O presidente do Banco Central (BC) da Argentina, Martín Redrado, se negou hoje a assinar sua saída do cargo, pedida pela chefe do Estado do país, Cristina Fernández de Kirchner. Redrado recusou-se a deixar o posto por se opor a um decreto que disponibiliza reservas milionárias em moeda estrangeira para o pagamento de dívidas soberanas neste ano.
Continua depois da publicidade
Para o presidente do BC argentino, cujo mandato de seis anos vence em setembro, apenas o Parlamento pode tirá-lo do cargo, por mais que o Executivo tenha sido o responsável por sua nomeação, disseram seus porta-vozes a jornalistas. Redrado se reuniu hoje com opositores ao Governo, que o apoiaram e ratificaram as queixas apresentadas pela oposição em dezembro contra o uso de reservas para pagar dívidas.
O conflito expôs disputas internas por um decreto “de necessidade e urgência” pelo qual Cristina ordenou a disponibilidade de US$ 6,569 bilhões em reservas monetárias para enfrentar vencimentos de dívidas, emitindo títulos no mesmo valor a favor do Banco Central.
Há 14 dias, Redrado resiste a tomar as medidas previstas para levar a operação adiante, o que representa “um descumprimento de seus deveres”, afirmou o chefe do gabinete argentino, Aníbal Fernández, depois de pedir sua renúncia por ordem da presidente.
– Redrado assumiu posições que não têm a ver com a política econômica do Governo: neste país, as decisões são tomadas pela presidente, não pelo presidente do Banco Central – disse o chefe do gabinete a emissoras locais de televisão e rádio.
Continua depois da publicidade
O senador Ernesto Sanz, líder da União Cívica Radical (UCR), o segundo partido com mais cadeiras no Parlamento, apoiou Redrado e disse que o presidente do BC argentino “não fez mais do que cumprir” com a carta orgânica da entidade.
– (Redrado) incorreria em um descumprimento de seus deveres se usasse reservas monetárias para pagar dívidas: as reservas existem para garantir o valor da moeda – acrescentou Sanz logo antes da reunião com o responsável pelo banco emissor.
Cristina baixou o polêmico decreto em meados de dezembro, quando o parlamento estava em recesso, com a justificativa de mandar um recado positivo aos mercados financeiros internacionais, dos quais a Argentina permanece afastada desde a moratória de 2001 (US$ 102 bilhões), a maior da história financeira, apesar da reestruturação de 2005.
O confronto explode no momento em que a Argentina se prepara para fazer uma oferta de refinanciamento de bônus de US$ 20 bilhões pelas mãos de credores que rejeitaram a de 2005, entre eles fundos de investimento especulativo e investidores de Alemanha, Estados Unidos, Japão e Itália.
Continua depois da publicidade
– Entendo que Redrado tinha posto sua renúncia à disposição da presidente há tempos. A única coisa que foi feita hoje foi aceitá-la, e considero que, por isso, Redrado terminou suas funções – disse o ministro da Economia argentino, Amado Boudou, durante uma entrevista coletiva.
Boudou, que prepara uma viagem pelos Estados Unidos e Europa para promover o refinanciamento dos bônus em moratória, confirmou que o governo se propõe a pôr Mario Blejer, ex-funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI), à frente do Banco Central argentino. Ele já ocupou esse cargo em 2002.
A Argentina conta com reservas monetárias de mais de US$ 48 bilhões e seu uso para pagar dívidas foi motivo de processos judiciais da oposição, até mesmo de dissidentes do peronista Frente para a Vitória, de Cristina, que perdeu a maioria no Parlamento por causa de sua derrota nas eleições legislativas de junho.
O Supremo argentino estabeleceu na semana passada um prazo de dez dias para que o Governo dê explicações.
Continua depois da publicidade
– A certeza (econômica) não tem a ver com os nomes, mas com as políticas – afirmou Boudou, ao negar que este conflito seja um “mau sinal” aos mercados.
O ministro ressaltou que a política que desde 2003 mantém um superávit do Tesouro e da balança comercial, além de uma taxa de câmbio “competitiva” (atualmente de 3,82 pesos por dólar) e a decisão de retornar aos mercados de capitais, continua em vigor.
Designado em 2004 com a aprovação do Senado após proposta do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007), esposo e antecessor de Cristina, Redrado se ampara em um artigo da carta orgânica segundo o qual só pode ser retirado do cargo pelo Parlamento e em caso de “má conduta” ou descumprimento de seus deveres no Banco Central.