Eles não te recebem com pulos e agitação. Não imploram pelo seu colo, não fazem qualquer malabarismo em troca de um petisco. Também detestam banho e raramente aceitam aquelas roupinhas, coleiras, lacinhos e fitinhas que os donos acham LIN-DOS!
Continua depois da publicidade
Mesmo assim, cada vez mais gente no Brasil e no mundo escolhe a companhia desses animais cheios de independência. Quem entrou nessa garante: uma vez fisgado pelo charme irresistível de um gato, o coração da gente não mais nos pertence. É amor na certa. E amor dos grandes.
Dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) demonstram que a população de cães domésticos ainda é muito maior do que a de gatos – quase o dobro. O número de felinos nos lares, no entanto, cresce em ritmo galopante, enquanto a população de cães cai.
A Abinpet estima que, em cerca de oito anos, o número de gatos se igualará ao de cães nas residências do País. Depois disso, ninguém mais pega os bichanos na corrida pelo coração dos donos brasileiros.
Continua depois da publicidade
Os motivos para esse crescimento têm origem na mudança que a sociedade experimentou nas últimas décadas. Famílias com menos crianças tendem a ter menos cães, já que são os pequenos os principais entusiastas dos cachorros. Pais que trabalham o dia todo também têm menos tempo para cuidar dos filhos – que dirá de um animal de estimação que requer banhos semanais e passeios diários.
Mulheres e homens solteiros, que moram sozinhos em apartamentos cada vez menores, também dispõem de pouco tempo para o pet. Para não abrir mão da companhia de um bichinho, muitos optam por gatos.
Mesmo ganhando espaço rapidamente, os gatos ainda são minoria. E, pior, lidam com a antipatia gratuita de muita gente. Traiçoeiros e individualistas são alguns dos desabonadores adjetivos que os felinos ganham de quem não vai com a cara deles.
Continua depois da publicidade
Também é verdade, no entanto, que a esmagadora maioria das pessoas que não gosta de gatos nunca conviveu de fato com eles. E quando o sujeito se permite o desafio de conquistar o amor de um bichano, não volta atrás. A paixão é devastadora. E os gatinhos sabem muito bem como retribuir todo esse sentimento. Do jeitinho deles.
Um traço de paixão

Amor bom mesmo é aquele que, além de companhia, nos traz inspiração. O designer e ilustrador Paulo Kielwagen, 28 anos, teve uma sorte e tanto nesse sentido. Em 2009, com a esposa, ele adotou o gato Blue, com menos de um mês de vida.
No ano seguinte veio o Branco, bichano de rua que escolheu a família como sua ao aparecer constantemente no quintal da casa. As peripécias dos animaizinhos e a convivência deles com Grampolo e Gohan – gatos da tia de Paulo que vivem no mesmo terreno – eram tão engraçada que o designer, naturalmente, começou a desenhá-los em quadrinhos.
Continua depois da publicidade
Em seguida, o Gatão voltou para Joinville com uma prima de Paulo e a turma estava completa: assim surgiu Blue e os Gatos. Com o tempo, dava para perceber a personalidade de cada felino, e imaginar o que estavam pensando garantia o resto da diversão no trabalho do ilustrador.
Em agosto de 2012, passou a desenhar e postar diariamente tirinhas no Facebook. Em novembro de 2013, Paulo lançou um livro com a compilação de um ano de histórias. Agora, tem também site e se prepara para publicar a segunda obra impressa.
-Sempre gostei dos gatos da família, mas ter um gato seu é uma sensação completamente diferente. Diferentemente do que dizem, eles ficam felizes em te ver e ganhar atenção, te reconhecem e respeitam como dono e parecem entender o que estamos sentindo no momento. Claro, tudo de um modo totalmente particular-, conta Paulo.
Continua depois da publicidade
Rabugento, mimado e com personalidade forte, Blue adora caçar passarinho. Diz Paulo que o bichano reclama e rosna como um leão, mas, se estiver bem à vontade, é um manso gatinho carinhoso do tipo que dá lambidinhas no pescoço dos donos. Já Branco é brincalhão, dorminhoco e feliz. Segue o casal pelos cômodos, vive ronronando e se engalfinhado com os ratinhos de brinquedo. Sociável, é alvo fácil para as crianças.
-O Branco dorme praticamente no travesseiro da minha esposa e o Blue tem um ritual todo particular. Primeiro, ele sobe na minha esposa, dá uma lambidas em seu pescoço e com as patas afofa o travesseiro. Depois, deita no meio das minhas pernas. O Blue também costuma pular em cima de nós pela manhã para pedir comida e para abrirmos a porta do quarto para ele. Ele adora um biscoito para gatos e se esfrega no armário e entre nossas pernas até conseguir. Já o Branco é supertranquilo; se dormirmos até tarde, só irá acordar quando levantarmos. Ambos pedem comida o dia inteiro.
Recomeço

Quando uma grande dor toma conta de nossas vidas, as reações são as mais variadas. Há quem sofra em silêncio, aqueles que usam a tragédia para se expressar, os que se direcionam para o trabalho…
Continua depois da publicidade
O período mais difícil para a paulista Lili Zacharia, 55 anos, ocorreu 12 anos atrás, quando sua filha saiu de casa. Após meses de depressão, vendo o quarto da garota vazio, ela decidiu que algo precisava ser feito para não se sentir tão sozinha. Foi assim que teve a ideia de criar um animalzinho.
Numa sexta-feira de manhã, a psicóloga foi à pet shop de um amigo em busca de um gatinho para adoção. Coincidência ou sorte, Sidartha Sollo havia sido encontrado na chuva na noite anterior. Arisco e amedrontado, esfregou-se nas mãos de Lili e se aconchegou. Foi amor à primeira lambida.
-Sidartha foi o maior amigo que tive. Eu chorava em cima dele de saudades e o bichinho ficava com o pelo encharcado. Ele é meu grande companheiro até hoje. Se estou doente, fica do meu lado, nunca me abandona-, derrete-se de carinho a dona orgulhosa.
Continua depois da publicidade
No ano seguinte, uma tia de Lili encontrou uma caixa com sete gatinhos abandonados. A psicóloga escolheu a mais arteira e serelepe. Mas o animal chorou a noite inteira porque não conseguia comer. Durante 15 dias, Lili precisou dar mamadeira e cuidar da gata como um bebê. Chamou-a de Vitória, pois ninguém acreditava que sobreviveria.
Até que cresceu algo embaixo dela. Lili levou-a à veterinária acreditando que fosse um tumor, e então descobriu que o bichinho era macho. Assim nasceu Victor Vitório. Ele é, hoje, o líder, quem comanda a casa toda decorada com objetos que imitam felinos.
A turminha cresceu quando Lili se mudou para Joinville, nove anos atrás. Pelo barulho, com o tempo, ela aprendeu a identificar quem está comendo ou bebendo água. Certo dia, ouviu um som estranho vindo do corredor. Era Didi Tranqueira, gato esfomeado, quase devorando o pote de ração. Passados alguns meses de idas e vindas atrás de comida, ele ficou de vez.
Continua depois da publicidade
-Sidartha é caseiro, está sempre no armário, tem medo de estranhos. Victor impõe a presença dele, é muito livre, escolhe onde quer ficar, em que pote comer. Didi é o contrarregra, tenta enfrentar a liderança de Victor, é bagunceiro, chama os bichanos da vizinhança pelo passa-gato para se alimentarem, é o menos elegante, mas também é muito carinhoso.
Como atende aos pacientes em casa, Lili passa muito tempo com os gatos. Isso fez com que adquirisse algumas características deles, como andar e voz mais mansos. Ainda assim, eles são independentes e interagem apenas quando querem.
O Sidartha, por exemplo, escondeu-se embaixo da cama assim que viu as lentes do fotógrafo Leo Munhoz. E não teve jeito de o tirá-lo de lá para ser fotografado. Afinal, como diz Lili, “a casa é deles, só me deixam morar aqui”.
Continua depois da publicidade
Sagrados e profanos
Se há um personagem que assumiu uma multiplicidade de papéis ao longo da história da humanidade, este é o gato. A primeira vez que se viu a figura do felino foi no Egito Antigo.
Além de aliados no combate aos roedores nos estoques de grãos, uma das deusas da mitologia egípcia é representada por uma gata. Bastet, a deusa-gata, é a dona da fertilidade e do amor, além de ser uma das maiores aliadas de Rá, o deus-sol.
Na arte egípcia, Bastet é representada por uma mulher com cabeça de gata ou simplesmente pela figura de um gato doméstico ornado com joias. Por serem considerados a encarnação da deusa, os gatos se tornaram sagrados em todo o Egito.
Continua depois da publicidade
Alguns historiadores especulam que, antes de se tornar uma divindade, o gato era uma iguaria nas mesas do país. Como precisavam dos felinos para controlar a população de roedores, os líderes teriam criado a devoção na figura dos gatos, com o objetivo de protegê-los da panela.
Depois de centenas de anos de escavações arqueológicas, gatos ainda são encontrados mumificados. Alguns em covas comuns, outros em sarcófagos elaborados. Guardiões do mundo espiritual, os gatos seriam os principais interlocutores do povo do Egito com os deuses.
Naqueles dias, matar um gato era crime punido com pena de morte. Quando o bichano da casa morria por causas naturais, seus donos vestiam trajes de luto.
Continua depois da publicidade
Muitas centenas de anos depois, na Idade Média, a coisa mudou de figura. No período de caça às bruxas, os gatos eram considerados instrumentos do mal e companhia preferida das senhoras solitárias acusadas de bruxaria.
Nas grandes fogueiras da Inquisição, milhares de gatos foram queimados, junto com suas donas. Foi justamente nessa época que os gatos pretos tornaram-se sinônimo de azar.
O período de trevas passou, mas o gato não se recuperou imediatamente de sua má fama, pelo menos no Ocidente. Até hoje é comum encontrar quem diga que os gatos são traiçoeiros ou que os pretinhos são sinal de mau agouro. Felizmente, tem gente que vê no bicho um símbolo de sorte.
Continua depois da publicidade
É conhecido no mundo todo um dos principais amuletos dos japoneses, o Maneki Neko, o gato que acena. Não se sabe ao certo a origem dessa tradição, mas no Japão o gatinho branco de orelhas vermelhas atrai prosperidade aos donos.
Há espaço para todos

A paixão de Letícia Arsego, 39 anos, está marcada na pele, mais especificamente no braço esquerdo. Gravado em tinta preta, ali reside um gatinho desde julho de 2013. Na sua casa e no seu coração, no entanto, o felino vive há bem mais tempo.
Preto, elegante, de olhos amarelos, Petrucchio foi adotado numa feirinha de animais em Joinville oito anos atrás. Ele veio para fazer companhia a Catarina, mas a danada fugiu meses depois de sua chegada.
Continua depois da publicidade
Talvez magoado com a falta da gatinha, ele não aceitou outros bichanos. Mesmo assim, a casa e o carinho de Letícia não são só seus: com ela, moram também os cachorros Teca, de 15 anos, e Max, de dez. E a verdade é que existe amor e atenção pra todos. Sem falar que ter outros animais com quem brincar não deve ser nada mal para Petrucchio.
-Ele e a Teca dão umas patadas um no outro, porém percebo que é brincadeira, a forma deles de expressar que se gostam. Os três convivem pacificamente no quintal, mas dentro de casa só entra mesmo o gato.
Com a bicharada, Letícia já se mudou algumas vezes e garante que a adaptação é rápida. Para ela, a ideia de que gatos se apegam mais ao lar do que às pessoas é mito. E assim que reconhecem os novos ruídos e ambientes, acostumam-se logo. O importante é respeitar suas vontades e preferências e não forçar nenhuma situação. Quando quiser carinho e contato, o gato vai pedir.
Continua depois da publicidade
-Quando chego em casa, Petrucchio vem até mim miando, pedindo atenção. Deus me livre se eu pegar o smartphone antes dele, vai dar uma patada que fará o celular voar longe!
Apesar de adorar cachorros, Letícia diz que não abre mão da convivência com o felino. Petrucchio lhe ensinou a ser mais calma, aproveitar a vida, curtir a contemplação, não se estressar tanto. Sem falar no senso estético.
-Os gatos têm uma elegância natural. Você nunca vai encontrá-los numa posição em que não estejam bonitos.
Continua depois da publicidade