemas. O mais importante não é copiar o que um país implementou para a realidade dele, uma realidade local. O mais importante é entender que uma política de prevenção de desastres deve ser uma política prioritária no Brasil. E é isso que em Santa Catarina o governador Jorginho Mello deixou claro para todo o colegiado. Proteção das pessoas e prevenção de desastres hoje é uma prioridade de Santa Catarina.
Qual é a situação das barragens catarinenses? Como elas estão e quais estão em fase de manutenção?
Nós tivemos uma ação nas barragens na década anterior, lá pelos anos de 2014, 2015, que foi a sobrelevação do barramento. Ela foi sobrelevada, aumentou em 2 metros a crista do vertedouro e do barramento. Mas há muito tempo não há uma manutenção efetiva nas barragens, não há uma manutenção na operação e na estrutura. Após os eventos de outubro e novembro, algumas barragens foram severamente afetadas. Na verdade, as três. José Boiteux, no evento de outubro e novembro do ano passado, teve uma comporta emperrada das duas existentes. O ideal, obviamente, é a operação 100% delas, as duas comportas abrindo e fechando, mas ela emperrada e fechada é sem dúvida nenhuma melhor do que ela emperrada, aberta, porque, em caso de chuva intensa, o movimento natural seria o fechamento da comporta e ela já está fechada. Mas o ideal é fazer a manutenção para que eu tenha o controle de abertura e fechamento.
Taió tem as sete compotas operacionais. A gente consegue operar todas elas, abrir e fechar o momento que nós queremos. Mas elas têm pelo menos dois problemas que a gente precisar resolver. Ela tem um vazamento hidráulico numa das comportas e uma infiltração no barramento. Já foi verificado por engenheiros que não causa um problema estrutural, essa infiltração, mas a gente precisa resolver. Não tem um problema estrutural hoje. Se não resolver, porém, no futuro, pode vir a ter. E a barragem de Ituporanga é a mais danificada. Durante outubro e novembro teve uma infiltração na casa das comportas, em que a inundação acabou provocando um problema elétrico e hidráulico ali nas comportas, e é a que precisa de uma maior manutenção.
Em Ituporanga, durante os eventos aí de outubro e novembro, como entrou muita água na casa das comportas, toda passarela e o gradil de acesso à casa das comportas foi destruído. Então eu não conseguia nem chegar no local para ver o problema. Essa é a situação pós outubro e novembro. O que que está sendo feito? Ituporanga era mais emergencial. Para acessar a casa das comportas foi necessário colocar um “stoplog”, um fechamento da área de captação dessa comporta para evitar que a água entrasse pela comporta e não inundasse a casa. Isso já foi instalado e foi feita a recuperação da passarela, que foi destruída. Então hoje eu consigo acessar a casa das comportas e nós temos uma licitação aberta, em fase final já. Na verdade, na semana passada já abriram frustrado, não teve empresa. A gente está relançando para que uma empresa faça um diagnóstico completo da situação de cada barragem e o que efetivamente precisa ser feito. Ela vai ter 120 dias para fazer esse relatório. Porém, esse relatório prevê entregas parciais por barragem. Como a de Ituporanga é o caso mais grave, nós vamos priorizar para que ela entregue o primeiro relatório dela e, com base nesse relatório, eu sei exatamente o que eu preciso fazer.
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Todas as três barragens precisam de manutenção, mas todas as ações estão em andamento. A manutenção, por exemplo, da comporta de José Boiteux, quem vai realizar é a Celesc. Lá, como se trata de uma área indígena, tem toda uma conversa sendo feito com as lideranças, com a Procuradoria da República, para que a gente faça sem nenhum tipo de problema e conflito, porque, como eu venho falando o tempo inteiro, a manutenção ela é boa não apenas para a população, que está a jusante da barragem, mas também para a comunidade indígena. Eu sempre destaquei isso. Lá, a equipe da Celesc está preparada. Assim que a condição do tempo melhorar, porque eu tenho que ter um tempo sem chuva, que o reservatório tem que estar bem baixo e toda essa conversa já vinha acontecendo, a gente vai lá e faz a manutenção da comporta de José Boiteux. Estima-se pela Celesc 48 horas para ser realizada. Então, essa é a condição das três barragens, tudo está sendo feito tudo. Como se trata de administração pública, a gente tem que seguir a legislação e, por isso, é um pouco mais demorado do que o normal.
Como está o apoio da Defesa Civil aqui de SC ao Rio Grande do Sul? Há algo em conjunto que os dois estados podem fazer para prevenir cheias?
Bom, o apoio de Santa Catarina ao Rio Grande do Sul é constante e permanente. Nós somos o primeiro estado a enviar o apoio para o Rio Grande do Sul. As chuvas lá começaram no dia 27 de abril. Elas se intensificaram bastante no dia 29, começaram a causar problemas no dia 30. No dia primeiro, nós tínhamos equipes do Corpo de Bombeiros Militar [de Santa Catarina] no Rio Grande do Sul. Então, Santa Catarina hoje é o estado que tem o maior contingente de operadores de técnicos lá.
Eu poderia dividir o apoio de Santa Catarina em dois grandes grupos: o operacional e o logístico. O operacional está sendo prestado lá no Rio Grande do Sul e o logístico a partir de Santa Catarina. Em suma, nós encaminhamos inúmeros técnicos de diversas instituições para o Rio Grande do Sul. Cito algumas delas. Corpo de Bombeiros, nós temos equipes de força tarefa especializada em área deslizada em inundação, cães de busca e equipamentos pesados para trabalhar em deslizamento, algo que muitos estados nem têm no Corpo de Bombeiros. Só para que se tenha uma ideia, nós temos uma mini retroestroescavadeira hidráulica, lá no Rio Grande do Sul, operando e vários outros tipos de equipamento. Polícia Militar: inicialmente nós fomos com uma aeronave para fazer resgates dos mais diversos de apoio humanitário. E nós temos também o deslocamento de equipes especializadas como Bope, Polícia Ambiental, por conta das questões de segurança. Tinha muito problema de saque.
Polícia Civil, exatamente o mesmo serviço da Polícia Militar: uma aeronave fazendo socorro aéreo e também equipes que foram encaminhadas ontem para o Rio Grande do Sul para ajudar nessa questão de distúrbios civis. Equipe especializadas do Core, por exemplo. Nós temos a Polícia Científica que ajudou na identificação de corpos em outras áreas de perícia no Rio Grande do Sul; Polícia Penal prestando apoio nos presídios de unidades prisionais do Rio Grande do Sul; Casan, ajudando no restabelecimento de água, tanto com homens como com equipamentos motobombas que foram para lá. Celesc encaminhou técnicos também para ajudar nesse trabalho de recomposição da energia. Saúde, com o transporte o tempo inteiro de insumos, como sangue, medula e vários outros tipos de materiais hospitalares e também na remoção de pacientes. A própria Secretaria de Estado da Proteção e Defesa Civil fazendo todo o ajuste lá no plano de comando e também no ponto logístico, reestruturando a logística.
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O Estado tem cerca de 200 profissionais lá no Rio Grande do Sul, mas esse número já foi muito superior a 300. Tudo isso lá de maneira permanente. Desde o primeiro dia foi encaminhada equipe para o Rio Grande do Sul e elas permanecem até hoje. E, como diz o governador, elas vão ficar lá enquanto for necessário.
E aqui de Santa Catarina, a gente está ajudando na Proteção e Defesa Civil com todo o apoio logístico, desencadeando campanhas de donativos, encaminhando por estrutura logística esses donativos para o Rio Grande do Sul, orientando quem promove campanha para qual destino encaminhar e gerenciando toda a logística de Santa Catarina para o Rio Grande do Sul. Só para que se tenha uma ideia, até terça-feira (14), mais de 1000 toneladas de donativos passaram direta ou indiretamente pela Secretaria. Diretamente o nosso pessoal, estruturando desde triagem, carga, transporte e descarga e, indiretamente, a população de Santa Catarina que se mobilizou.
Agora, as famílias do Rio Grande do Sul vão começar a passar por uma etapa que aqui em Santa Catarina já viu, que é de reconstrução. Como elas podem construir as casas para garantir uma maior segurança e garantir que não sejam tão afetadas por tragédias como essa? Qual é a recomendação da Defesa Civil nesse sentido?
O desastre tem fases. O Rio Grande do Sul está vivenciando agora, por conta das chuvas do final de semana, o epicentro da crise. O Guaíba deve atingir inclusive o nível superior ao da primeira semana de maio. Então eles ainda estão no momento do desastre em que as pessoas estão em abrigos, em casas de parentes e amigos. O segundo momento, quando as águas baixarem, é o de recuperação. Recuperar absolutamente tudo, desde os sistemas vitais, como comunicação, energia, água, saúde, educação, até a própria população recuperar a rotina.
Vai levar tempo no Rio Grande do Sul para que tudo isso termine, sem contar os reflexos posteriores na economia, que envolve trabalho e emprego. O que é mais importante para o futuro? Uma parceria, uma sinergia entre público e privado. O público, dentre inúmeras ações que podem ser desencadeadas, eu poderia destacar pelo menos duas que serão primordiais. A primeira, sem dúvida nenhuma, é o apoio no restabelecimento de serviço, emprego e moradia de todas as pessoas, seja no encaminhamento de crédito subsidiado, no pagamento de juros, num plano de habitação de moradia, para que restabeleça e dê condições das pessoas se restabelecerem. E o segundo, que eu te diria mais voltado à prevenção de desastres, que seria fundamental.
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A natureza, principalmente quando a gente fala de inundação, tem algo que pode ser previsto. É claro que a gente está falando de recorrência de chuva histórica. Normalmente se trabalha com recorrência de chuva de 25, 50 anos. Mas essa chuva do Rio Grande do Sul é de uma recorrência milenar. Mas o fato é que ela pode acabar acontecendo. Existe o leito natural do rio e tudo aquilo que é margeado é chamado de área de inundação ou planície de inundação. O mais importante nesse ponto, para a prevenção de desastres, é um mapeamento correto das áreas de risco e um plano diretor bem estruturado, em que evite a reconstrução em áreas que sabidamente podem ser afetadas por desastre. Deve ser dado uma condição mais segura para as famílias no futuro, que deve levar em conta todas as variáveis do risco de desastre. E para isso é preciso um bom mapeamento e uma boa indicação de onde pode e onde deve ser construída uma casa, uma escola ou um hospital. Para que eventos semelhantes não tornem a gerar o mesmo tipo de problema.
É preciso público e privado em conjunto e de maneira muito detalhada, verificarem como isso pode ser evitado no futuro. E aí eu volto a uma resposta anterior, né? É preciso que a política de prevenção de desastres seja prioridade não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o Brasil. Se nós queremos uma comunidade cada vez mais segura, uma política de proteção da população precisa ser permanente. Quando acontece esse tipo de desastre, a gente olha para o Japão e verifica o que eles fazem lá. Não é a Defesa Civil, porque não existe órgão de Defesa Civil no Japão, que constrói uma ponte que suporta um terremoto. Lá é o Ministério da Terra, como se como se fosse o nosso Ministério da Infraestrutura, que quando vai construir uma ponte, já leva em consideração todos os riscos e constrói uma ponte capaz de suportar os problemas. E isso deve ser uma política para todas as áreas. Se eu vou construir um hospital, a Secretaria da Saúde, o Ministério da Saúde ou o órgão de saúde tem que levar em consideração os riscos. Eu preciso construir um hospital onde ele não sofra com deslizamento, com inundação, porque no momento, numa tragédia como essa, o hospital vai ter que estar funcionando 24 horas. Então o mais importante: público e privado unidos em prol de um único objetivo, a proteção da população.
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