Celas superlotadas e em situação insalubre. Assim os detentos descrevem o cotidiano no Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, na Canhanduba, em Itajaí. Em cartas direcionadas a órgãos de Direitos Humanos eles pedem ajuda para melhorar o ambiente. Dias depois da divulgação, a Justiça determinou medida para liberação de vagas nas galerias. Já o Ministério Público pediu esclarecimentos. A direção da unidade, por sua vez, negou a existência dos problemas.

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Uma das cartas, feita por detentos do semiaberto, foi entregue para Tayana Rossetto, advogada de alguns presos. Ela conta que outro relato, esse escrito por quem está na penitenciária, também veio a público. A maioria das reclamações são semelhantes, mas na segunda carta os apenados relatam que a comida que chega é insuficiente e tem “carnes geralmente estragadas”.

Esta não é a primeira vez que este tipo de denúncia é feita. Em 2021, uma vistoria feita na penitenciária feminina pela Vigilância Sanitária constatou que as carnes armazenadas em um freezer apresentavam “aspecto repugnante”, revelou uma reportagem da NSC TV.

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Os apenados descrevem outras situações, como a presença de ninhos de baratas nas camas, ratos, colchões molhados, celas com a fiação de energia elétrica irregular, vasos sanitários entupidos, chuveiros apenas com água fria, falta de calçados e roupas.

Isso tudo em celas lotadas, afirmam.

“Em uma cela [do semiaberto] que suporta 12 pessoas estamos em 21”, diz o relato assinado no último dia 19/6. Menos de 10 dias depois, a juíza Claudia Marinho assinou uma portaria em que autoriza adiantar a progressão do regime aberto ou livramento condicional de todos os internos que atingiriam os requisitos necessários até 10 de janeiro de 2024.

Além disso, aqueles que cumpririam a pena inicialmente em regime semiaberto, mas que teriam progressão antes do dia 10 de janeiro, poderão começar já no regime aberto. A medida entrou em vigor na semana passada, vale até janeiro e deve contemplar pelo menos 230 pessoas.

Trecho de carta que teria sido escrita por presos da penitenciária. (Foto: Divulgação)

Segundo consulta feita pelo g1 na tarde de terça-feira (4) na ferramenta de monitoramento nacional Geopresídios, na penitenciária são 1.168 vagas para 1.567 detentos (134% da capacidade). Já no presídio, segundo a plataforma, há 696 vagas, mas 1,1 mil detentos (158% da capacidade).

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Visitas

— Fiquei abismada com as denúncias. Acho que o que mais pesa é a questão das visitas, as famílias ficam muito tempo em jejum — diz Tayana.

Isso acontece, segundo a advogada, por conta do raio-x que é feito para permitir a entrada das pessoas. Para evitar problemas, os visitantes ficam mais de oito horas em jejum na tentativa de comprovar que não estão fazendo papel de “mula” ao levar drogas dentro do estômago, por exemplo.

Considerando o tempo que passam dentro do complexo, os familiares chegam a ficar 12 horas sem comer, incluindo crianças, diz a carta. “Além disso, os internos estão passando fome”, continua o texto.

Kits de higiene

Tanto presos do semiaberto quanto da penitenciária dizem que não só a comida é insuficiente como também o kit higiene fornecido pelo Estado. Antes os itens eram trazidos pelas famílias, porém há alguns anos é o governo quem fornece.

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“Não duram nem 15 dias, mas temos que conseguir manter 30 dias, sendo que são quatro giletes e é cobrado que a barba seja feita todos os dias, e com a própria gilete temos que cortar o cabelo. Com o sabão líquido de 600ml temos que tomar banho todos os dias, lavar nossas roupas e ainda fazer a limpeza da cela”, dizem os detentos.

Educação

Os apenados também questionam a falta de disponibilidade de professores para a oferta de aulas e cursos profissionalizantes. “Se o objetivo da pena é ressocializar e somos inclusive chamados de reeducandos, por que nosso direito de estudo e trabalho é tolhido?”, questionam.

Ministério Público acompanha situação

O promotor André Braga de Araújo recebeu a denúncia pela reportagem do NSC Total e abriu uma notícia de fato para apurar a situação. Ele fez uma série de questionamentos ao diretor da penitenciária e do presídio masculino, que devem responder até o final desta semana.

No entanto, Araújo disse que em uma visita feita ao presídio em meados de junho não constatou má qualidade na comida e nem falta de incentivo aos estudos. Confirmou, porém, a superlotação, que já havia resultado em uma ação civil pública.

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A decisão da Justiça ocorreu na semana em que a promotoria marcou uma reunião com a juíza para tratar do assunto.

Defensoria Pública confirma denúncia

A Defensoria Pública de Santa Catarina disse que acompanha a situação pelo Núcleo Especializado de Política Criminal e Execução Penal (Nupep). Um dos papéis da instituição é atuar em questões coletivas como as que envolvem a estrutura de estabelecimentos penais e demais demandas relacionadas à defesa dos Direitos Humanos.

A coordenadora do Nupep, Fernanda de Menezes, contou que ações judiciais que tratam de alguns dos pedidos formulados na denúncia já estão em andamento. Uma delas é sobre o retorno da entrega de itens alimentares, de higiene e vestuário por parte dos familiares dos presos. Essa ação aguarda julgamento de recurso no Tribunal de Justiça catarinense.

Sobre a superlotação, a Defensoria acompanha a ação civil sobre o déficit de vagas no sistema prisional catarinense que tramita na Justiça Federal

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“Em Itajaí, há apenas o registro da denúncia em questão no Complexo Penitenciário Canhanduba até o momento. O caso foi encaminhado para a Defensoria Pública com atuação na execução penal na comarca, onde está sendo avaliada a necessidade de adoção de outras medidas complementares”, encerra a nota enviada pelo órgão.

Estado nega violação de direitos

O NSC Total questionou a Secretaria de Administração Penitenciária sobre a infraestrutura do complexo, os estudos oferecidos aos detentos, as regras das visitas e detalhes sobre os kits de higiene. No entanto, a Superintendência da Regional do Vale do Itajaí informou apenas que “não existem violações dos direitos dos internos, tampouco dados dos mesmos acerca dos temas levantados”.

Acrescentou ainda que “as unidades recebem frequentemente visitas dos órgãos de controle externo, como o Ministério Público, Poder Judiciário e Ordem dos Advogados do Brasil, aos quais a Secretaria de Administração Prisional e Socioeducativa está sempre em contato para atendimento das demandas solicitadas pelos mesmos. Ademais, frisa-se que as unidades Prisionais atuam diariamente para manter a ordem e a segurança com ações que visem a ressocialização dos apenados alocados, trabalho em que o Estado de Santa Catarina é referência nacional, sem haver qualquer violação de direitos em face dos apenados”.

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