A prefeitura de Florianópolis publicou na edição de quinta-feira do Diário Oficial um decreto que altera as condições para nomeação de cargos comissionados na administração municipal. A mudança ocorreu após a reportagem do Diário Catarinense ter entrado em contato com o Executivo para questionar a existência de ao menos quatro funcionários que exercem outras atividades remuneradas fora da função pública. Tal conduta era vedada pelo decreto anterior (15.484/15) que tratava do tema, publicado em novembro de 2015 pelo então prefeito Cesar Souza Junior (PSD).
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A ordem executiva vigente até ontem determinava que os nomeados para cargos em comissão deveriam apresentar uma declaração afirmando não exercer quaisquer outras atividades remuneradas. Dos quatro funcionários que o Diário Catarinense comprovou que tinham atuação na área privada, três são da Secretaria de Turismo, Ciência e Tecnologia e o quarto, do Tribunal Administrativo Tributário da Capital.
De acordo com o Portal da Transparência da prefeitura, os comissionados têm remuneração bruta entre R$ 3 mil e R$ 9 mil.Três deles são sócios de empresas e outro é professor de uma universidade privada, ministrando aulas em São José. A reportagem pediu acesso aos documentos que deveriam ter sido assinados antes das nomeações, porém a prefeitura não encaminhou as declarações.
Em nota enviada no fim da tarde de ontem (leia íntegra ao lado), a assessoria do prefeito Gean Loureiro afirma que o novo decreto terá efeito retroativo a 1º de janeiro de 2017. Em termos práticos, isso representa uma anistia para as irregularidades cometidas até a publicação. A atual gestão também disse, em referência ao decreto 15.484, que “nem mesmo o autor o cumpria já que havia comissionados com outras atividades remuneradas”, referindo ao ato do ex-prefeito Cesar Souza Junior.
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Profissionais admitem atuação empresarial
O Diário Catarinense também entrou em contato, na quarta-feira, com os comissionados que exercem atividades remuneradas fora da prefeitura. Três deles admitiram, por telefone, que possuem fontes de renda além do trabalho na prefeitura. Desses, um afirmou não lembrar de ter assinado a declaração exigida e outro disse que informou à Secretaria de Administração sobre seu trabalho como professor no período noturno e que não houve impedimento para assumir o cargo. O quarto servidor pediu à reportagem para que a entrevista fosse feita pessoalmente na manhã de quarta-feira, porém a assessoria de comunicação da prefeitura cancelou o encontro cerca de uma hora depois de saber o tema.
A discussão sobre a incompatibilidade de funções privadas com o serviço público municipal ganhou destaque após uma denúncia anônima chegar à Câmara dos Vereadores.
A Lei Orgânica do Município, que impede o prefeito e secretários de exercer atividades administrativas em empresas, foi citada como argumento para questionar a nomeação de Doreni Caramori Junior como secretário executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de Florianópolis. O empresário acabou deixando o cargo em abril.
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Advogados divergem quanto à legalidade
Não há consenso no meio jurídico sobre a opção da prefeitura por publicar uma decisão retroativa. O presidente da comissão estadual de direito empresarial da OAB-SC, Pedro Cascaes Neto, diz que um decreto municipal tem a função de regulamentar as leis já existentes, não podendo jamais contrariar a Lei Orgânica do Município. Nesse caso, ele acredita que não há ilicitude na retroatividade, já que compete ao chefe de executivo coordenar o trabalho dos comissionados, que, por sua natureza, possuem um vínculo mais próximo com o prefeito.
Outros advogados com experiência na área pública entendem que o ato retroativo, ao diminuir as restrições do anterior, não pode ter validade, pois ele influencia na questão da legalidade e probidade, princípios do direito administrativo, que tem como premissa não misturar o público com o privado. Na visão de um advogado que preferiu não se manifestar, a medida não pode ser adotada porque assim “toda ilegalidade poderia ser convalidada no futuro”. De acordo com o jurista, na maioria dos julgamentos em tribunais de contas “sempre vai prevalecer a lei vigente à época”.
O vereador Afrânio Boppré (PSOL) afirma que “não existe decreto retroativo sem o antigo ser revogado”:
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– Isso é um absurdo, é querer legalizar a imoralidade lá de trás, além de ser falsidade ideológica, uma gambiarra para contornar o ilegal. Não há como reverter o ilegal.
Antes da publicação do decreto no 15.484, que foi publicado para regular a lei orgânica do município na administração anterior e restringir critérios de nomeações de comissionados, o município não tinha regulamentação nesse sentido.
O que diz a prefeitura
“A regulamentação será publicada na data de hoje (ontem 27/4) e tem validade retroativa a 1o de janeiro de 2017. De acordo com a lei orgânica do município, artigo 76, é vedado ao prefeito, seus secretário e diretores, desempenharem função de administração em empresa privada, o que é respeitado pelo município. Com o novo decreto, também será vedado a qualquer comissionado possuir atividade remunerada em horário idêntico ao do serviço municipal. A nova regulamentação também veda esses servidores de possuírem sociedade em empresas que tenham relação de fornecimento com a administração municipal. Essa regulamentação, que leva em conta também a Lei de Ficha Limpa, se sobrepõe ao decreto 15.484, de 20 de novembro de 2015, de autoria do ex-prefeito César Souza Júnior. Decreto este que nem mesmo o seu autor o cumpria, já que havia comissionados com outras atividades remuneradas. A atual gestão não vê impedimento de que comissionados possam ter outra atividade remunerada desde que não seja no horário de expediente. Um exemplo disso são os professores universitários que fazem parte da atual administração e que trazem qualificação e experiência ao setor público”.
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