Pedro Augusto Oliveira de Santana, preso em flagrante na última semana por manter 207 trabalhadores em situação análoga ao trabalho escravo em vinícolas de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, já teve uma de suas empresas investigada por crimes semelhantes em Santa Catarina. O episódio catarinense partiu de uma denúncia de 2015 e foi arquivado dois anos depois, devido à prestadora de serviços já não atuar na região em que o Ministério Público do Trabalho (MPT) havia sido acionado.
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Na ocasião da denúncia, a Procuradoria do Trabalho no Município de Joaçaba, no Meio-Oeste de Santa Catarina, foi acionada para investigar a Oliveira & Santana – Prestadora de Serviços LTDA, empresa criada por Pedro Augusto em 2012, por, supostamente, submeter trabalhadores a trabalho análogo ao de escravo, a condições degradantes, a coação e a condições sanitárias e de conforto irregulares na prestação de serviços terceirizados para uma gigante do setor de aviários no estado.
Seriam apuradas ainda irregularidades relativas ao intervalo intrajornadas, à remuneração e aos benefícios devidos, ao possível atraso ou até a não ocorrência de pagamento, e à ausência de pagamento das horas de deslocamento ao trabalho (benefício revogado pela reforma trabalhista de 2017).
As suspeitas eram parecidas aos fatos flagrados agora em Bento Gonçalves, oito anos depois, com trabalhadores de uma outra empresa de Pedro Augusto, a Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA.
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A submissão de pessoas a trabalho escravo é crime tipificado pelo artigo 149 do Código Penal, que prevê, a pessoas físicas, pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Empresas responsabilizadas por situações assim têm de pagar os encargos trabalhistas devidos a cada caso e, eventualmente, danos morais individuais e coletivos. Elas também podem sofrer outras sanções, como passar a constar na “lista suja” do Ministério do Trabalho e ter vetado o acesso a crédito público.
O inquérito civil em Santa Catarina foi instaurado em 7 de outubro de 2015 pelo MPT, que pediu à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego catarinense (SRTE-SC), submetida ao Ministério do Trabalho, uma fiscalização da empresa investigada. Não houve retorno, no entanto, até 25 de fevereiro de 2016, quando o MPT solicitou então uma fiscalização ao Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) de Concórdia, município onde os trabalhadores estariam alojados em condições degradantes.
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O Cerest foi ao local apenas em 7 de março de 2017, em conjunto com um fiscal da vigilância sanitária municipal de Concórdia, quando o imóvel já tinha ocupação residencial. Uma vizinha do local relatou aos agentes que as atividades da empresa estavam encerradas há cerca de 10 meses.
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Também notificada pelo Ministério Público, a indústria de aviários contratante da empresa investigada comunicou não manter mais relação contratual com a Oliveira & Santana desde novembro de 2014, após terem tido um contrato de três meses.
A própria Oliveira & Santana foi também notificada pelo MPT, órgão ao qual relatou já não prestar serviços nas cidades sob atribuição da PTM Joaçaba. Por conta disso, o caso foi arquivado pela Procuradoria na região em 25 de setembro de 2017, por “perda de objeto” na investigação.
Ameaças, insalubridade e fuga: “A gente era visto como absolutamente nada, animais eram melhor tratados”
O Diário Catarinense ouviu um trabalhador que afirma ter sido vítima de Pedro Augusto Oliveira de Santana em Santa Catarina. O relato dele coincide com informações levantadas pela Procuradoria em Joaçaba contra a Oliveira & Santana e também com as denúncias do episódio recém-flagrado nas vinícolas de Bento Gonçalves.
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Alvo de ameaças mesmo depois que fugiu de Santa Catarina, o trabalhador será tratado aqui pelo nome fictício Carlos Silva, para preservar sua identidade e integridade física.
A vítima é da região de Valente, município no interior da Bahia e onde teria sido aliciada por um funcionário do também baiano Pedro Augusto, natural da mesma cidade, para trabalhar em Santa Catarina, o que se segue até hoje — os trabalhadores resgatados no Rio Grande do Sul são da mesma localidade.
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Silva foi registrado pela Oliveira & Santana ao final de 2014 para encaixotar frangos em granjas da região de Concórdia, no Meio-Oeste catarinense, que seriam abatidos por uma indústria local. O salário previsto em contrato era de cerca de R$ 1.280,00, o dobro do que se pagava pelas ofertas de emprego mais comuns na Bahia à época. A promessa de trabalho ainda estabelecia o deslocamento desde a Bahia, a hospedagem e a alimentação gratuitos.
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Ao chegar em Concórdia, no entanto, a realidade era outra. O grupo de trabalhadores baianos do qual Carlos fazia parte foi deixado em um alojamento insalubre e com mofo, em que sequer havia um fogão a gás. Para se alimentar, os funcionários precisavam obrigatoriamente comprar marmitas ou alimentos em um mercadinho improvisado da própria Oliveira & Santana a preços abusivos. O valor da passagem desde Valente ainda seria descontado do salário, submetendo a vítima a uma dívida impagável.
— Você já sai daqui na miséria, não tem condição de pagar nada nem de voltar. Então, seriam praticamente três meses em que teria que trabalhar de graça — afirma.
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Carlos relata que também teve a própria carteira de trabalho retida pelo empregador, atitude ilegal e sem recuperá-la até hoje, era submetido a jornadas exaustivas, de até 14 horas de serviço, e vivia sob ameaças, outras características típicas de situação análoga ao trabalho escravo.
— Eles usavam pessoas armadas, coagiam, ameaçavam. Existia a história no alojamento de pessoas que tinham sumido, que tinham apanhado, que a gente só poderia sair de lá morto ou fugido. Eu disse para mim mesmo: “Isso aqui é um absurdo”. A gente era visto como absolutamente nada, animais eram melhor tratados do que a gente — relata Carlos Silva.
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O trabalhador diz que decidiu fugir após o empregador tentar forçá-lo a dobrar um turno de trabalho ao longo da madrugada, após já ter trabalhado das 5h às 19h do mesmo dia.
Para deixar o alojamento, no entanto, ele precisou fingir que iria à rodoviária local colocar em um ônibus uma encomenda para um colega trabalhador que estava em Bento Gonçalves — já naquela época, a empresa de Pedro Augusto estaria atuando em vinícolas do Rio Grande do Sul e teria avisado os funcionários em Santa Catarina que seriam deslocados ao estado vizinho na ocasião da colheita da uva.
Com o pouco dinheiro que os pais conseguiram enviar, Carlos enfrentou então, no início de 2015, uma viagem de quatro dias, trocando de ônibus em Florianópolis, São Paulo e na Bahia. No caminho, passou fome e temeu uma perseguição dos antigos empregadores, medo que manteve mesmo já em sua terra natal.
— Você pensa que foge de lá e vai ter paz, mas você não tem paz, porque começa aqui o sistema. E são dezenas de milhares de pessoas que são vítimas dele — diz o trabalhador.
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Carlos afirma que ingressou na Justiça do Trabalho na Bahia contra a Oliveira & Santana, mas que desistiu do processo após ter sido coagido por pessoas armadas que foram até sua residência. Ele diz suspeitar que são policiais militares. Acrescenta que, em Concórdia, não buscou ajuda junto às autoridades locais por razões parecidas, uma vez que supostos policiais à paisana seriam próximos aos empregadores.
No Rio Grande do Sul, a Corregedoria da Brigada Militar já investiga se policiais teriam, em conluio com Pedro Augusto Oliveira de Santana, torturado e coagido os trabalhadores recém-resgatados.
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O que diz o investigado e as empresas
Pedro Augusto Oliveira de Santana já não aparece atualmente no quadro societário da Oliveira & Santana. No entanto, ele também não consta como sócio da Fênix Serviços, a empresa a qual estavam ligados os trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves, mas era o real administrador dela, segundo apurou o MPT em Caxias do Sul.
A Oliveira & Santana e a Fênix Serviços, esta última criada em 2019, têm sedes registradas na Receita Federal em um mesmo endereço, em Bento Gonçalves.
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Ao Diário Catarinense, o advogado Augusto Werner afirmou que assumiu a defesa de Pedro Augusto Oliveira de Santana somente nesta terça (28) e que precisaria de maior tempo para divulgar um eventual posicionamento de seu cliente. Caso isso ocorra, este texto será atualizado.
A reportagem também tentou contato por telefone com as empresas Oliveira & Santana e Fênix Serviços, mas não foi atendida.
Em comunicado anterior à imprensa, a segunda delas informou que os fatos flagrados na ocasião do resgate em Bento Gonçalves seriam esclarecidos em tempo oportuno e no decorrer do processo judicial. Ao MPT-RS, ela ofereceu, em tentativa de acordo, um total de R$ 600 mil para danos morais das vítimas, além do R$ 1 milhão em verbas rescisórias fixadas anteriormente.
Pedro Augusto Oliveira de Santana foi solto em 23 de fevereiro, um dia após o resgate dos trabalhadores no Rio Grande do Sul, mediante o pagamento de fiança de cerca de R$ 40 mil.
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