O presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), Julio Garcia, quebrou o silêncio e se manifestou cinco dias após o apartamento em que ele mora e um sítio de propriedade dele serem alvo de buscas da Polícia Federal durante a Operação Alcatraz. O deputado também anunciou a revisão do contrato referente a serviços terceirizados.
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Em uma sessão mais tensa que o normal e marcada sobretudo pela expectativa sobre a possível manifestação do presidente, o deputado chegou ao plenário pontualmente às 15h e, quatro minutos depois, ocupou a tribuna. Em um discurso de nove minutos, Garcia negou qualquer relação com os fatos investigados na operação, disse confiar na Justiça e prometeu lutar para provar a inocência.
O presidente da Alesc falou com mais ênfase sobre dois pontos que motivaram as menções ao nome dele no inquérito da PF sobre a Operação Alcatraz. Um deles é o terreno que o deputado possui no Norte da Ilha. O outro são as relações que mantém com um executivo de uma empresa que aparece entre as investigadas e com Nelson Castello Branco Nappi Junior, ex-secretário-adjunto de Administração e tido pela investigação como o epicentro do suposto esquema de fraude em licitações.
Em entrevista após o pronunciamento, o deputado afirmou que os advogados ainda estão lendo o inquérito, que teria chegado a ele na noite de segunda-feira, mas reforçou os posicionamentos que manifestou na tribuna. O presidente também informou que determinou a suspensão de novos contratos na área de tecnologia e pediu uma revisão de todos os contratos existentes – inclusive o que envolve a empresa prestadora de serviço Ondrepsb.
O contrato atual com a Ondrepsb (nº 97/2017) prevê que a empresa disponibilize 278 profissionais de diferentes áreas, como recepcionistas, assistente de saúde e pessoal administrativo. O custo inicial é de R$ 3 milhões ao mês – R$ 36 milhões ao ano –, mas o contrato prevê reajustes ao final de um ano.
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Um dos aditivos recentes também criou novas vagas com salários de até R$ 23 mil, mas que depois acabaram sendo suspensas (leia mais na página 3). O contrato atual de serviços terceirizados vence em outubro e, segundo Garcia informou nesta terça, um novo termo de referência está sendo preparado para fazer uma nova licitação.
– Não tenho nenhum compromisso com o erro. Fui presidente quatro anos, não tenho nenhum processo, não houve nenhum equívoco, os servidores da Casa me conhecem, sabem como eu ajo. Eu não faço esse tipo de coisa – sustentou.
Ainda na quinta-feira, horas após a prisão preventiva de Nelson Nappi, a Alesc anunciou a exoneração dele do cargo de diretor de Tecnologia, em que atuava desde o início do ano. Um servidor da Assembleia assumiu a função cumulativamente.
"Vou lutar até o fim para provar minha inocência", diz Julio Garcia
No discurso em que se defendeu pela primeira vez após ser alvo de buscas da Operação Alcatraz, o presidente da Alesc dividiu as respostas em duas partes. Na primeira delas, defendeu-se da acusação de que um terreno dele no Norte da Ilha teria sido adquirido com recursos obtidos por meio das fraudes em licitações apontadas pela Polícia Federal. Segundo ele, o terreno teria sido adquirido em 1994 – há 25 anos, portanto. No entanto, a regulamentação do terreno teria demorado todo esse tempo porque o antigo proprietário morreu logo após a compra e o imóvel teria ficado envolvido em processos de inventário e de disputas de herdeiros. Em entrevista, Garcia disse que Nappi “advogou como amigo” para ele na regularização do terreno, mas reforçou que o imóvel “nada tem a ver com o objeto da operação”.
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– Talvez aí esteja a confusão. Mas quem me conhece, frequenta esse meu terreno há mais de 20 anos, tenho muitas testemunhas e provas a colecionar nos autos para me defender – afirmou.

O deputado complementou ainda que doou o terreno ao filho, o que justificaria o fato de o imóvel estar em nome da empresa Gemma, que tem como sócio justamente o filho de Garcia.
– Essa propriedade eu doei para o meu filho, como doei um apartamento para cada filha. Até por decisão minha. Não gosto de patrimônio, não sou afeito a patrimônio. Meu patrimônio são meus amigos. Patrimônio material é uma coisa que não interessa – afirmou.
Sobre o segundo fato da investigação que segundo a PF teria relação com o presidente da Alesc, de ter relação com o proprietário de uma empresa de tecnologia prestadora de serviços à Secretaria de Administração – segundo o inquérito, a Apporti pagaria o salário do motorista e o seguro do carro de filhas do deputado –, Garcia admitiu ser amigo do proprietário, com quem teve convivência familiar durante 15 anos e mantém amizade até hoje. No entanto, disse desconhecer qualquer atividade comercial da empresa, incluindo contratos.
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– Portanto, esta é minha ligação. Não há nenhuma insinuação ou comprovação de qualquer participação minha em episódio relacionado ao caso investigado – reforçou, ainda no discurso.
O deputado falou brevemente ainda sobre a relação com Nelson Castello Branco Nappi Junior, apontado pela investigação como o epicentro do esquema em apuração pela PF. Nappi foi secretário-adjunto de Administração do governo do Estado e, desde o início do ano, atuava como diretor de Tecnologia da Alesc, em cargo indicado pelo próprio Julio Garcia. Segundo a investigação, a irmã de Garcia também atuava como secretária de Nappi no governo do Estado.
O presidente admitiu que foi padrinho de casamento de Nappi, mas disse desconhecer qualquer ilicitude que ele possa ter praticado e afirmou que tinha confiança no servidor, a ponto de nomeá-lo para a Alesc. Garcia não fez críticas à forma que a PF fez a operação na semana passada. Negou estar abatido, mencionou o caso do ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, e disse que terá forças para lutar para provar a inocência. Disse que o apoio demonstrado pelos deputados seria sinal de que não há necessidade de afastamento dele da presidência.
Por fim, Garcia agradeceu o apoio que recebeu dos quase 10 deputados que se manifestaram, definindo esse como “o momento mais triste da vida”, e voltou a afirmar que confia na Justiça.
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– Esta solidariedade me dá forças para continuar lutando. Vou lutar até o fim para provar minha inocência, e a única coisa que posso pedir é Justiça – pontuou na tribuna.
Contrapontos
Procurada pela reportagem, a assessoria da Ondrepsb informou que irá aguardar um comunicado oficial da Assembleia sobre a revisão do contrato anunciada antes de se manifestar.
Os advogados Alessandro Abreu e Giancarlo Castellan, que respondem pela defesa de Nelson Castelo Branco Nappi Junior, afirmaram à reportagem na sexta-feira que a defesa entende não se justificar manter a prisão porque, ao que tudo indica, seriam fatos ocorridos no passado referentes ao governo e que Nappi não exerce mais nenhuma função no Executivo. Procurado pela reportagem, Castellan reforçou na segunda-feira a mesma posição de sexta.