O padre Célio Ribeiro foi uma das pessoas que acompanhou o processo de degradação do Presídio Regional de Blumenau. Ele atuou na unidade de 2004 a 2010. No entanto, garante que o período mais crítico foi entre 2005 e 2008, quando o número de fugas e rebeliões aumentou:
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– Não tenho dúvida de que Blumenau foi a pior unidade prisional de todas que conheci no Brasil.
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O trabalho, que era para ser de assistência religiosa, transformou-se em ajuda humanitária. O religioso, formado em Direito, começou a auxiliar os detentos em questões relacionadas aos processos e também a denunciar o sistema.
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Ribeiro conta que a situação começou a piorar conforme aumentava o número da população carcerária. Ele lembra que em 2010 o presídio chegou a ter mais de 700 detentos e para que todos ficassem minimamente acomodados, alguns precisavam dormir no banheiro. De acordo com o padre, o presídio chegou à atual situação devido à omissão do Estado, associada ao avanço da criminalidade.
– O Estado quer eliminar o inimigo. Ele não pensa em ressocialização, nem que aquele que está encarcerado um dia estará de volta à vida social – analisa.
A atuação de Ribeiro foi ganhando outro rumo com o passar do tempo. Quando passou a perceber a existência de presos sem progressão de regime – já tinham condições de serem beneficiados – e também sem acesso à família, começou a interferir.
Ameaças fizeram religioso largar o trabalho
No entanto, o padre lembra que quando surgiram as primeiras denúncias de omissão do Estado, o contra-ataque foi imediato. Ribeiro começou a receber bilhetes com ameaças, situação que o teria motivado a desistir do trabalho:
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– Quando o padre está só rezando, é um excelente objeto nas mãos do Estado. Quando começa a reivindicar os direitos da pessoa humana, passa a ser um problema.
Ribeiro nasceu em São Paulo. Durante a vida pastoral, passou por presídios como o antigo Carandiru, além do Cadeião de Pinheiros e a Penitenciária de Sorocaba, ambos em São Paulo. Também conheceu outras unidades no Rio de Janeiro, Brasília, Bahia e Roraima.
– O Carandiru era um hotel três estrelas e o presídio de Blumenau, uma sucursal do inferno – resume.
Estado não pode se ausentar
Para que a nova penitenciária tenha sucesso em seu objetivo principal, o Estado precisa estar fortalecido. Essa é a avaliação da defensora pública de Tocantins Letícia Amorim, que encabeçou uma vistoria no Presídio de Blumenau em 2013. Na época, ela gravou um vídeo que ganhou repercussão nacional, denunciando a situação de insalubridade vivida na unidade. O diagnóstico foi entregue ao governo de Santa Catarina e ao Ministério da Justiça. A ausência do Estado dentro do presídio foi o que mais lhe chamou a atenção.
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– Como um estado tão rico pôde deixar o sistema entrar em colapso e as pessoas terem chegado naquele estado? – questiona.
Letícia percorreu todas as alas da unidade. Um episódio que exemplifica a situação insalubre ficou marcado na memória:
– Eu estava conversando com os presos nos contêineres, que eram as celas que ficavam mais atrás do presídio e viviam alagadas. De repente a fossa voltou e os dejetos começaram a boiar debaixo dos meus pés. Nunca tinha visto nada igual nas penitenciárias que visitei.
Para que o novo sistema proporcione a ressocialização do detento, é preciso que o Estado permaneça dentro da estrutura. Caso fique ausente, Letícia alerta para a possibilidade do fortalecimento das facções criminosas. Ela também chama a atenção para a necessidade da existência de defensorias públicas dentro das unidades prisionais, para que os presos tenham acesso à progressão de regime.
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Justiça precisa ser atuante
O juiz Osmar Tomazoni trabalhou de 2005 a 2008 como corregedor do Presídio Regional. Para que o sistema tenha sucesso nos próximos anos, ele avalia que o Estado precisa limitar o número de detentos e dar trabalho e educação a eles. Além disso, Tomazoni acredita que o administrador precisa tornar-se respeitado entre a população carcerária e jamais quebrar a ordem para favorecer alguém.
– Tinham presos que ficavam em locais reservados com televisores, enquanto que outros não tinham e ficavam em celas coletivas. Os problemas eram múltiplos – lembra.
O magistrado acredita que a superlotação é um dos principais problemas enfrentados dentro de um presídio. De acordo com ele, o excesso de pessoas no sistema carcerário impede que o preso seja tratado com dignidade e que programas de ressocialização sejam desenvolvidos com sucesso.
A superlotação da unidade e a situação a que os presos eram submetidos por falta de espaço fizeram com que Tomazoni determinasse que 460 seria o número máximo de presos em 2008. De acordo com ele, a estrutura da época era menor do que a atual e teria sido projetada para receber 200 presos, mas havia momentos em que chegava a abrigar mais de 700 pessoas. Tomazoni lembra que determinou que o presídio poderia receber mais presos somente em casos excepcionais, o que lhe causou dor de cabeça:
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– As delegacias locais não tinham onde manter o preso. A Central de Polícia estava com 12 homens em um cubículo só, sem banheiro e alimentação. Eu sofri uma pressão muito grande. Recebia ligações de delegados da região a todo instante pedindo vagas para presos – lembra.