O ramo da construção civil, tradicionalmente marcado pela dominância do universo masculino, vivencia um novo momento em Santa Catarina com a consolidação e o aumento da participação feminina nos cargos de liderança e nos canteiros de obra. Essa realidade é comprovada pelos números e se expande ano a ano no Estado, em especial em Joinville, onde a presença da mulher no setor supera a média estadual.

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Na cidade, elas representam 11,8% do total de empregados na construção civil, acima dos 9,7% de representação que as mulheres têm em território catarinense – como aponta o último dado da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), de 2016. Os dois percentuais apontam ganho de espaço feminino na profissão quando comparados ao início da década, em 2011, quando a média de participação na área era de 10% no município e 8% no Estado.

Mesmo com o avanço proporcional delas entre os profissionais atuando no setor, houve redução no quadro de empregados na construção civil, situação advinda entre 2015 e 2016 em decorrência da instabilidade econômica. Enquanto Joinville empregava 9,7 mil no setor em 2011, sendo 974 mulheres, no último levantamento foram contabilizados 7,6 mil empregos, com 893 vagas preenchidas por elas. O auge de pessoas do sexo feminino na indústria da construção ocorreu em 2014, período imediatamente anterior à crise, com 1.001 postos de trabalho ocupados em Joinville. No mesmo ano, eram 10.183 mulheres incorporadas ao mercado de trabalho em Santa Catarina, ante 104.471 homens. Nos dois anos seguintes, a proporção estadual passou para 8.921 mulheres versus 83.040 homens.

Ainda em baixa no saldo total de empregos em 2017, o setor da construção civil manteve mais fechamentos de vagas tanto no Estado quanto em Joinville entre dezembro e janeiro. No entanto, entre as mulheres o saldo no ano foi positivo. Foram 1.130 postos de trabalho fechados para homens, contra 204 novas vagas abertas para mulheres nos 295 municípios catarinenses. Já das vagas joinvilenses em regime de CLT, a área teve queda de 46 ocupações masculinas e ganho de 27 vagas femininas no período, conforme a Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc).

Para a vice-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon) de Joinville, Ana Rita Vieira – que também atua no setor –, essa evolução demonstra que não existe uma diferença do que o homem pode fazer e o que uma mulher pode fazer dentro de um canteiro de obras. A máxima é de que a profissão não é seletiva e tem espaço para todos, independentemente de gênero e, conforme ela, o que ocorre é uma ampliação da participação feminina em cargos antes não explorados.

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— Cada vez mais a gente realmente vê mais mulheres trabalhando nos canteiros de obras, na construção, enquanto isso antes ficava restrito aos cargos administrativos nas construtoras. Essa já não é mais uma realidade e percebemos que muitas obras em Joinville são lideradas por mulheres; temos engenheiras à frente das obras e na operação. Há ainda muitas nos cargos ligados ao acabamento, o que é muito positivo porque a mulher é detalhista e isso melhora muito a qualidade final dos produtos da construção — aponta.

Ela considera também que a consolidação da presença feminina na construção civil é um movimento gradativo, que acontece paralelamente a outros fatores. São listados como influenciadores, por exemplo, a desmistificação da ideia de que hoje a função ainda exige força para ser exercida.

— Atualmente, existem várias tecnologias e equipamentos e nem todo serviço dentro de uma obra requer tanta força. Esses equipamentos já auxiliam muito, por exemplo, a assentar cerâmica, em que a massa de assentamento era batida na mão e agora há uma espécie de batedeira elétrica. Outros benefícios são a qualidade de vida nos canteiros de obra, que melhoraram muito, além da existência de vestiários exclusivos nesses locais. Então, condições como essas ajudam a tornar o ambiente mais propício as mulheres — destaca.

Perfil dos trabalhadores

O último levantamento do Observatório da Indústria Catarinense, da Fiesc, sobre a participação das mulheres na construção civil, mostra que, em Joinville, o salário médio das profissionais da área (não considerando cargos específicos) é maior que o pago aos homens: R$ 2.161, ante R$ 1.948. No Estado, elas também saem na frente, recebendo, em média, R$ 1.985, contra R$ 1.979. Um dos principais fatores que corroboram para a diferença é a escolaridade dos trabalhadores, também proporcionalmente maior entre as contratadas: 79,4% delas possuem ensino básico completo no município, e eles, 54,9%. Em nível estadual, o valor percentual é de 78,9% e 51,6%, respectivamente.

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De acordo com a Fiesc, a diferença do nível de escolaridade é ainda maior quando considerada a participação das escolarizadas que têm nível superior incompleto ou completo, compreendendo 31,3% das trabalhadoras do setor em Joinville e apenas 5,34% dos homens. “A justificativa para essa diferença em termos de idade (acima dos 30 anos para as mulheres e entre 18 e 39 anos dos homens) e escolaridade é identificada pelo tipo de atividade predominantemente exercida de acordo com o gênero”, considera a entidade. Isso porque as trabalhadoras do setor na cidade estão concentradas principalmente nas funções de escriturários em geral, agentes, assistentes e auxiliares administrativas (34% das mulheres) e 15% atuam nos serviços de administração, conservação e manutenção de edifícios e logradouros.

Nestas atividades, embora mais representativas, as profissionais ganham menos, de R$ 1.589 para as mulheres e R$ 1.633 para os homens nas funções de escritório e de R$ 1.212 versus R$ 1.482 no segundo grupo. No caso de engenheiras e arquitetas, a representação destes profissionais entre as mulheres é superior (participação de 4,03% delas e de 1,33% deles). Nesse grupo, o salário médio das mulheres é inferior: R$ 5.623, contra R$ 6.714 recebidos pelos homens.

Em contrapartida, no grupo de homens atuantes no setor de Joinville predominam os associados à construção civil e obras públicas (31,64%) e ajudantes de obras (13,58%). Nesses postos, as mulheres ocupam apenas 3,58% e 3,81% das atividades exercidas por elas.

ARTE

Em Joinville: número total de trabalhadores da construção civil + percentual das mulheres

2011 – 9.767 – 9,97%

2012 – 10.009 – 9,1%

2013 – 8.705 – 10,72%

2014 – 8.986 – 11,13%

2015 – 8.402 – 11,54%

2016 – 7.580 – 11,78%

Composição do número de trabalhadores da construção civil

*Dados do último Rais

Santa Catarina

2011 (105.238): 96.815 homens (92%) x 8.423 (8%) mulheres

2012 (106.402): 97.378 (91,52%) x 9.024 (8,48%)

2013 (111.627): 102.032 (91,41%) x 9.595 (8,59%)

2014 (114.654): 104.471 (91,12%) x 10.183 (8,88%)

2015 (104.750): 95.019 (90,71%) x 9.731 (9,29%)

2016 (91.961): 83.040 (90,3%) x 8.921 (9,7%)

Joinville

2011 (9.767): 8.793 homens x 974 (9,97%) mulheres

2012 (10.009): 9.098 x 911 (9,1%)

2013 (8.705): 7.771 x 934 (10,73%)

2014 (8.986): 7.985 x 1001 (11,14%)

2015 (8.402): 7.432 x 970 (11,54%)

2016 (7.580): 6.687 x 893 (11,78%)

Nas universidades, média é a mesma na última década

As universidades joinvilenses que oferecem os cursos de engenharia civil destacam que, atualmente, a proporção de alunas varia de 40% a 50% do total de alunos nos cursos superiores do município. A média é a mesma do início da década. Na Universidade da Região de Joinville (Univille), por exemplo, o curso especializado na área foi aberto em 2013 com 45 vagas, 18 delas preenchidas por mulheres. Essa tendência se manteve e, em 2017, dos 151 alunos matriculados no curso, 58 vagas eram compostas por pessoas do gênero feminino, número considerado expressivo pela universidade. Na Católica de Santa Catarina, em Joinville, a metade dos alunos que entram no curso são mulheres.

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De acordo com a coordenadora da engenharia civil da Católica, Helena Ravache Samy Pereira, a avaliação é de que o mercado está considerando a competência e a formação dos profissionais. Em contrapartida, segundo ela, o que tem ajudado as mulheres a ganharem espaço no setor é a oportunidade que elas estão tendo de se desenvolverem profissionalmente dentro das construtoras.

— Quando me formei há 20 anos era uma realidade diferente porque não havia chance de mostrar competência, era um caminho longo para isso, muito até pela questão do preconceito de antigamente, mas que hoje mudou e existe bastante respeito quanto a isso. O que percebo é que muitas alunas conseguem se destacar rápido ao iniciarem como estagiárias e logo são chamadas para atuarem como mestres de obras. Não é só um caso, são vários — avalia.

Em busca desse caminho estão as jovens Larissa Avancini, de 18 anos, que faz o curso de engenharia civil na Católica, e Mariana Braga, de 23 anos, recém-formada em engenharia de infraestrutura na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

As duas ingressaram recentemente como estagiária e auxiliar de engenharia na construção de um edifício, em que o tíquete médio de venda é de R$ 750 mil. Segundo elas, o começo a carreira já em uma grande obra reflete a abertura de horizontes para as mulheres no ramo da construção deve se traduzir em novas e constantes oportunidades.

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— A mulher está começando a ganhar mais espaço no mercado da construção e é gratificante ingressar nesse momento porque agora tiramos as ideias do papel, exercemos a liderança e começamos a concretizar os objetivos que traçamos na universidade — pontua Mariana.

Quem são as mulheres que atuam no setor

Desde pequena, a joinvilense Talita Ketly Marcelino sabia a carreira que iria seguir quando adulta. Seguindo os passos do pai Adenilson Marcelino, a jovem de 24 anos realizou no ano passado a conquista de se formar na mesma profissão que ele, a de engenheira civil. Hoje, menos de um ano depois de formada, já tem nas mãos o desafio de comandar a execução de duas obras e liderar mais de 30 pessoas.

Ela é um dos inúmeros exemplos de que na construção civil não existe sexo frágil. Mesmo sem deixar a vaidade de lado, no dia a dia ela coloca os sapatos de segurança, capacete e segue para a função de pôr em pé dois empreendimentos no bairro América. Ambos saem do papel a partir da gestão in loco da gerente de obras.

Para crescer no setor, onde começou como estagiária há dois anos, a jovem aponta que as qualidades pessoais e profissionais fizeram a diferença e que, no meio, as questões de gênero são deixadas de lado.

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— Acredito que o que pode dar certo na carreira de uma pessoa não é a atividade que terá que exercer, se é predominantemente masculina, mas é ela conhecer as suas qualidades. A engenheira civil, na construção de obras, as pessoas confundem muito. A gente não faz tarefas executivas de colocar a mão na massa, é de liderança. Então, para isso não é preciso ser homem e ter força, você consegue se sair muito bem. Tanto que quando entrei na faculdade achei que iria para a linha de projetos, mas o meu caminho é gestão — aponta.

Colega de Talita, a engenheira Nicole Maisa Diedrich Froelich lidera outras cerca de 35 pessoas em uma obra de alto padrão prevista para ser entregue em julho deste ano. Vinda de Rio Negrinho, onde começou a carreira há quase quatro anos, ela afirma que é perceptível a evolução da participação feminina no mercado.

— Até nas universidades a participação das mulheres está quase maior do que a proporção de homens, então elas estão em crescimento constante no mercado da construção civil. Quando eu comecei, em Rio Negrinho, fui uma das primeiras estagiárias naquela empresa e o pessoal até estranhava, mas ajudava. Isso fez com que eu aprendesse mais e quando mudei para Joinville, percebi que na cidade a situação da mulher na construção civil é bem diferente, o mercado já está mais consolidado — relata.

A liderança da mulher não se resume só aos canteiros de obra, mas também nos escritórios das empreiteiras. A administradora Renata Baggio, de 31 anos, se envolveu com o ramo da construção há cerca de sete anos e aos 27 conseguiu chegar ao cargo de diretora comercial na Incorposul, empresa com atuação no ramo da construção civil em Joinville. É dela a missão de negociar os empreendimentos lançados pela empresa, além de participar da concepção dos projetos junto aos engenheiros dos projetos.

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— Apesar do cargo administrativo, é necessário ter conhecimento na área e conhecer a obra. Tenho que acompanhar a concepção do projeto junto aos arquitetos para poder chegar ao cliente e negociar os imóveis. Então, a gente (do comercial) é que orienta o que está vendendo, qual é a tendência de mercado, a procura dos clientes e com isso ajuda a fazer os apontamentos que o projeto deve ter — revela.

Na Rôgga Empreendimentos, outra construtora do Norte catarinense, os cargos de liderança em grandes obras também passam pela atuação feminina. Uma das referências é a joinvilense Marina Zanini, que aos 27 anos chefiou a obra do Bali Beach Home Club, considerado o maior empreendimento imobiliário de Balneário Piçarras. A obra com 324 apartamentos foi entregue em dezembro do ano passado e foi a terceira em que a profissional participou como engenheira-chefe na empresa. Ao todo, ela foi responsável por coordenar o trabalho que teve picos de até 150 operários.

Em outras duas empresas com atuação na cidade, o quadro de mulheres também tem reflexo importante. Na GBF Construtora, que mantém em Joinville dois dos seus nove empreendimentos em construção, três engenheiras (metade do total) são responsáveis pelas obras. Na Construtora e Incorporadora Correia, outras 28 mulheres estão empregadas em diversas funções do ramo.