Não fosse pelas grades que cercam os trabalhadores e pelo intenso esquema de segurança ao redor das máquinas, o trabalho constante e cronometrado na montagem de pneus para carrinhos de mão poderia ter espaço em qualquer indústria. Mas, embora possa parecer, essa não é uma linha de produção como as outras. A frente de trabalho fica dentro da Penitenciária da Canhanduba, em Itajaí, que abriga 360 presos condenados.
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Mais do que ocupação e fonte de renda, o vaivém das esteiras representa, para eles, uma nova chance. Em março, um ranking publicado pelo jornal O Globo, com base em dados do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, colocou SC em 1º lugar na quantidade de presos trabalhando. De acordo com o último levantamento, de junho de 2012, 43% dos detentos estavam ocupados no Estado.
– É uma grande oportunidade. O trabalho ensina a ter disciplina, ajuda na reintegração e diminui o preconceito – diz Jonathan Rodrigues, 26 anos, que cumpre pena por tráfico e experimenta, na prisão, seu primeiro emprego.
A linha de produção na Canhanduba foi montada pela empresa Fischer, de Brusque, que trabalha com bicicletas, eletrodomésticos, eletroportáteis e construção civil. Em dois meses de funcionamento, 32 detentos já estão empregados – e a produção, que iniciou com 15% da demanda da indústria, já chega a 50%.
Recuperação
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– A ocupação funciona como engrandecimento desse cidadão, que não precisa ser sacrificado porque está cumprindo uma pena. Precisamos dar condições para que ele reflita se vale a pena o mundo do crime ou o do trabalho, buscar todas as ferramentas possíveis para que ele possa se recuperar – diz Norival Fischer, diretor industrial da empresa.
A intenção da fábrica é colocar em funcionamento, até o fim do ano, pelo menos outras duas novas frentes de trabalho. Por enquanto, os presos atuam com a montagem de acessórios, mas a empresa pretende capacitá-los para, no futuro, serem capazes de entregar produtos prontos, como churrasqueiras elétricas, centrífugas de roupas, secadoras e fogões.
Trabalho traz dignidade, diz diretor
Para Edenir Alexandre Camargo Neto, diretor da Penitenciária da Canhanduba e da 3ª Regional do Vale do Itajaí, que inclui nove unidades prisionais, o trabalho faz mais pelo detento do que a ressocialização. É a oportunidade de um ganho que pode fazer diferença na escolha entre voltar ou não para o mundo do crime.
– É preciso haver reabilitação econômica do preso. Se ele sai da prisão sem nada no bolso, chega lá fora e vê o filho doente, a mulher com o aluguel atrasado, fica difícil. O trabalho traz dignidade – diz.
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Ao todo, 118 presos da penitenciária e do regime semiaberto estão ocupados na Canhanduba. Além do trabalho na Fischer, há detentos empregados na manutenção da unidade, na cozinha e na confecção de redes esportivas.
A unidade também é pioneira na oportunidade de trabalho para presos cadeirantes, que atuam na separação dos kits de roupas e cobertores que são entregues aos internos. No próximo mês, uma empresa que fabrica artefatos de cimento, de Navegantes, também deve se instalar na Canhanduba.
– Seria importante que os empresários conhecessem a unidade e o trabalho dos presos. Aqui, mão de obra não falta – diz Neto.
Educação auxilia na capacitação dos profissionais
Condenado por assalto, Marcio dos Santos, 40 anos, interessou-se pelo curso de solda oferecido na Penitenciária da Canhanduba assim que foi transferido para lá, há um ano. Fez aulas teóricas e práticas, aprendeu a manusear o equipamento e, em pouco tempo, já cuidava da manutenção das grades de ferro.
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Recentemente, transformou em portas as antigas grades do Presídio Regional de Balneário Camboriú, desativado em 2012. Enquanto trabalha, mantém viva na mente a contagem do tempo que ainda falta para deixar a cadeia. Cada três dias trabalhados representam um dia a menos de pena.
– Acho o trabalho muito importante. Abre novas perspectivas – diz.
O curso de solda já rendeu trabalho para ex-internos no lado de fora, e trouxe exemplos de solidariedade. No ano passado, usando bicicletas apreendidas, os alunos construíram seis cadeiras de rodas, que foram doadas.
A unidade também oferece nivelamento nos ensinos fundamental e médio, cursos de capacitação profissional, por meio do Pronatec, de serralheiro e operador de empilhadeira. Este ano entrará em funcionamento também o curso de carga e descarga, oferecido pelo Senac.
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Quem pode trabalhar?
– Para que possam trabalhar, os presos têm que cumprir uma série de exigências, como bom comportamento, e passar pela avaliação de uma Comissão Técnica de Classificação
– Eles recebem em média um salário mínimo, que é depositado em uma conta bancária e fica à disposição da família ou do preso, depois que ele deixa a cadeia
– Em alguns casos, o dinheiro é repassado a vítimas de crimes cometidos pelo detento, por ordem da Justiça