A plataforma social anunciou no início de janeiro, após meses de atrasos, que não mudaria suas regras básicas da publicidade política antes das eleições de 2020. Ao contrário do Google, que restringiu o direcionamento de anúncios políticos no ano passado, ou o Twitter, que proibiu totalmente os anúncios políticos, o Facebook e seu executivo-chefe, Mark Zuckerberg, decidiram preservar o status quo.

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Os políticos ainda estarão isentos do programa de verificação de fatos do Facebook e poderão quebrar muitas das regras que se aplicam a outros usuários. As campanhas vão poder também gastar milhões de dólares em anúncios visando estreitar fatias do eleitorado, subir seus arquivos de eleitores para criar públicos personalizados e usar todas as outras ferramentas de espionagem do Facebook.

A rede social passou grande parte dos últimos três anos se desculpando por sua inação durante as eleições de 2016, quando a plataforma foi invadida por desinformações extremamente tendenciosas, algumas delas russas, que foram amplificadas por seus próprios algoritmos. E, antes de 2020, algumas pessoas se perguntavam se Zuckerberg – que, de acordo com sua própria admissão, se sente desconfortável com o poder do Facebook – faria tudo que pudesse para se afastar do fogo cruzado político.

Em vez disso, Zuckerberg abraçou o papel central do Facebook nas eleições – não só dando passe livre aos políticos em relação à verdade, mas também preservando os elementos de suas plataformas de publicidade, que provaram ser uma força decisiva em 2016.

— Foi um erro – disse Alex Stamos, ex-diretor de segurança do Facebook, sobre a decisão. Stamos, que deixou a empresa após as eleições de 2016, disse que considerações políticas provavelmente influenciaram na decisão de manter as opções existentes de direcionamento de anúncios.

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— Eles claramente têm medo do contra-ataque político – afirmou ele.

Stamos, como alguns funcionários do Facebook e agitadores externos, havia defendido mudanças pequenas, mas significativas, nas políticas do site, como aumentar o tamanho mínimo do público que um anunciante político tem permissão de alcançar e desautorizar alegações facilmente refutáveis feitas sobre um candidato político por seus rivais. Essas mudanças propostas tinham como meta desencorajar o mau comportamento das campanhas, ao mesmo tempo que permitiam o uso das poderosas ferramentas de anúncios do Facebook para arrecadar dinheiro e atrair apoiadores.

Mas, no fim, essas ideias perderam para o argumento – defendido por Andrew Bosworth, executivo do Facebook, em um memorando interno, pela campanha do presidente Donald Trump e por vários grupos democratas – de que mudar as regras da plataforma, mesmo de uma forma ostensivamente neutra, equivaleria a um favorecimento unilateral. Bosworth, que supervisionou a plataforma de anúncios do Facebook em 2016, argumentou que a razão pela qual Trump foi eleito foi simplesmente porque "ele conduziu a melhor campanha de anúncios digitais que já vi".

Em outras palavras, o sistema funcionou como projetado.

Não me entenda mal: o Facebook fez progressos desde 2016 para dissuadir certos tipos de interferência eleitoral. Gastou bilhões de dólares reforçando suas equipes de segurança para evitar outro desastre de trolls russos e acrescentou ferramentas mais transparentes para combater as trevas da campanha digital, como uma biblioteca de anúncios políticos e um processo de verificação que exige que esses anunciantes se registrem em um endereço americano. Tais movimentos forçaram os aspirantes a intrometidos eleitorais a ser mais furtivos em suas táticas, fazendo com que uma operação de influência estrangeira no estilo da de 2016 seja muito menos provável desta vez.

Mas, apesar dessas mudanças, a arquitetura básica do Facebook é em grande parte a mesma de 2016 e vulnerável de muitas das mesmas maneiras. A plataforma ainda opera com o princípio de que o que é popular é bom. Ainda tem uma visão agnóstica do discurso político, dizendo aos políticos que, contanto que seus posts não contenham certos tipos de desinformação (como dizer aos eleitores o dia de votação errado ou enganá-los sobre o censo), podem dizer o que quiserem. E ainda reluta em tomar quaisquer atitudes que possam ser interpretadas como partidárias – mesmo que essas atitudes levem a um debate político mais saudável ou a uma eleição mais justa.

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O Facebook argumentou que não pode ser um árbitro da verdade e que tem a responsabilidade de permanecer politicamente neutro. Mas as atuais políticas da empresa são tudo menos neutras. Elas dão uma vantagem aos candidatos cujas campanhas são boas em exibir conteúdo emocionalmente carregado e tendencioso, independentemente da sua precisão factual. Hoje, isso descreve a estratégia de Trump, assim como as usadas com sucesso por outros populistas conservadores, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, e o primeiro-ministro Viktor Orban, da Hungria. Mas poderia muito bem descrever a estratégia de um adversário democrata de Trump. O viés mais gritante do Facebook não é partidário – é o viés dos candidatos cujas estratégias mais se assemelham a uma página de memes.

Em um nível, a decisão de Zuckerberg sobre os anúncios, que veio depois de meses de lobby apaixonado das campanhas republicana e democrata, bem como de grupos de direitos civis e de inúmeros funcionários descontentes do Facebook, é um compromisso bipartidário. Os dois lados, afinal, dependem dessas ferramentas, e há o argumento de que os democratas precisam delas para alcançar a sofisticada operação digital de Trump.

Em última análise, porém, a decisão de Zuckerberg de deixar intacta a arquitetura da plataforma do Facebook equivale a um endosso poderoso – não a qualquer candidato de 2020, mas ao papel do Facebook na democracia global. É um voto a favor da ideia de que o Facebook é um campo de jogo concebido de modo justo, propício ao debate político saudável, e que quaisquer problemas existentes simplesmente refletem os problemas da sociedade como um todo.

Ellen L. Weintraub, integrante da Comissão Eleitoral Federal e franca adversária das políticas existentes no Facebook, me disse que também estava decepcionada com a escolha da empresa. "Eles têm uma responsabilidade real aqui e só estão fugindo dela. Não querem reconhecer que o que criaram está contribuindo para o declínio da nossa democracia, mas está."

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Na defesa parcial do Facebook, proteger as eleições não é responsabilidade de uma única empresa, e as empresas de tecnologia não são as únicas determinantes de quem é eleito. Desigualdade de renda, populismo econômico, política de imigração – essas questões ainda importam, assim como as organizações de mídia que moldam a percepção desses fatos. Também não acredito, como alguns críticos do Facebook, que Zuckerberg esteja fazendo isso por dinheiro. A receita de publicidade política do Facebook é uma pequena parte de sua receita geral, e até mesmo uma decisão de barrar anúncios políticos inteiramente não mudaria materialmente a saúde financeira da empresa.

Em vez disso, confio em Zuckerberg quando ele diz que realmente acredita que uma eleição com o Facebook em sua essência é melhor que uma sem ele – que, como ele disse no ano passado, "os anúncios políticos são uma parte importante da voz".

Há razões para questionar sua definição de "voz" e para perguntar por que uma plataforma que checa os fatos de anúncios de políticos ou que limita sua capacidade de direcionamento de eleitores teria menos voz. Mas isso quase não importa, porque os termos para as eleições de 2020 estão agora definidos. Esta eleição, como a eleição de 2016, será determinada em grande parte por quem pode explorar melhor a relutância do Facebook em afirmar que está arbitrando nossa política, mesmo quando tem o apito.

— Eles estabeleceram as regras – e agora todos têm de se ajustar a elas, que nem são regras efetivamente – disse Stamos, o ex-chefe de segurança do Facebook.

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